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Claúdio Salles

Claúdio Salles

Acontece no próximo dia dia 11 de março de 2022, ás 17 horas a live de lançamento da 2a edição do livro : Viagem, Experiência e Memória. Narrativa de profissionais da Saúde Pública dos anos 1930, da professora Neiva Vieira da Cunha, professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ, pesquisadora do Laboratório de Etnografia Metropolitana/LeMetro/IFCS-UFRJ, coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Periferias/NEsPE/FEBF-UERJ e Pesquisadora Associada ao Centre d'Etudes des Mouvements Sociaux/CEMS-EHESS.

A primeira edição do livro foi o resultado do prêmio da tese de doutorado pela ANPOCS, em 2004. E agora, diante dessa crise pandêmica que vivemos, a publicação ganha em importância. 
 
A live contará com a com a participação dos pesquisadores Marco Antonio da Silva Mello, de Luiz Antonio de Castro Santos, e  Felipe Berocan Veiga.
 
 
 
Neiva Vieira da Cunha
Professora Associada da Universidade do Estado do Rio de Janeiro/UERJ
Pesquisadora do Laboratório de Etnografia Metropolitana/LeMetro/IFCS-UFRJ
Coordenadora do Núcleo de Estudos sobre Periferias/NEsPE/FEBF-UERJ
Pesquisadora Associada ao Centre d'Etudes des Mouvements Sociaux/CEMS-EHESS
 
Luiz Antonio de Castro Santos
Professor Visitante Sênior da Universidade Estadual do Maranhão
 
Marco Antonio da Silva Mello
Coordenador do Laboratório de Etnografia Metropolitana/LeMetro/IFCS-UFRJ
Professor Associado do Departamento de Antropologia Cultural do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (DAC/IFCS-UFRJ)
Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade Federal Fluminense (PPGA/ICHF-UFF)
Pesquisador sênior do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT-InEAC/CNPq)
 
Felipe Berocan Veiga
Departamento de Antropologia - GAP
Programa de Pós-Graduação em Antropologia - PPGA
Universidade Federal Fluminense - UFF
Pesquisador do Laboratório de Etnografia Metropolitana -
LeMetro/IFCS-UFRJ, do NUFEP-UFF e do INCT-InEAC
 

Viagem, Experiência e Memória. Narrativas de profissionais da Saúde Pública dos anos 1930

1ª Edição, 2005. 2a Edição, 2021

 

Este livro é o resultado da Tese de Doutorado de Neiva Vieira da Cunha, que recebeu o prêmio de melhor Tese na área de Antropologia, no concurso da Associação Nacional de Pós-graduação em Ciências Sociais/ANPOCS, em 2004.

 

Ele traz uma importante contribuição aos estudos sobre os processos de construção social da memória coletiva sobre a conquista do direito à Saúde Pública no Brasil. Essa questão assume um caráter fundamental diante do negacionismo científico do atual governo diante da pandemia que nós vivemos nesse momento. Através de uma etnografia retrospectiva, que toma como quadro de análise as políticas de Saúde Pública no Brasil da década de 1930, este livro reconstrói a trajetória profissional de um grupo de médicos sanitaristas que participaram de campanhas de saúde implementadas no país a partir desse período para enfrentar as diversas doenças infecciosas que eram endêmicas em todo o interior do país naquele momento. As narrativas de vida dos representantes desse grupo de sanitaristas, que constituem o corpus etnográfico aqui analisado, nos indicam que suas ações foram acompanhadas de uma profunda reflexão sobre seu significado e seu impacto na sociedade brasileira. E para compreender a densidade de significado dessas narrativas e as categorias descritivas utilizadas por esses médicos sanitaristas para relatar sua experiência profissional, foi preciso retornar à personagens, acontecimentos e cenários do passado. Ao considerar a etnografia como uma obra de construção textual complexa, a perspectiva analítica aqui proposta restabelece o diálogo entre antropologia e história ao inscrever a diacronia e a sincronia como dimensões complementares da análise sócio-antropológica

 

Reproduzimos em nosso site o artigo  Os Usos da “Ciência” no Campo do Direito Brasileiro, escrito pelo sociólogo Michel Lobo Toledo Lima, pesquisador vinculado ao INCT/INEAC . O artigo foi publicado nessa quinta-feira, 3/3/2022, NO BLOG CIÊNCIA E MATEMÁTICA do O GLOBO : https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/os-usos-da-ciencia-no-campo-do-direito-brasileiro.html

 

Os Usos da “Ciência” no Campo do Direito Brasileiro

 

Michel Lobo Toledo Lima

Em 2020, em todo o Poder Judiciário, ingressaram 25,8 milhões de processos e foram baixados 27,9 milhões, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em seu Relatório Justiça em Números de 2021. Além disso, o relatório do projeto "Judicialização e Sociedade: ações para acesso à saúde pública de qualidade” do CNJ aponta para o aumento de novos processos judiciais com demandas nessa área que totalizaram 196.929 casos em 2020 contra 176.640 em 2019, um aumento de 11,5%.

 

Além disso, a conjuntura pandêmica (re)alocou vários campos do conhecimento, como a medicina, sobretudo a epidemiologia e a virologia, na agenda dos tribunais. As recentes orientações da OMS, a propagação de artigos científicos sobre a COVID-19 e as declarações cotidianas de acadêmicos sobre os efeitos e eficácia de distintas medidas para enfrentar o coronavírus se propagaram e foram invocadas em políticas públicas e decisões de representantes do executivo nas esferas municipais, estaduais e federal. Medidas que também foram e estão sendo levadas à apreciação do Judiciário, a exemplo das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 6.421, 6.422, 6.424, 6.425, 6.427, 6.428 e 6.431 que analisaram se atos de agentes públicos durante a pandemia observaram, ou não, critérios técnicos e “científicos”.

Um dos pontos que chamo a atenção nesse movimento da judicialização de fatos sociais durante a pandemia, refere-se às invocações e instrumentalizações da categoria “ciência” nas decisões judicias. Questão que não se restringe ao momento atual, mas que foi ainda mais explicitada pelo contexto pandêmico.

Tais fatos me remetem a algumas reflexões antes feitas aqui nesse Blog, em diversos escritos, por Bárbara Lupetti, Fernanda Duarte, Pedro Heitor, Rafael Iorio e Roberto Kant, isoladamente ou em conjunto, acerca da dogmática jurídica, produzida no contexto do direito brasileiro, que se refere ao dever ser, não sendo fruto de uma reflexão que atende aos padrões científicos, porque não se afiguram em teorias explicativas, ou interpretativas, da empiria, da experiência jurídica prática do direito. Essa sua não correspondência à prática, portanto, faz parte da maneira como o campo se organiza e se reproduz, formando um sistema de pensamento não científico, embora se auto refira como sendo uma ciência.

Há um abismo intransponível entre, por um lado, a dogmática (dever ser) e, por outro, a prática judiciária e jurídica (ser). Para preencher discursivamente essa lacuna, o campo do direito usa fragmentos de teorias de várias ciências, vagamente aproximadas e anacronicamente (des)contextualizadas. Isso gera idiossincrasias entre “teoria” e prática nesse campo que resultam em expressões nativas, naturalizadas pelos operadores e acadêmicos do direito, como “cada caso é um caso”; “cada cabeça, uma sentença”; “na prática a teoria é outra”; “depende”; “na perspectiva da melhor doutrina”, dentre outras que normalizam práticas e discursos portadores de paradoxos que advêm e resultam da e na incompreensão e imprevisibilidade das decisões judicias, resultando em insegurança jurídica e interpretações arbitrárias e particularizadas de como aplicar leis e de como consensualizar fatos.

Correlacionado a essas idiossincrasias acima, forma-se o saber e a produção acadêmica do direito no Brasil com ênfase nas doutrinas, com ausência de teoria do, ou para, o direito brasileiro, advinda da sua forte ligação com nosso dogmatismo e o interpretativismo legal, ainda fortemente internalizados nos cursos das faculdades, gerando pseudocontrovérsias epistemológicas sobre uma “ciência do direito”, informada pelos agentes do campo jurídico brasileiro como ciência do dever ser.

Muitas doutrinas jurídicas debatem o que “deveria ser” a ciência do direito, como uma espécie de realidade idealizada. Isso vai enfaticamente de encontro do que autores clássicos como Thomas Kuhn, Gaston Bachelard, Pierre Bourdieu e Pedro Demo, por exemplo, apontam acerca da formação do conhecimento científico, da função do dogma ou do habitus no campo científico, assim como da necessidade de abandonar a “ilusão naturalista” para a ruptura epistemológica de consensos provisórios no campo do conhecimento científico, algo necessário para perceber e superar obstáculos conceituais e metodológicos.

A ciência está sempre “pensando” em como reconduzir o seu fazer a partir de um paradigma a ser rompido. Ao contrário disso, o conhecimento jurídico brasileiro produz um saber abstrato, idealizado e imprevisível acerca de uma tida “realidade” que precisa ser recorrentemente decifrada por aqueles que têm autorização do campo para interpretá-la, a exemplo das correntes doutrinárias e dos juízes ao prolatarem decisões judiciais, atrelando saber, sem consensos, ao poder. Assim, não há dogmas a serem rompidos, mas dogmáticas a serem reproduzidas ampliadamente e reiteradamente (re)interpretadas.

Além disso, o direito brasileiro constrói suas decisões judiciais e seu saber jurídico especializado fundados na lógica do dissenso infinito, que permite – e muitas vezes obriga - que se instaurem intermináveis divergências entre as partes envolvidas, só interrompido esse processo de construção da verdade baseado no argumento de uma autoridade investida para tal.

Ilustrações dessas idiossincrasias, dissensos e aparentes paradoxos apontados aqui podem ser vistas em notícias jornalísticas cotidianas, mencionando decisões judiciais que invocaram a ciência como justificativa para seus posicionamentos, a exemplo da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) no RE 958.252/MG, de 2018, que menciona, entre outras coisas, que “a racionalidade que informa a figura da terceirização foi primeiramente teorizada por um dos maiores nomes da história das ciências econômicas, o ganhador do prêmio Nobel Ronald Coase” e que a “terceirização, segundo estudos empíricos criteriosos, longe de precarizar, reificar ou prejudicar os empregados, resulta em inegáveis benefícios aos trabalhadores em geral, como a redução do desemprego”, para construir e ratificar a tese jurídica que “é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante”. Mas, apesar disso, a pauta do STF prevê que em abril de 2022 haja o julgamento de embargos de declaração perante essa decisão, sobre a qual há 8.541 processos sobrestados, ou seja, apesar da decisão possuir efeito vinculante a princípio, a tese “cientificamente” construída enfrenta divergências variadas, inclusive, sem argumentações científicas, mas baseadas em correntes doutrinárias sobre o assunto no contexto pandêmico.

De forma semelhante, o acórdão da ADI 6.586 também invocou a ciência e usou a expressão “necessidade de observância de evidências científicas”, para arquitetar a tese de que “vacinação compulsória não significa vacinação forçada, porquanto facultada sempre a recusa do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei (...)”. A resposta do STF à ADI 6341 seguiu no mesmo sentido no que tange às medidas “adotadas pelas autoridades governamentais no combate à pandemia de Covid-19 devem ser devidamente justificadas, obedecer aos critérios da Organização Mundial da Saúde e gozar de respaldo científico”.

Apesar das decisões acima, recentemente, o TRF da 2ª Região, por meio de um habeas corpus, permitiu que uma estudante do Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, pudesse frequentar a escola sem ter sido vacinada contra a Covid-19. Na decisão consta que “com relação a obrigatoriedade da vacinação, entendo que esta não pode ser exigida, vista que tratam-se de vacinas ainda em fases de estudos e que necessitam de aprimoramento e de estudos de segurança amplamente comprovados e divulgados à população antes de se tornar de uso obrigatório”, invocando trechos de pesquisas para ratificar um entendimento a priori, mencionando que “é normal ter uma hipótese cientifica incorreta. Mas quando novos dados provam que está errado, você tem que se adaptar. Infelizmente, muitos líderes eleitos e funcionários de saúde pública têm sustentado por muito tempo a hipótese de que a imunidade natural oferece proteção não confiável contra covid-19 - uma alegação que está sendo rapidamente desmentida pela ciência”.

Uma última ilustração se dá com a concessão de liminar judicial por um juiz de São Paulo, pleiteada por donos de lotéricas da cidade de Franca para que os estabelecimentos funcionassem - apesar do decreto municipal 11.217, de março de 2021, de São Paulo, proibir a abertura desses comércios – e que teve trechos como “a ciência, idolatrada como uma deusa infalível, já foi e voltou várias vezes” e “sim, cientistas erram!”. Além disso, o juiz embasou o seu convencimento, com a afirmação que “no entendimento deste magistrado plantonista, o lockdown é inútil, como demonstra a experiência prática de países mais desenvolvidos que o Brasil, com índices de mortalidade maiores”.

Tais casos ilustram alguns dilemas e desafios do direito brasileiro em tentar incorporar evidências e dialogar com argumentos científicos, indicando o paradoxo de que muitos escritos jurídicos – como monografias, dissertações, teses, livros de doutrinas e peças processuais – buscam se travestir de uma aparência científica sem, entretanto, assumir o método científico para sua produção como tal. Evidencia-se a resistência e a dificuldade de implementação uniforme e eficaz de formas consensuais de administração de conflitos em nosso sistema de justiça, mesmo após sucessivas reformas legislativas. Estas, embora as autorizem, encontram obstáculos empíricos, indicativos de que a busca pelo consenso é indesejável e desafiadora do monopólio do poder de decidir instituído no campo jurídico que é orientado por opiniões autorizadas. A ciência, assim como outras categorias e conceitos invocados pelo direito, é instrumentalizada para justificar e dar selos de autenticidade aos entendimentos, muitas vezes divergentes, e até opostos entre si, sobre fatos semelhantes, nas decisões judiciais.

A reivindicação pelo reconhecimento de sua cientificidade, não é simples capricho do saber jurídico, mas uma proposição deste campo que quer (re)produzir, com exclusividade, os ideais interpretativos acerca das regras de conduta que devem reger um Estado Democrático de Direito, segundo distintos entendimentos. Essa seria uma forma embrionária do princípio do “livre convencimento motivado do juiz” que permite que os magistrados primeiro se convençam de algum entendimento decisório para depois justificar esse convencimento com doutrinas e/ou jurisprudência – e, eventualmente, com a “ciência” - a favor de seu entendimento e interpretação, fórmula que é ensinada na academia do direito - inicialmente nas graduações e ratificado nas pós-graduações - e replicado nas práticas judiciárias.

A questão é que o direito brasileiro intitula deliberadamente sua produção acadêmica e jurisprudencial, anticientífica, como “Ciência do Direito”, e faz usos disso. O status científico emprestaria às conclusões do saber jurídico, formuladas pela academia e pelos Tribunais, uma espécie de condição de verdade racional e comprovada, para se auto justificar. O custo disso é a permanência infinita da promoção sistemática e de distribuição desigual e imprevisível da Justiça, e em nome da “ciência”, colocando em debate, e evidenciando, os fundamentos argumentativamente frágeis que sustentam a legitimidade do poder coercitivo do nosso direito, sua arbitrariedade e a dificuldade para sua compreensão racional por parte dos jurisdicionados, que o mantém à distância das práticas da sociedade brasileira.

Michel Lobo Toledo Lima é pesquisador do INCT-InEAC/UFF

 

 

 

Com a presença do magnífico reitor da UFF Antônio Claudio Lucas da Nóbrega e de muitos representantes da comunidade acadêmica da UFF, professores, técnicos e alunos, aconteceu, nessa segunda-feira, dia 21/2,  as 11h, a cerimônia de posse da Direção do IAC e também de inauguração da primeira fase da reforma do prédio que abrigará o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC) e o NEPEAC, sede do INCT-InEAC.

A mesa do evento contou com as participações do antropólogo Lenin Pires e do cientista político Pedro Heitor Heraldo, reeleitos para a direção do IAC.  Além deles a presença do reitor Antônio Cláudio Lucas da Nóbrega , do vice-reitor professor Fábio Passos e do coordenador do INCT/INEAC antropólogo Roberto Kant de Lima . 

O evento foi transmitido pela UNITEVE e pode ser assistido pelo link https://www.youtube.com/watch?v=1-Vkb8jYG40

 

 

 

 

 

 

 

 

O site do INCT/INEAC disponibiliza aqui o artigo "Entre a prisão e a acusação: o mérito da e na audiência de custódia"de autoria dos pesquisadores Pedro Heitor Geraldo Barros e João Vitor Freitas Duarte Abreu , ambos vinculados ao INCT/INEAC.

 O artigo foi publicado no site https://www.jota.info/ . Para ler acesse o link https://www.jota.info/opiniao-e-analise/colunas/judiciario-e-sociedade/entre-a-prisao-e-a-acusacao-o-merito-da-e-na-audiencia-de-custodia-04022022

Ou leia abaixo:

JUDICIÁRIO E SOCIEDADE

Entre a prisão e a acusação: o mérito da e na audiência de custódia

Audiência funciona como um 1º encontro com o juiz, mas não é necessariamente uma revisão das práticas policiais

 

A partir dos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a Folha de S.Paulo noticiou o “desaparecimento” das audiências de custódia no Brasil, com a queda de 222 mil em 2019 para 66 mil em 2020 – até junho de 2021, apenas 19 mil foram realizadas. Cerca de 52,9% dessas 19 mil não cumprem os requisitos estabelecidos em resolução para realização por meio de videoconferência.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (STF) tem consolidado a jurisprudência, de que a não realização da audiência de custódia no prazo de 24 horas depois da prisão em flagrante constitui irregularidade passível de ser sanada, que nem mesmo conduz à imediata soltura do custodiado” (Rcl. 49566 AgR).

A 1ª Turma do STF tem o mesmo entendimento: a “falta de audiência de custódia constitui irregularidade, não afastando a prisão preventiva, uma vez atendidos os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal e observados direitos e garantias versados na Constituição Federal” (HC 198.784, relator ministro Marco Aurélio).

 

Por fim, o ministro Nunes Marques, como relator no julgamento do HC194.074, argumentou que “a superveniência da realização da audiência de instrução e julgamento torna superada a alegação de ausência de audiência de custódia”.

Afinal qual o mérito na e da audiência de custódia? Como é possível compreender a não realização de uma audiência que, em tese, deveria supervisionar a legalidade da prisão em flagrante, a ocorrência de tortura ou maus tratos no momento da prisão e a necessidade da manutenção da prisão ou a concessão de medidas cautelares.

Na prática, é comum observar diferentes significados do “mérito”. O mais comum é a referência à instrução do processo. São empregados sob o mesmo jargão dos operadores “mérito dos fatos” presente nos textos normativos que regulamenta audiência de custódia. Aqui, a categoria mérito se refere ao que deve ser apreciado pelo juiz. Pretendemos contribuir para compreensão distinguindo as alegações sobre o mérito da prisão como objeto da audiência de custódia e mérito da acusação como responsabilidade do promotor e objeto do processo penal. Argumentamos que a forma de organização da Justiça brasileira orientada para as finalidades do processo impõe desafios de implementação dos “serviços” da justiça.

A orientação dos momentos de encontro da Justiça com os custodiados para as finalidades do processo tem implicações na condução da audiência, como incompreensões da interação em custodiados e operadores do direito sobre o que denominam “mérito”. Seja para impedir a fala dos custodiados (ABREU, 2019) ou utilizar desse argumento para o cerceamento manifestação da defesa na audiência de custódia (JESUS; TOLEDO; BANDEIRA, 2021).

Processo como forma de administração dos conflitos e a produção dos registros

Os autos do processo constituem-se no conjunto de registros para a decisão do juiz ordenados cronologicamente e de propriedade da jurisdição. A decisão final deve supostamente fazer referência apenas aos registros constantes nos autos. A organização da Justiça brasileira se subordina ao processo como forma de administração de conflitos. Essa forma contribui para incompreensão de dois aspectos relevantes para audiência de custódia.

O processo é uma maneira de acumular registros contra os acusados. Esta forma acaba confundindo os dois significados na audiência: o mérito da acusação (quem acusa é o promotor que é o objeto do processo penal) e o mérito da prisão (o objeto da audiência de custódia). Tanto a análise dos registros quanto uma apreciação do testemunho do custodiado são passíveis de serem apreciados ou descartados na decisão, em razão do mérito da acusação, que é antecipada formalmente por meio do Auto de Prisão em Flagrante (APF).

As audiências de custódia foram implantadas no sistema de Justiça brasileiro a partir do julgamento da ADPF 347, em 2015, como uma “observância obrigatória”. Posteriormente o CNJ editou a resolução nº 213 de 2015 estabelecendo parâmetros para sua realização. Em 2019, tornou-se lei em sentido estrito, mas sem o detalhamento do rito.

Sobre o “mérito”, suas restrições estão na Resolução n° 213/2015 do CNJ, que contém em seu artigo 8º, VII, que o magistrado deve “abster-se de formular perguntas com finalidade de produzir prova para a investigação ou ação penal relativas aos fatos objeto do auto de prisão em flagrante”; e no §1º, que estabelece que o juiz deve “indeferir as perguntas relativas ao mérito dos fatos que possam constituir eventual imputação (…)”.

Essas medidas são vistas pelos operadores como cuidados necessários para a garantia dos direitos dos custodiados uma vez que essa é uma etapa entre o inquérito e a ação penal iniciada pelo recebimento da denúncia. Inevitavelmente, essa distinção pode ser ambígua e a audiência de custódia se torna parte do processo, uma vez que as audiências não funcionam para a explicitação do ritual de justiça, mas para a produção de registros para o juiz.

O referido artigo da Resolução n° 213/2015 demonstra uma preocupação com os registros que ela pode produzir. Por esta razão, a compreensão da função dos “autos” como potenciais acumuladores de registros a respeito do mérito da acusação é relevante.

O ‘mérito dos fatos’ entre a prisão e a acusação

Numa audiência de custódia, o custodiado aparentava ter cerca de 50 anos e estava com as mãos algemadas embaixo da mesa com a cabeça baixa. Atrás dele, estava o policial militar responsável pela segurança da sala de audiência. Ele foi preso por furtar uma peça de queijo de um supermercado dois dias antes.

O promotor opinou pela prisão preventiva. A juíza entendeu que a prisão não era proporcional e concedeu a liberdade provisória com aplicação de medidas cautelares: “Olha, [nome do custodiado], vou soltar, mas não era para soltar. Era um queijo, mas de 200 reais. Não quero te ver de novo aqui!”.

O processo foi distribuído em junho de 2017. Dias depois, o juiz que recebeu o processo na vara criminal onde aconteceria a instrução despachou informando que o indiciado havia sido beneficiado com a liberdade provisória por decisão em audiência de custódia e abriu “vista ao MP”. Os autos retornaram para o juiz no fim do mesmo mês, e o juiz decretou a prisão preventiva após o requerimento do MP.

Quase um ano depois, o processo terminava. Mesmo depois da decisão concedendo a liberdade provisória na audiência de custódia, ele permaneceu preso durante todo o processo. Ao final do processo, foi condenado a um ano de reclusão e dez dias multa no regime inicial semiaberto.

A audiência de custódia tem se caracterizado na organização da Justiça criminal como uma etapa presidida por um juiz de primeira instância. A revisão do mesmo ato pelo juiz natural, ou seja, aquele que instrui o processo e delibera sobre o mérito da acusação, sendo também um juiz de primeira instância, acaba criando, na prática, uma nova instância, sendo a unidade que realiza a audiência de custódia hierarquicamente inferior às varas criminais.

Nesse sentido, a 2ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), deferiu, em habeas corpus, que sem fato novo, o juiz natural não pode alterar a decisão do juiz da audiência de custódia que concedeu a liberdade ao acusado, pois ambos são da mesma instância. Segundo a relatora do HC: “A competência revisora da decisão prolatada pelo juiz de audiência de custódia é exclusiva do Tribunal de Justiça, sob pena de subversão da ordem jurídica (…)” (TJSP, 2018).

Este caso demonstra como o mérito da audiência de custódia não está bem definido para os operadores. O juiz natural, ao se manifestar sobre a recepção da ação penal na instrução, ensejou uma discussão sobre instância e jurisdição. O mesmo problema segue no argumento do ministro Nunes Marques ao orientar que “a superveniência da realização da audiência de instrução e julgamento torna superada a alegação de ausência de audiência de custódia”.

A categoria “mérito dos fatos” não colabora para distinguir a finalidade da audiência, pois os fatos podem se relacionar tanto a como a prisão foi realizada, quanto como o suposto crime praticado, embora seja este o significado pretendido normativamente. O registro do APF é parte dos depoimentos que foram “reduzidas a termo” (CARDOSO DE OLIVEIRA, 2011) por uma das partes interessadas na acusação. Assim, na audiência de custódia a prisão não é representada por quem realmente a efetuou, mas sim pela autoridade que efetuou o registro da comunicação da prisão por meio do APF, que possui presunção de legalidade.

Nesse sentido, o mérito da acusação é provar com a proposição da ação penal a prática do crime pelo réu. No entanto, o mérito da acusação é antecipado pelo APF na audiência de custódia. A recente alteração legislativa que possibilita ao delegado de polícia requerer a prisão preventiva mesmo nos casos de flagrante tem sido observado como algo que pode substituir o pedido da acusação em audiência de custódia caso o juiz entenda que não pode decretar a prisão preventiva de ofício.

Estas práticas demonstram uma confusão dos papéis dos atores durante essa audiência. Na série Justiça e Pesquisa, os pesquisadores identificaram a forte unidade entre juízes e promotores tanto na condução das audiências, como pelas motivações decisórias, contribuindo para confusão dos papéis de acusadores e julgadores (AZEVEDO; SINHORETTO; LIMA, 2018).

O mérito da prisão é frequentemente negligenciado. São poucos registros de relaxamento de flagrante decorrente de inconsistências na análise formal dos documentos que compõem o APF, ou pela ocorrência de violência, tortura ou maus tratos no momento da prisão. Pelo contrário, os excessos da polícia continuam a produzir efeitos a favor da acusação, pois deixam de fazer parte dos registros. Essa prática é observada como uma forma de regulação da tortura de acordo com a queixa e posição social dos envolvidos (KANT DE LIMA, 1999).

Assim, esta audiência acaba funcionando como mais uma situação de reafirmação da suspeição sistemática; não só pesa em desfavor o registro do APF, mas os relatos sobre tortura dos cidadãos são desacreditados, na medida em que se soma ao processo uma decisão fortemente desfavorável que é a prisão.

Ao pensarmos em termos organizacionais, a confusão do mérito da prisão e da acusação é favorecida por esta forma de administrar conflitos pelos registros. Fazendo que a audiência de custódia funcione como um primeiro encontro com um juiz, mas não necessariamente uma revisão das práticas policiais durante as prisões.


ABREU, J. V. F. D. A custódia das audiências: uma análise das práticas decisórias na Central de Audiência de Custódia (CEAC) do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado—Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2019.

AZEVEDO, R. G. DE; SINHORETTO, J.; LIMA, R. S. DE. Audiência de Custódia, Prisão Provisória e Medidas Cautelares: Obstáculos Institucionais e Ideológicos à Efetivação da Liberdade como Regra: Justiça Pesquisa Direitos e Garantias Fundamentais. Brasília: Conselho Nacional de Justiça, 2018.

CARDOSO DE OLIVEIRA, L. R. Direito Legal e insulto moral: Dilemas da cidadania no Brasil, Quebec e EUA. Rio de Janeiro: Garamond, 2011.

JESUS, M. G. M. DE; TOLEDO, F. L.; BANDEIRA, A. L. V. DE V. MÉRITO SOB CUSTÓDIA: OS LIMITES DA MENÇÃO AOS FATOS DA PRISÃO DURANTE AS AUDIÊNCIAS DE CUSTÓDIA. Direito Público, v. 18, n. 99, 28 out. 2021.

KANT DE LIMA, R. Polícia, justiça e sociedade no Brasil: uma abordagem comparativa dos modelos de administração de conflitos no espaço público. Revista de Sociologia e Política, p. 23–38, nov. 1999.

 

PEDRO HEITOR BARROS GERALDO – Professor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC-UFF), do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD), bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito.
JOÃO VITOR FREITAS DUARTE ABREU – Doutorando em Sociologia e Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense. Mestre em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense. Bacharel em Segurança Pública e Social pela UFF. Pesquisador vinculado ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC) e ao Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito (NSD)

 

Nessa segunda-feira, dia 21/2,  as 11h, acontecerá a cerimônia de posse da Direção do IAC e também de inauguração da primeira fase da reforma do prédio que abrigará o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (IAC) e o NEPEAC, sede do nosso INCT-InEAC. A solenidade contará com a presença do reitor Antônio Cláudio Lucas da Nóbrega e do vice-reitor Fábio Passos. 

O evento será também transmitido pelo canal do InEAC e pela UFF TV, o que possibilitará o acompanhamento daqueles que se verem impossibilitados de participar, sobretudo na presente conjuntura sanitária. 

 

Disponibilizamos aqui a matéria O MITO DA IMPARCIALIDADE, publicada na Coluna do Merval Pereira, no O Globo, e que tem como base o trabalho da jurista Bárbara  Gomes Lupetti Baptista, pesquisadora vinculada ao INCT/INEAC .


O mito da imparcialidade


Por Merval Pereira
13/02/2022 


A questão da imparcialidade na justiça brasileira, discutida desde que o ex-juiz Sérgio Moro foi considerado “suspeito” no processo que condenou o ex-presidente Lula no caso do triplex do Guarujá, ganha novos ares com um trabalho da jurista Bárbara Gomes Lupetti Baptista em número recente da revista Insight Inteligência, baseado em uma pesquisa empírica que realizou no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro há dez anos, que ela comparou com a decisão do Supremo Tribunal Federal.

Ela não se refere ao caso recente de perseguição a Moro por parte do Tribunal de Constas da União (TCU), mas demonstra que a proximidade do Ministério Público com a magistratura é corriqueira no sistema judiciário brasileiro. Nesse caso atual, essa relação está explicitada na relação do Subprocurador do Ministério Público de Contas Lucas Furtado com o ministro do TCU Bruno Dantas.

Também o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, que comandou o julgamento da Segunda Turma que considerou Moro “suspeito”, não está citado, mas é exemplo de juiz que julga segundo critérios próprios de Justiça, colocando seus pontos de vista acima dos regulamentos, como acusa Moro de ter feito. A mudança de voto da ministra Carmem Lucia, determinante para a condenação de Moro, também é referida no trabalho como exemplo da fluidez do conceito de “imparcialidade”.

A jurista ressalta que a maior parte dos casos da Operação Lava Jato no STF foi decidida por maioria, sem consenso, e mais de dois anos após os fatos, demonstrando que “condená-lo à pecha de “parcial”, também explicita a lógica pendular e seletiva desse sistema”. Segundo a jurista, “o contraste dos dados (antigos) e os fatos (novos) permitiu pensar não apenas sobre a fluidez da categoria “imparcialidade”, como também nos paradoxos de nossa cultura jurídica que, entre dogmas e práticas, ilustram que os interlocutores, ao mesmo tempo em que expressam a sua descrença na imparcialidade, (…) por outro lado também reverberam a necessidade de sustenta-la enquanto crença”.

A jurista conversou na pesquisa, para sua tese de doutoramento, com cerca de 80 magistrados, e diz que ouviu diversas vezes frases como “você sabe que imparcialidade é uma coisa que não existe, né ?”, assim como a explicação de que “as pessoas têm que acreditar que ali tem um juiz imparcial”. Essa dicotomia mostra que “mais que existir de fato, a imparcialidade se constitui como crença. E guarda uma ambiguidade: de um lado, manter vivo o seu discurso serve para ocultar sua eventual inexistência, e de outro, produz efeitos para os destinatários do sistema de Justiça”. Se o Judiciário assume que o juiz não consegue ser imparcial, o sistema vai falir. Acaba o sistema.

A jurista Bárbara Gomes Lupetti Baptista diz em diversos momentos que não pretende minimizar a revelação da intimidade e cumplicidade da relação entre o Ministério Público e a magistratura no caso dos processos conduzidos pelo ex-juiz Sérgio Moro, e sua consequência, como a prisão do ex-presidente Lula às vésperas da eleição, mas não o condena nem absolve. Apenas confirma que sua pesquisa empírica demonstra que “ explicitar (ou tratar) como absurda, incomum, inédita ou extraordinária a conduta do juiz que conduziu o processo da Operação Lava Jato é, de um lado, desconsiderar a realidade processual brasileira, e de outro manter viva a crença em um conceito de imparcialidade sem correspondência com a realidade”.

Uma frase que diz ter ouvido muito foi “a minha verdade é a minha justiça”. Outra: “Você não pode julgar com o coração. A sua referência é a lei. Mas só que você tem um coração. O que faz com ele?”. Nessa linha, diz a jurista Bárbara Gomes Lupetti Baptista, a postura de Sérgio Moro, “comprometida por suas convicções pessoais e senso particularizado de justiça no tratamento e na condução da Operação Lava Jato, apontando, inclusive sua relação pessoal com o Ministério Público, não é inédita, nem extraordinária; é recorrente no sistema de justiça”. Segundo ela, muitos juizes brasileiros cuidam de processos, avaliam provas, decidem casos e interpretam fatos e leis a partir de sensos particulares de justiça. “Moro e a Operação Lava Jato são, portanto, a mais pura explicitação da Justiça brasileira”.

 

Nessa quinta-feira 17/02/22, às 18h, acontece mais um Antropolítica no ar com o lançamento virtual do n° 53 da Revista Antropolítica.
O debate desta edição estará focado no tema do dossiê "O pacto contracivilizador e o entre-lugar das elites brasileiras: as ambíguas relações com o passado, o presente e o porvir", publicado no n° 53, e contará com a presença dos organizadores do dossiê, os professores Laura Graziela Gomes (UFF), Antonio Motta (UFPE) e Antonio Carlos de Souza Lima (MN/UFRJ). Também teremos a participação dos autores dos artigos que compõem o Dossiê.
O evento acontecerá na quinta-feira 17/02 às 18h e será transmitido no canal do Youtube do PPGA/UFF e pelo Facebook da Antropolítica.


Canal PPGA: https://bit.ly/3Jh27JY
Facebook Antropolítica: https://bit.ly/34Q3wbv

https://www.youtube.com/watch?v=wAxFcwuMamw

 

 

Já está disponivel em nosso site o artigo "OS JUÍZES CRIMINAIS E SEUS ASSESSORES: O PAPEL DA PRESUNÇÃO DA CULPA E DA “CONFIANÇA” NA PRODUÇÃO DAS SENTENÇAS CRIMINAIS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO", publicado na Juris Poiesis: Revista do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá. O artigo é de autoria dos pesquisadores Luiz Fernando Souza Sampaio e Roberto Kant de Lima, ambos vinculados ao INCT/INEAC.

O artigo pode ser lido abaixo, ou com a formatação original no PDF abaixo em anexo.

 

OS JUÍZES CRIMINAIS E SEUS ASSESSORES: O PAPEL DA PRESUNÇÃO DA CULPA E DA “CONFIANÇA” NA PRODUÇÃO DAS SENTENÇAS CRIMINAIS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO

 

RESUMO A categoria “confiança” que se pretende definir neste trabalho foi desvelada pela pesquisa etnográfica dentro das varas criminais da capital do Rio de Janeiro através de entrevistas com servidores que trabalham dentro dos gabinetes de juízes. Esta categoria não está relacionada com a questão do instituto jurídico do trust norte-americano, por exemplo, que definia uma relação de confiança pública necessária nas relações de mercado, ensejador do desenvolvimento da economia daquele país (DAVID, 1978). E embora seja uma categoria ligada à questão da formação da burocracia brasileira, menos ainda se pretende que haja alguma relação com a definição de burocracia weberiana, definida por normas que buscavam a formação de uma burocracia formada por regras racionais, transparentes e universalizadas a serem cumpridas por todos. A questão da categoria confiança que pretendemos expor, com o conteúdo alcançado por nossas pesquisas, tem um caráter particularizante. A trama das relações entre servidores e juízes tem como um de seus constituintes a confiança que neste contexto demarca a relação hierárquica que há na relação servidor/juiz e desvela outras características das rotinas e tarefas do processamento nos cartórios criminais na capital do Rio de Janeiro. E fornece elementos causais para as características das práticas inquisitoriais do processo penal.

 

PALAVRAS-CHAVE: Relações de confiança; subordinação na organização das rotinas cartorárias; práticas inquisitoriais no processo penal; etnografia jurídica.

 

1. INTRODUÇÃO

A categoria confiança será objeto do presente trabalho. Na interpretação desta categoria o trabalho tenta delimitar as relações significativas dentro do contexto da pesquisa. Nesta interpretação, buscou-se relacionar a categoria com a própria característica inquisitorial3 presente dentro das práticas do processo penal brasileiro e relacioná-la ainda com a questão da característica da sociedade brasileira como uma sociedade hierarquizada, onde não se privilegiam as relações igualitárias (DAMATTA, 1979). Tais características serão explicitadas aqui ao colocarmos sob descrição práticas cartoriais criminais e o papel da categoria que, conforme se verificou na pesquisa, é articuladora do tecido de relações interpessoais dos atores da justiça criminal carioca. Para além disso, a questão da confiança e o espectro semântico que será apresentado dentro das possíveis significações do termo, demonstram como tal categoria pode servir para apontar características das práticas do processo penal, ensejando uma clara diferenciação entre a prática e o dever ser do Direito, cristalizando o dilema do Direito, no qual as práticas da Justiça não condizem com o que é regularizado pela regra jurídica nem preconizado pela doutrina. Trata-se de um trabalho de etnografia participante desenvolvida ao longo do doutorado que, de certa forma, ocorreu e se viabilizou em razão de minha função como serventuário da justiça criminal na cidade do Rio de Janeiro (AUTOR 1, 2021). Parte do texto deste constituise de reflexões e descrições densas (GEERTZ, 1999) acerca do trabalho de campo desenvolvido. Os instrumentos de pesquisa são entrevistas com servidores da Justiça criminal (federal e estadual) da capital do Rio de Janeiro que trabalham assessorando juízes na criação de decisões e sentenças. Foram escolhidos 10 cartórios criminais que pertencem à Justiça Federal (todos sediados no fórum do centro da cidade, na Avenida Venezuela, 134) e outros 10 cartórios criminais da Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (todos também sediados no centro, Rua Erasmo Braga, 115).

O problema da pesquisa (AUTOR 1, 2021) centrava-se, a princípio, na verificação do processo de criação dos textos decisórios destes cartórios. Verificava-se a questão das garantias processuais correlatas à vedação constitucional do juízo de exceção. Entretanto, neste trabalho pretende-se enfatizar nas observações das relações entre servidores e juízes, como são feitas as referidas decisões e como a categoria nativa observada “confiança” se torna parte do tecido necessário e indispensável para a questão da execução das tarefas cartorárias. Para tanto, foram feitas entrevistas com os referidos servidores e também, em razão do contexto para se obter as entrevistas, serão algumas vezes relatadas as observações efetuadas em audiências que foram presenciadas.

3 A tradição inquisitorial é explicitada, desde os anos 80, em trabalhos etnográficos que a identifica nas práticas dos operadores do direito, observadas em pesquisas de campo e que poderiam ser frouxamente resumidas no formato das práticas presentes inicialmente no inquérito policial, que pretende identificar autores e materialidade de eventos considerados criminosos. Assim, mesmo com as definições legais e doutrinárias da consagração da presunção da inocência no processo, os efeitos do indiciamento policial marcam indelevelmente, para as rotinas dos operadores judiciais, a presunção da culpa dos envolvidos nos inquéritos, indiciados ou denunciados pelo Ministério Público (AUTOR 2, 2008, 2010, 2019)

 

2 - SIGNIFICADOS DE CONFIANÇA

O primeiro passo, para que possamos entender a categoria nativa “confiança” dentro do contexto da pesquisa que se pretende descrever e analisar, será demarcarmos alguns parâmetros e analisarmos algumas outras definições para o termo com a finalidade de evitar confundi-la com significações que se distanciem do que se pretende demonstrar.

A categoria “confiança” que se pretende definir neste trabalho não está relacionada com a questão do trust norte-americano, por exemplo, que definia uma relação de confiança como pressuposto indispensável nas regras e relações que devem se estabelecer no mercado, ensejador do desenvolvimento da economia daquele país (DAVID, 1978). Neste último significado designa trust advém como um elemento indispensável, explícito e necessário à forma contratual que se estabelece dentro da cultura de mercado da common law. Também, embora seja uma categoria ligada à questão da formação da burocracia brasileira, menos ainda quer se pretender que haja alguma relação com a definição de burocracia weberiana (WEBER, 1982), definida por normas que buscavam a formação de uma burocracia formada por regras racionais, transparentes e universalizadas a serem cumpridas por todos. A questão da categoria confiança que pretendemos discutir, com o conteúdo alcançado por nossas pesquisas, tem um caráter explicitamente particularizante. Não há nesta categoria, que será adiante colocada sob descrição, uma relação de generalidade e universalidade, mas de particularismos que, em vários exemplos, são formados dentro de tecido dos relacionamentos interpessoais, em núcleos de pessoas inseridos na burocracia cartorária dos juízos pesquisados. Sua existência aí está relacionada a um sistema formado por relações personalizadas entre servidores e juízes, que se integram a um ethos mais geral ligado à própria característica hierarquizada de nossa sociedade (DAMATTA, 1979). Esta categoria, cuja construção pretendemos delinear através das informações da presente pesquisa, é também um reflexo constituinte de uma articulação entre o ethos de nossa sociedade hierarquizada e das características inquisitoriais das práticas do processo penal brasileiro como um todo (AUTOR 2, 2008, 2019). No caso da categoria confiança, sua aplicação estabelece um tecido de trocas de atribuições informais, de lealdades e obrigatoriedades recíprocas (MAUSS, 2003), mas que não são assumidas com transparência pública, embora possam produzir efeitos públicos. Tal circunstância está também relacionada ao trato secreto em que o meio jurídico, especialmente dentro dos cartórios das varas criminais, é construído. Essas rotinas são atreladas à tradição inquisitorial de segredo diante de documentos públicos escritos (MIRANDA, 2000, 2005), o que a pesquisa atual confirma de forma inequívoca, como já apontado, na forma secreta como são passadas as informações para terceiros sobre rotinas do cartório ou mesmo em relação aos envolvidos ou acusados vinculados aos processos do acervo de cada cartório.

Não pretendamos fazer neste trabalho um apanhado histórico, tão costumeiro nas monografias e dissertações acadêmicas no Direito, sobre a categoria nativa4 que pretendo descrever – confiança. Entretanto, a relação que tencionamos buscar, numa perspectiva diacrônica, com certeza iluminará o contexto dos usos desse termo dentro da estrutura do Judiciário nos dias atuais, mesmo sendo esta pesquisa restrita às varas criminais da capital do Estado do Rio de Janeiro. Passamos, portanto, a demonstrar as relações que subsistem sobre a categoria confiança entre o Direito em sua formação no Brasil Colônia e o ethos dos cartórios pesquisados neste trabalho. 2.1 As origens da confiança como elemento de formação da burocracia brasileira O autor Stuart B. Schwartz (2011), em seu texto sobre a formação da burocracia do Brasil Colônia, traz importante esclarecimento sobre como a confiança se traduz, desde a formação da sociedade colonial brasileira, em uma ferramenta para a estruturação da formação da burocracia administrativa da Coroa de Portugal no Brasil Colônia. Inicialmente, a questão se refere ao respeito ao modo como o controle da Coroa se consubstanciava nas fileiras de magistrados que eram convocados para atuar no Brasil, como magistrados de primeira instância ou ainda nos Tribunais da Relação da Bahia e Rio de Janeiro. O autor faz um levantamento que inclui uma descrição precisa desde a formação destes juízes em Portugal, assim como das repercussões de suas atuações no Brasil Colônia, verificando as influências que eles irão fomentar naquela sociedade incipiente e ainda se agregar a elas como um elemento social de poder e prestígio. Sobre a questão, será relevante notar que os magistrados que aqui atuaram, com formação na Universidade de Coimbra, marcadamente adaptaram-se ao contexto social da Colônia, distanciando-se, muitas vezes, das obrigações que a Coroa portuguesa pretendia com suas nomeações.

4 “Categoria nativa” é a denominação que os antropólogos dão às expressões que orientam sistematicamente o discurso dos seus interlocutores no campo.

 

A questão da confiança será para a Coroa portuguesa o ponto estratégico que irá demandar a introdução desses magistrados no Brasil. A pretensão e necessidade da Coroa Portuguesa era tentar manter a centralização do poder na metrópole de forma que os magistrados e outros membros dessa administração (governadores-gerais, ouvidores, entre outros) pudessem gerir suas ordens a contento, como um braço da Coroa que alcançasse as colônias e mantivesse, assim, o poder centralizado. Entre as medidas para este fim administrativo, os magistrados desempenhavam um papel bastante importante. Sendo todos formados pela tradição Coimbrã, esta apresentava como sua principal finalidade a formação de pessoas que se tornassem aptas a exercer os cargos dessa incipiente posição de Estado português, ou seja, o ensino jurídico da Universidade de Coimbra tinha como principal objetivo a criação de um corpo burocrático para a Coroa portuguesa. Tal fato, por si só, entretanto, não foi capaz de manter as finalidades planejadas. Ainda que tenham sido estabelecidas várias regras para que a lisura e confiança dos juízes fossem mantidas e reguladas, a prática e a vivência que são descritas pelo autor revelam uma série de desmandos e irregularidades praticados por essas autoridades, que impuseram um verdadeiro costume de corrupção e afronta à lei pelos magistrados portugueses no Brasil Colônia. A questão da confiança entre a Coroa e os magistrados que vieram exercer atividades judiciárias no Brasil acaba por não se estabelecer da forma pretendida, em primeiro lugar, porque essa confiança deveria se realizar de maneira particularizada e pessoal, o que não era possível tanto em função do distanciamento entre a metrópole (Portugal) e a Colônia (Brasil), como pela prevalência da pessoalidade sobre a obediência às regras, a qual se impõe nesse tipo de relação de confiança. A questão da confiança neste caso se torna importante para a presente pesquisa, porque delineia toda uma formação de burocracia administrativa baseada neste fator (ainda que nos seus primeiros momentos se verifique uma quebra da confiança no liame de relação institucional que deveria existir entre os magistrados e a Coroa portuguesa). A Coroa tinha confiança na formação dos magistrados e um prognóstico de sua lisura para desempenhar o papel na Colônia que se separava da metrópole por milhares de quilômetros, dificultando que outra fiscalização fosse feita. E a forma como fracassaram as medidas pretendidas pela Coroa está, provavelmente, ligada à questão de que a confiança não confere um liame da regra objetiva e universalizada, mas sim de uma relação personalizada e de convivência próxima e reiterada que a distância física e de convívio existente entre a Colônia e a Metrópole impedia.

 

As decisões e os desmandos dos magistrados portugueses que vieram para o Brasil, com a finalidade de manter a lisura dos atos dos habitantes locais, acabam por produzir uma aura de discricionariedade arbitrária em suas práticas judiciais, contexto em que cada um destes magistrados decidia os conflitos que lhes eram trazidos não em razão de uma regra formal administrativa que buscasse resoluções previsíveis dentro das normas estabelecidas, mas decisões que, de modo bastante comum, passavam pelos seus interesses individuais, ou de pessoas que fossem de seu círculo social, como descreve o autor:

O prestígio e o poder da magistratura estimulavam a elite colonial a fazer alianças com ela, e os magistrados, por sua vez, não tardavam a usar sua posição em proveito próprio ou da família. Magistrados desinteressados eram guardiães da estrutura formal do Império imaginada pela Coroa, mas esses homens geralmente buscavam alcançar objetivos individuais e coletivos que conflitavam abertamente com os padrões do cargo. Esse era o paradoxo do governo colonial, mas era um paradoxo que dava vida ao regime ao conciliar os interesses da metrópole e da colônia (SCHWARTZ, 2011, p. 292).

 

Tal característica irá, como também declara o autor, se perpetuar e naturalizar como uma prática usual na administração pública pelos dias atuais (SCHWARTZ, 2011, p. 293). Realmente, somos testemunhas frequentes nas decisões administrativas, até hoje, de violações de regras que pretenderiam ser universais, para que a administração decida por razões idiossincráticas e mesmo por razões de favorecimento pessoal (AUTOR 2, 2013). 2.2 A categoria confiança em seus alcances dentro do campo A partir deste ponto iremos tratar especificamente a categoria confiança, descrevendo e analisando o seu uso dentro do campo pesquisado (Varas criminais da capital do estado do Rio de Janeiro), com dados construídos durante o trabalho de campo, em etnografia que envolveu entrevistas não estruturadas, observação direta e observação participante. Para tanto, se faz necessário a verificação de como são abrangidos os significados dessa categoria entre seus atores. O primeiro ponto a ser medido é que a categoria confiança estabelece uma relação entre magistrados e servidores, dentro das rotinas de trabalho, ou seja, para que o juiz aceite e atribua funções aos servidores, terá que estar estabelecida entre esse servidor e o juiz a relação de confiança Entretanto, a referida categoria confiança no campo tem implicações e significações bastante específicas. Quando estabelecida entre serventuário e juiz irá implicar uma série de padrões nesta relação. O primeiro deles está na razão pela qual o juiz irá delegar de modo informal a incumbência a este funcionário das tarefas que são exclusivas dos juízes. O exemplo mais comum e importante será a criação dos textos judiciais decisórios. Para tanto, e como segunda característica para que se promova a “confiança”, o servidor terá que ter a expertise de saber que tipo de decisão o juiz irá tomar para os possíveis contextos usuais das decisões dentro do cartório, qual seja, por exemplo, em um caso de flagrante de drogas, como o juiz irá decidir sobre liberdade provisória ou ainda, como se dá a dosimetria na sentença, o que significa dizer, qual o modelo deve ser usado para cada situação. Em outro ponto de bastante relevância para se estabelecer a confiança, o juiz ao escolher um serventuário para trabalhar diretamente com ele, tem a perspectiva de que as informações dentro do cartório e principalmente dentro do gabinete, por mais corriqueiras que sejam, devem ser mantidas em segredo. Esse servidor, que terá a confiança do juiz, deverá ter um perfil específico no que tange às práticas do processo penal e sobre questão da culpabilização dos acusados, de modo que o acusado processado deve ser encarado com a presunção de culpa. A desconfiança sobre a pessoa acusada é uma marca comum entre todos os atores pesquisados. Por fim, a categoria confiança revelada no campo, demonstra uma estrutura de culpabilização dos serventuários para os possíveis erros cometidos na execução das tarefas, o que significa dizer que, como as decisões são em sua grande maioria feitas pelos serventuários, ainda que de atribuição exclusiva do juiz, a responsabilização será direcionada ao serventuário, acarretando uma relação de risco menor ao juiz e maior risco da culpabilização do serventuário. Todas estas características, que serão descritas, alicerçam a constatação da inquisitorialidade do processo penal brasileiro nas suas práticas processuais. Há dentro da dogmática jurídica uma clássica distinção entre os tipos de processo penal limitados pela classificação como acusatório, inquisitorial e misto (TOURINHO FILHO, 2000, p. 8), cujas características distintivas estão arraigadas na atuação dos atores no ato do julgamento (acusação, defesa e órgão julgador), na relação de publicidade dos atos (processos sigilosos ou públicos) e na capacidade dialógica das argumentações das partes no processo. Por essa lógica classificatória quanto maior a distinção entre os autores que participam do julgamento (acusação, defesa e julgador), quanto maior a publicidade dos atos processuais e quanto maior a possibilidade da argumentação e de contra argumentação, o processo seria classificado como acusatório. Contrário sensu, quanto mais concentradas as tarefas de julgamento em uma única pessoa, que acusa e julga no mesmo processo, quanto maior o sigilo dos atos processuais e menor a possibilidade da defesa argumentar, temos um processo inquisitorial. Entre as duas possibilidades, haveria o meio termo que considera o processo penal misto ou acusatório formal, em que as fases preliminares do processo que antecedem a fase de julgamento, são sigilosas e não permitiriam o contraditório. Entretanto, o que se extrai das informações das práticas do processo penal nas pesquisas empíricas, demonstra que a inquisitorialidade dessas práticas, aqui colocadas sob descrição, para além da controvérsia doutrinária, constatam o estabelecimento prévio da culpa e a formação de rotinas secretas dentro da própria justiça. Estas características correspondem à realidade das práticas do processo penal brasileiro e são suas marcas claras de inquisitorialidade. Este artigo, especificamente, se concentra na descrição das práticas observadas no campo, a saber, as Varas criminais da capital de estado do Rio de Janeiro, mas que confirmam os achados de outros trabalhos de natureza etnográfica que se orientam pela perspectiva empírica por exemplo, (ABREU, 2019; BAPTISTA, 2013; AUTOR 2, 2013, 2019, 2019a; MENDES, 2010; MOUZINHO et al, 2016; SARMENTO, 2017).

 

3 - DIFERENÇAS ENTRE “SEGREDO DE JUSTIÇA” E SEGREDO PARTICULARIZADO DAS PRÁTICAS CARTORÁRIAS MANTIDOS PELA CONFIANÇA Durante a pesquisa, pode-se observar a relação de confiança dentro dos gabinetes sob duas óticas. A primeira relaciona-se às informações que são ventiladas, não apenas dentro da questão processual, mas também do cotidiano cartorário; e a outra é ligada à produção textual de decisões propriamente ditas, que nem sempre passam pela supervisão dos magistrados, responsáveis pelas ordens judiciais.

Como primeiro ponto sobre a questão da confiança dentro das rotinas que ocorrem nos gabinetes de juízes, ficou notório, pelas tentativas que foram feitas nas várias abordagens aos servidores na busca das entrevistas, o quanto as informações são consideradas secretas. Em todos os casos que tiveram como resultado uma entrevista para a formação do corpus da presente pesquisa, houve a necessidade de um convencimento para que ela ocorresse. Todo comportamento de recusa ou de dúvida sobre o consentimento para se fazer a entrevista era motivado pela questão do “sigilo profissional”, bem como pela relação de confiança que havia entre servidor e juízes. Na grande maioria das vezes, foi necessário o juiz dar permissão para as entrevistas, para que o servidor se dispusesse a falar. As falas mais comuns sobre o pedido eram: “Preciso antes falar com o meu juiz”, “Eu vou falar com o juiz, mas te adianto que ele não costuma permitir entrevistas por causa dos processos. Tem muito processo com segredo de justiça”, ou ainda, “Não posso falar com você sobre o trabalho, a não ser que o juiz permita”. Entretanto, observamos que a questão vai bem além do sigilo profissional que as carreiras da justiça exigem. Não se trata apenas das informações acerca de dados sigilosos sobre os processos, mas de uma verdadeira estrutura de segredo sobre qualquer informação que deve ser passada a quem quer que seja, excetuando-se quando se trata de um integrante do cartório. E esse fator consistia em uma das representações da relação de confiança entre servidor e juiz. A começar pela presença ou não do juiz dentro do cartório, por exemplo. Há casos reportados em que o juiz não permitia aos servidores comentarem sobre sua ausência no cartório. Para isso, havia um padrão de respostas para as pessoas que perguntassem, tais como: “Ele veio, mas acabou de sair”, “Não o vi entrar, mas se for necessário, posso verificar para o senhor”, “Não sei dizer ao certo se ele já saiu. Também não o vi chegar”. As respostas eram sempre vagas e incertas, de forma a não permitir que o interlocutor ficasse sabendo sobre a ausência do juiz. Como que a confirmar esse padrão, nas entrevistas nenhum entrevistado comentou qualquer informação pessoal do juiz, por mais banal que fosse. Um outro tema sobre o qual se desdobrava sistematicamente o segredo era o do modo como o juiz entende uma questão de Direito, cuja informação também não é passada para as partes, embora possa ser verificada dentro do próprio sistema eletrônico processual, quando se pesquisa a jurisprudência das decisões do juiz. Entre muitos outros exemplos, o sigilo particularizado das práticas cartorárias (e não apenas em relação ao processo ou ao sigilo cartorário) se deve também à tradição inquisitorial já reportada por Autor (2019) em sua pesquisa sobre as práticas inquisitoriais da polícia judiciária do estado do Rio de Janeiro. O segredo do registro cartorário da fase administrativa policial, entretanto, pode ser justificado legalmente porque ainda não há acusação formal. No caso do processo penal, contrário sensu, inclusive para as partes interessadas, não há justificativa nem legal, nem doutrinariamente, para o sigilo no caso de processos comuns, nos quais não foi decretado “segredo de justiça”. Entretanto, o sigilo das informações é um dos elementos-chave para a caracterização da forma inquisitorial do processo. Tais características, por muitas vezes, são efetivamente meios de dificultar o acesso às informações, até mesmo aos acusados, sobre dados do processo. Não há nas regras processuais um anteparo para essas medidas, construídas na relação dos personagens inseridos no cotidiano cartorário através da confiança que se estabelece entre os atores dentro do cartório (juízes e serventuários). As entrevistas demonstraram que, como parte de uma espécie de status quo, o segredo se dá também pela construção antecipada e apriorística da imagem da parte acusada como “criminoso”. O acusado entra na relação que irá se construir com os atores do cartório (juízes e serventuários com diversas funções) como a pessoa que cometeu um crime. Reiteradamente é citada na visão dos serventuários entrevistados a imagem construída sobre os acusados: “Só de olhar, você já sabe que é culpado”, “Na maioria dos casos é flagrante, aí é quase certa a condenação”, “O inquérito já vem com todas as provas, claro que são culpados”. Essa construção da imagem do acusado é parte importante do processo em que se inserem as questões inquisitoriais das rotinas cartorárias do Judiciário. O serventuário que pertence à rotina do gabinete do juiz, preferencialmente (e isto faz parte da motivação para que ele seja escolhido para a função), tem um modo específico de lidar com a visão construída do acusado que será processado naquele cartório. Tal visão, que o servidor passa a demonstrar em suas atividades, acaba tornando sedimentada a questão da relação de confiança entre juiz/servidor para que a atividade de construção das decisões produzidas no gabinete do juiz se estabeleça como uma rotina e não seja mais necessária a revisão do trabalho produzido pelos serventuários. Há nas entrevistas a informação de que, quando o grau de confiança do juiz é elevado, possibilite a sua assinatura sem que ele precise revisar as decisões ou sentenças elaboradas pelos serventuários, como uma linha de produção para a elaboração das decisões, conforme verificado nos diálogos dos entrevistados a seguir citados:  A minha juíza sempre dá uma olhada em tudo o que fazemos antes de assinar. Ela gosta de ver tudo e sempre nos dá uma diretriz sobre o que devemos fazer, mas tem juízes que só assinam sem olhar nada. Eu trabalhei com um juiz assim. Era legal porque o trabalho andava rápido, mas também a gente ficava inseguro. Tínhamos que fazer com muito cuidado para não errar (Serventuário X da Justiça Federal, entrevistado). No caso do juiz titular, a gente tem que fazer a decisão e sempre dar uma revisada, porque ele não corrige o que a gente faz. Então precisa ficar tudo certinho (Serventuário Y da Justiça Federal, entrevistado).

 

Ainda em relação aos acusados e à perspectiva que os serventuários e juízes tinham a respeito deles, é importante notar que tais juízos eram feitos entre as pessoas pertencentes ao cartório e, por isso mesmo, não deveriam sair daquele meio. Nesse caso, não se tratava apenas da possível representação que poderia ser realizada contra o cartório ou a possível nulidade que poderia ser pleiteada, mas principalmente em razão de tal informação fazer parte do segredo particularizado do cartório. As vozes dos entrevistados refletem essa questão: não é importante informar sobre o processo de alguém que se sabe culpado. Tal assunto acerca de uma espécie de culpabilidade prévia, será tratado mais adiante, por ser também uma característica marcante na construção das decisões judiciais.

4 - A CATEGORIA CONFIANÇA NA PRODUÇÃO DE DECISÕES DAS VARAS CRIMINAIS Chegamos à mais importante verificação do uso da categoria confiança na presente pesquisa. Trata-se do seu emprego na produção de decisões que está fortemente correlacionada ao fato de como se dá, na estrutura do Judiciário, a divisão das tarefas e, ainda, como se compõe o tecido da estrutura hierárquica entre servidor e juiz nas tarefas da construção das decisões. Em tal ponto, como já foi ventilado no presente trabalho, fica claro que as relações entre juiz e servidor implicam maior responsabilidade desse último na feitura das referidas decisões. A atribuição da tarefa de produzir as decisões sobre o julgado é exclusiva do juiz. A ele cabe decidir as demandas, e tal pressuposto implica uma série de princípios e garantias que são caros ao Direito Processual brasileiro, posto que há na estrutura do processo penal brasileiro regras claras e taxativas para que a isenção do juiz seja assegurada por uma série de deveres e direitos. Entre eles o “princípio do juiz natural”, que vincula a figura de um juiz ou, melhor dizendo, do juízo, ao processo específico. Tal princípio, presente na maioria dos manuais de Direito Processual Penal, tem como ponto essencial as garantias de que o acusado não será julgado por um tribunal de exceção e que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, garantias estas que estão explicitadas na Constituição Federal de 19885 . Como este princípio, vários outros têm como escopo a afirmação positivada da referida garantia constitucional. Apenas para ilustração, passamos a transcrever a definição deste princípio inserido em um dos muitos manuais de Processo Penal, o do autor Aury Lopes Junior (2006): 

Dentro das garantias orgânicas, nos centraremos, agora, na independência, pois para termos um juiz natural, imparcial e que verdadeiramente desempenhe sua função (de garantidor) no processo penal deve estar acima de quaisquer espécie de pressão à manipulação política. Não que com isso estejamos querendo o impossível – um juiz neutro – senão um juiz independente, alguém que realmente possua condições de formar sua livre convicção. Esta liberdade é em relação a fatores externos, ou seja, não está obrigado a decidir conforme queira a maioria ou tampouco deve ceder a pressões políticas (LOPES JUNIOR, 2006, p. 76-77).

 

Historicamente, este princípio remonta aos ideais liberais do século XVIII, cujo estabelecimento ocorreu em razão do próprio desenvolvimento do Direito no período que sucede a Revolução Francesa e os ideais iluministas. Da mesma maneira que ocorre com outros princípios, caros ao Direito Penal, como a ampla defesa, o contraditório, ou os que se referem à limitação das regras penais de incriminação, o do juiz natural será, nas palavras de Luigi Ferrajoli (2010, p. 37-38), parte da formação do garantismo penal clássico. Pode-se, com certeza, asseverar que as diferenças estabelecidas entre os princípios do Direito Processual Penal no Brasil, como norma, e a ausência de sua efetivação, nas práticas jurídicas, têm fundamento nas tradições inquisitoriais presentes desde a formação histórica do Direito brasileiro, cujas marcas até a presente data são visíveis. Ocorre que o princípio do juiz natural em comento possui uma regulamentação diferenciada por diversas regras, o que significa que, em prima facie, o princípio estaria sendo efetivado por estas regras. Entretanto, como se trata de um princípio, também relacionado ao princípio da presunção da inocência, as entrevistas demonstram que o serventuário é muitas vezes o criador das decisões e, portanto, tal comportamento pode ser considerado uma forma de desvirtuar o princípio do juiz natural, principalmente em razão de que todas as informações sobre a construção textual jurídica dentro das varas criminais cariocas são sigilosas e, portanto, não são transparentes ao escrutínio público. A respeito dessas práticas que se identificaram na pesquisa à categoria da confiança, alguns questionamentos foram marcantes e determinantes na escolha da abordagem sobre o tema. O primeiro questionamento ocorreu em razão de minha função como serventuário da justiça criminal e do modo como são estabelecidas e processadas as demandas nas varas criminais. Na produção de decisões e sentenças penais, no mais das vezes, o servidor possui uma rotina de atribuições e funções que implica necessariamente a participação deste serventuário na elaboração dos textos, quer seja para preparar relatórios da sentença, quer seja na adequação de modelos padronizados de decisões e sentenças, quer seja na maneira como se processam as diligências para acelerar o processamento do feito. De todo modo, tudo isso nos leva à categoria confiança que é o liame que se estabelece nesse ambiente para os serventuários exercerem efetivamente as atribuições acima mencionadas. Nessa ótica, as entrevistas da pesquisa se iniciaram com perguntas sobre como os processos penais chegam à mão do juiz para sentenciar. Como era feito tal preparo; nesse momento, os entrevistados tinham respostas bastante próximas, com a informação de que a avaliação para verificação acerca de o processo estar maduro para sentença era feita por eles mesmos: “Nós verificamos se foram cumpridas as diligências, se haveria algum documento a ser juntado nos autos”. Ou ainda: “Antes de passar o processo para o juiz, a gente verifica se foi juntada a FAC6 do acusado, ou se todas as defesas foram intimadas, e se juntaram as alegações, estas coisas”. Em outro momento, e também em consequência do primeiro, dentro das práticas de processamento judicial, a questão do uso de padrões, quer seja para o recebimento de uma denúncia, quer seja para sentenciar o processo, implica desvincular o juízo do magistrado daquele caso concreto. As sentenças ou as decisões padronizadas, ainda que produzidas originalmente pelo juiz da causa, levam necessariamente à saída do juiz da função de observador do caso concreto para ministrar a ele um julgamento individualizado, para entregar “em confiança” a tarefa ao servidor que efetivamente irá produzir a decisão. Dentro deste prisma a pesquisadora Marilha Gabriela Reverendo Garau demonstra o mecanismo dos “modelões” na formação de decisões, propiciando que não haja uma avaliação caso a caso e sem que sejam ponderados os argumentos da defesa do acusado (GARAU, 2021, p. 86-111).

Nessa situação, como fica demonstrado, as decisões distanciam-se de todos os princípios que a dogmática prega, posto que o que norteará tais decisões, como também é demonstrado na pesquisa da autora citada (GARAU, 2021), será uma presunção de culpa dos acusados. 

5 Artigo 5º, incisos XXXVII e LIII, da Constituição da República Federativa do Brasil.

Sob esta perspectiva, todas as indicações sobre qual mecanismo instrumentalizava as rotinas da criação textual das decisões estão esclarecidas pela categoria da confiança em relação a tal rotina de trabalho. A confiança demarca a entrega da tarefa de construir as decisões pelos serventuários, sendo determinada de modo particularizado, individualizado, mas não oficializado, o que significa formalmente não haver dentro do processo registros deste procedimento. Tal circunstância apenas reflete e corrobora a formação da massa crítica que se estabelece com os trabalhos de pesquisas etnográficas que demonstram a prevalência do ethos inquisitorial nas práticas do nosso processo penal. O mecanismo misto de informalidade e particularismo pelo qual são feitas as diversas decisões correspondem à mesma informalidade que se verifica nos cartórios da polícia carioca (AUTOR 2, 2019). Em tais circunstâncias, a informalidade e a falta de normatização dos procedimentos demandam uma particularização e consequentemente arbitrariedades dentro do sistema policial. O mesmo se pode dizer em relação à formação da organização do judiciário, como se verifica no trabalho do autor Wagner Brito (2017), cujas conclusões confirmam este aspecto dessas tarefas exercidas pelos serventuários:

A ausência de transparência acerca das datas em que todas as petições chegam às serventias ou cartórios judiciais e a falta de padronização no processamento das petições e dos documentos tornam impossível a descrição padronizada das práticas dos serventuários (BRITO, 2017, p. 117).

Como já mencionado, não é demais enfatizar que a categoria confiança neste caso é estruturante das rotinas cartorárias, mas dela não há registro nos autos dos processos, como parte da relação de sigilo e confiança, acerca da outorga da tarefa do juiz ao servidor. Em outro aspecto, na criação de decisões, forma-se entre o juiz e o serventuário um vínculo que se inicia com a escolha deste serventuário para o trabalho no gabinete, também baseada na questão da confiança. O secretário do juiz passa então a conhecer como são as escolhas das decisões segundo o “entendimento” do juiz com quem trabalha. A categoria confiança, assim, constitui-se em elemento crítico para a compreensão da relação que se estabelece entre servidores e juiz na construção das decisões judiciais, porque cria uma relação em que o juiz cede uma atribuição exclusiva sua a um servidor, sem que haja formalidade qualquer para o fato, afirmando o particularismo dessa rotina. O liame de tal relação de transferência não oficial de tarefas não está descrito em uma norma, quer seja interna, quer externa, nem consta dos autos do processo, mas vem acompanhado de uma delegação implícita de responsabilidade ao servidor. As escolhas não seguem padrões dentro de uma expectativa de princípios da administração pública; pelo contrário, trata-se de uma categoria com assento na informalidade e na pessoalidade, que não é transparente para os interessados nos processos. Afasta-se, assim, dos procedimentos racionais e impessoais que devem marcar a administração pública, todos presentes nas formulações teóricas sobre a burocracia no sentido weberiano do termo (WEBER, 1982). Neste ponto a pesquisa buscou sempre obter as informações acerca de como eram feitas as decisões e sentenças penais com os entrevistados. De modo geral, havia certa esquiva do entrevistado para falar claramente como são elaboradas as referidas decisões, conforme pode ser observado em alguns comentários que passo a transcrever de uma entrevista com a serventuária X da Justiça Criminal Estadual, já citada: 

 

X: – A gente verifica todas as questões do processo, desde a denúncia, as intimações, para que não haja alegação de nulidade e vai fazendo o relatório. A: – Mas no caso da fundamentação e a parte dispositiva da sentença? X: – Essa parte é sempre feita pelo juiz. Ele é quem se encarrega de fazer isso. Ele é muito trabalhador. A:– Mas não seria muita coisa para o juiz ver sozinho? X: – No caso do juiz titular, ele faz tudo sozinho. Só quando o caso é muito complexo ele pede para a gente fazer o relatório. Agora, já o juiz substituto, ele permite que a gente faça as decisões, o que é muito mais rápido (Serventuário X da Justiça Criminal Estadual, entrevistado).

 

Outro episódio importante para a demonstração da questão da confiança como vínculo entre servidor e juiz se deu em uma conversa entre servidores sobre um processo criminal em que um terceiro servidor, colega do mesmo órgão (Justiça Federal do Estado do Rio de Janeiro), estava sendo processado por ter usado o token do juiz para liberar alvarás de levantamento de quantias grandes. Em um dado momento os entrevistados se reportaram à questão da confiança:

Pois é, o juiz fez errado de deixar o token com o servidor, mas é uma questão de confiança. E o cara é meio burro (servidor acusado), porque sempre a culpa ia cair sobre ele. O Tribunal não vai desconfiar do juiz (Serventuário H da Justiça Federal, entrevistado).

 

 

Em outras situações os servidores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro também usam a expressão para tratar da relação entre servidor e juiz.

 

O trabalho aqui é muito delicado. Tem vezes que os processos exigem da gente muita cautela para se trabalhar em razão das investigações. E aí o juiz restringe esses processos às pessoas que ele tem confiança, porque é muita responsabilidade (Serventuário Y da Justiça Estadual, entrevistado).

 

Há, portanto, no que se refere à categoria confiança, a formação de um sistema de distribuição de tarefas dentro da justiça, que não corresponde às regras ou ao norteamento que se pretenda dar explicitamente à administração do Judiciário. Não há, nas rotinas do Judiciário examinadas, o regramento dessa questão através de portarias ou outros atos administrativos que sejam motivados pela impessoalidade administrativa ou pela eficiência. As rotinas cartorárias de produção de decisões e sentenças, no Estado do Rio de Janeiro, seguem o modelo implícito baseado na informalidade e nos particularismos, que denotam um claro direcionamento da nossa também sistêmica inquisitorialidade, fundada no segredo cartorário e na falta de transparência para terceiros dos procedimentos adotados. Tal forma de distribuição de tarefas da produção de decisões também se caracteriza como uma forma de resguardar o superior hierárquico (diga-se magistrados) da eventual responsabilização por possíveis erros, bem característicos de sistemas hierárquicos fechados. Dessa feita, em todo erro cometido na produção das decisões a responsabilidade recai internamente no servidor, que de modo efetivo produz os textos das decisões judiciais. Se ocorrer alguma fiscalização externa ou as corregedorias (com atribuição para fiscalizar a atividade judicial) entenderem ser o caso de haver apuração dos fatos, será também de forma institucional e particularizada a resposta para que uma possível sanção não recaia sobre o magistrado. Há nesse contexto duas expressões sinônimas que são utilizadas sobre a forma como também se delegam “não oficialmente” as tarefas de decisão, mas que resultam na delegação “oficial” explícita da culpabilidade atribuída pelos erros cometidos aos serventuários (quer sejam meramente gramaticais, quer sejam acerca do uso de uma fundamentação da doutrina jurídica empregada de forma errada, ou ainda um erro essencial relativo ao julgamento, o que será mais grave), quais sejam: “levar o juiz ao erro” ou “induzir o juiz ao erro” (AUTOR 2, 2013).

Em um caso relatado durante a pesquisa, o serventuário foi chamado para conversar com o magistrado em razão de erro numa decisão que o juiz assinou e acabou sendo veiculada na mídia. Por esse motivo, havia a expectativa de que a corregedoria fosse acionada para que o juiz prestasse contas do que ocorrera. Neste ponto, o depoimento do servidor demonstrou como a culpa passaria a ser imputada a ele, embora a decisão tenha sido assinada por um juiz:

Quando fui chamado para falar com o juiz, sabia que ele ia me dar uma bronca. Na conversa ele começou tranquilo dizendo que as decisões e despachos que ele assinava, quando eram feitos por nós, fazia sempre em confiança, na expectativa de que era tudo revisado e que a gente fazia o trabalho porque conhecia o processamento. Ele continuou dizendo que aquele caso podia dar problema. Era possível que o acusado entrasse na Corregedoria com uma representação e que, se isso acontecesse, nós íamos tentar segurar o problema, mas que não havia certeza de que iria dar certo. Falei com ele que não havia problema, que se fosse o caso, eu iria assumir o erro, porque tinha sido eu quem tinha feito a decisão (Serventuário W da Justiça Federal, grifo nosso).

 

O episódio, de prima facie, demonstra que as rotinas, tão costumeiramente usuais dentro das serventias da justiça, mesmo sendo de conhecimento dos operadores de direito (advogados, defensores, promotores, etc.), é naturalizada como normal e produz uma camuflagem sobre o que ocorre dentro dos cartórios, corroborando o caráter do segredo particularizado das rotinas cartorárias. E mais, por se tratar de responsabilização de atos públicos que se insere num sistema altamente hierarquizado, a culpabilização do servidor que produz a decisão, mas não assina, reforça a tradição das sociedades hierarquizadas, nas quais as sanções não têm uma ação pedagógica de normalização da sociedade como um todo, mas apenas querem enfatizar e preservar as relações de poder, diferenciando-se de antemão quem deve ser punido e quem deve ficar impune, num processo de permanentes suspeição e consequente possibilidade de culpabilização sistemáticas dos estratos inferiores da hierarquia, precarizando de forma institucional sua situação funcional (AUTOR 2, 2013). Não se quer dizer que tal vínculo se dá em razão da quebra de um princípio, como já foi tratado anteriormente sobre a questão do juiz natural, e que este fato seria o principal ponto a ser verificado; pelo contrário, a questão mais importante a ser observada consiste nas consequências dessa categoria para as rotinas de produção de decisões e sentenças e o quanto tais fatores implicam na reafirmação de um establishment das características inquisitórias nas práticas do Processo Penal brasileiro. Essas práticas têm sido identificadas e descritas de forma a criar verdadeira massa crítica de conhecimento acadêmico, como a já mencionada sobre as práticas da Polícia Judiciária Carioca (AUTOR 2, 2019), além de outras etnografias acerca das audiências de custódia como no caso dos pesquisadores Thais Sarmento (2017) e João Victor Abreu (2019). Em ambos os casos, as audiências de custódia deveriam ter como objetivo a diminuição da população carcerária pela avaliação incipiente de cada caso de flagrante, evitando a demora para que o caso chegasse ao juiz. Entretanto, nas duas pesquisas a relação implícita de culpabilidade imposta aos presos comprovam a posição de inquisitorialidade da justiça, com a permanência de grande número de pessoas que continuam encarceradas, após as audiências de custódia, em nome de uma suposta garantia da “ordem pública”. Especificamente, na análise da categoria confiança, dois outros pesquisadores se depararam com a esta categoria em suas pesquisas e complementam a delimitação do termo com resultados que reafirmam a presente pesquisa e a comprovação do caráter inquisitorial relacionado à categoria. O pesquisador Gilson Gil (2021) apresenta a categoria confiança dentro das instituições políticas do poder executivo no Estado do Amazonas. Nesse contexto, haverá a descrição na pesquisa de como as nomeações são pautadas pela categoria confiança e como o critério relativo à categoria está intimamente ligado ao particularismo e às relações pessoais, sem o uso, portanto, de critérios objetivos e universalizantes. Em outro trabalho, da pesquisadora Luiza Barçante (2015), a pesquisa se dá no contexto do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, onde também se observa e os servidores definirem a mesma categoria confiança como liame de relação entre promotores e servidores, com resultados semelhantes, que corroboram a nossa pesquisa. Tal como nas varas da justiça criminal pesquisadas, o servidor da promotoria do Estado do Rio de Janeiro exerce a atribuição de formar pareceres para o Ministério Público Estadual, rotina que deveria ser privada do próprio promotor, e a relação entre promotor e servidor também se caracteriza pelo particularismo das rotinas do órgão, como reporta a autora: 

Uma vez empossados nos cargos, a noção de confiança passa a assumir o sentido de lealdade na fala dos assessores ao informarem que suas funções e atuação dentro da procuradoria de justiça dependem exclusivamente de regras de trabalho estabelecidas pelos procuradores que os nomearam: “— Foi ele que me nomeou não foi? E eu vou dizer não para ele? Está sempre tudo certo. Ele quer que eu leve os pareceres na casa dele para ele corrigir porque não está se sentindo bem. Vou sorrindo.” (BARÇANTE, 2015, p. 44-45).

Todos esses exemplos, bem como de outros acerca da inquisitorialidade das práticas do processo penal, como no caso da formação das decisões através do princípio do livre convencimento motivado (MENDES, 2010), ou ainda, na seara civil, acerca da questão da imparcialidade do juiz (BAPTISTA, 2013), incorporam a massa crítica de pesquisas empíricas que apresentam comprovação científica da inquisitorialidade das práticas de processo penal no Brasil. Assim, a formação de decisões produzidas pelos serventuários da justiça, como um todo, se baseia principalmente em uma formação de juízo sobre como o juiz a ele vinculado trata tal questão e se naturaliza dentro da inquisitorialidade arraigada nas práticas do processo penal brasileiro, as quais acabem por se eximir do exame de como se deu o contexto fático do processo para, então, avaliar a resposta da justiça à ação penal.

5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considera-se, portanto, que a categoria que se estabelece dentro do judiciário como confiança tem como primeira característica a estruturação de funções e rotinas designadas pelo judiciário identificadas no âmbito da pesquisa (já que a pretensão do presente trabalho se atém aos limites já indicados na metodologia). Tal demarcação de tarefas e funções entre servidores e juízes não são estabelecidas formalmente por normas, mas de forma particularizada, o que sempre parece se distanciar do conceito weberiano de burocracia e que se move acentuando a sistemática culpabilização – e não a eventual responsabilização do servidor (AUTOR 2, 2013). Isso vem acentuar o poder que as camadas superiores dessa burocracia exercem sobre as camadas inferiores, pois essas delegações não são oficiais, ocorrendo fora de regras transparentes e explícitas para todos e colocando os servidores à mercê dos seus superiores. Ensejadora, portanto, de referências que estão fora dos limites que são impostos por regras universalizantes e impessoais de aplicação uniforme a todos os membros da administração. Esse contexto é produtor de uma reciprocidade hierárquica, em que o juiz “favorece” o servidor com sua confiança, mas deixa-o exposto ao seu arbítrio na ocorrência de erros, intencionais ou não. Assim, tal relação de confiança estabelece uma dicotomia segurança e risco que garante maior segurança ao juiz e risco maior ao serventuário. Como nos exemplos citados, no caso de ocorrer o erro, a categoria confiança é trazida para dirimir a questão e o serventuário que está dentro da relação hierárquica inferior é culpabilizado. Tal situação é característica e está ausente nos contextos públicos de sociedades que se pretendem explicitamente igualitárias, que constroem relações recíprocas de supervisão e responsabilidades mútuas e limitadas. Há, como nas próprias práticas do processo penal, que é a finalidade destas relações de trabalho, uma previsão implícita, mas bastante clara para todos os envolvidos de resposta de punição dos inferiores para se reafirmar a ordem da hierarquia. Forma e conteúdo dentro dos cartórios criminais pesquisados demonstram ter sua organização funcional estruturada por essas relações inquisitoriais, de segredo e suspeição, não apenas no que toca à resposta do juízo para os processos, mas internamente articulada nas suas relações funcionais. 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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GARAU, Marilha Gabriela Reverendo. Os Modelões e a Mera Formalidade: Produção de Decisões e Sentenças em uma Vara Criminal da Baixada Fluminense do Rio de Janeiro. Antropolítica, Niterói, n. 51, 1° quadri., 2021. p. 86 - 111. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/45546. Acesso em 14 out. 2021. DOI: https://doi.org/10.22409/antropolitica2021.i51.a45546 GEERTZ, Clifford. O Saber Local. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1999. GIL, Gilson Pinto. Socorro! Caí da Boca!: A Cultura dos Detentores de Cargos de Confiança – Um Estudo de Caso. Antropolítica, Niterói, n. 51, 1° quadri., 2021. p. 335-361. Disponível em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/article/view/42078. Acesso em 14 out. 2021. DOI: https://doi.org/10.22409/antropolitica2021.i51.a42078 Autor 2, 2008. _____________. 2010. _____________. 2013. _____________. 2016 _____________. 2019. _____________. 2019a, p. 7-33. LOPES JUNIOR, Aury. Introdução Crítica ao Processo Penal: (Fundamentos da Instrumentalidade Constitucional). 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006. p 76-77. MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a Dádiva. In: MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 183-294. MENDES, Regina Lúcia Teixeira. Representações dos juízes sob o princípio do livre convencimento do juiz e outros princípios correlatos. In: EILBAUM, Lucía et al (org.). Conflitos, Direitos e Moralidades em perspectiva comparada. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. p. 187-210. 2 v. MIRANDA, Ana Paula Mendes de. Cartórios: onde a tradição tem registro público. Antropolítica, Niterói, v. 8, 2000. p. 59-75. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/6117. Acesso em: 14 out. 2021. _______. Arquivo público: um segredo bem guardado. Antropolítica, Niterói, v. 17, 2005. p. 123-149. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/6114. Acesso em: 14 out. 2021. MOUZINHO, Glaucia et al. Produção e reprodução da tradição inquisitorial no Brasil: entre delações e confissões premiadas. Dilemas, Rio de Janeiro, v. 9, n. 3, 2016. p. 505-529. AUTOR 1, 2021.

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Disponibilizamos no nosso site o artigo "A justiça brasileira sob medida : A pandemia no Brasil entre direitos e privilégios", escrito por Bárbara Gomes Lupetti Baptista, Fernanda Duarte, Michel Lobo Toledo Lima, Rafael Mario Iorio Filho e Roberto Kant de Lima, todos pesquisadores vinculados ao INCT/INEAC; e publicado no FORUM SOCIOLÓGICO -  https://journals.openedition.org/sociologico/9952

O artigo está abaixo disponível para leitura, mas pode ter imprecisões de formatação pelas especificidades do site. Se desejar ler o artigo na sua formatação original faça mais abaixo o download do PDF em anexo .

 

A justiça brasileira sob medida : A pandemia no Brasil entre direitos e privilégios

 

Partindo da afirmação de que a sociedade brasileira se estrutura de forma hierarquizada, reproduzindo um ethos aristocrático em contraposição a uma ordem republicana, podemos reconhecer que, no plano jurídico, a desigualdade se opera em dois níveis : no aspecto normativo – por meio da elaboração das leis – e na administração dos conflitos, quando da aplicação das leis, especialmente pelo Judiciário. Nesse texto pretendemos problematizar o modo como as instituições judiciárias no Brasil internalizam e (re)produzem desigualdades jurídicas – o que se tornou mais evidente com a pandemia da Covid-19 e suas consequências para a esfera de direitos dos brasileiros. Para tanto, pretendemos descrever três categorias de casos (os casos de auxílio-saúde ; casos de “fura-fila” da vacinação contra a Covid-19 ; e os casos de pedidos de liberdade de réus presos em razão da pandemia da Covid-19), que ajudam a revelar essa chave da desigualdade.

 

1. Introdução : A desigualdade jurídica e a pandemia da Covid-19

1 - Ao longo da pandemia da covid-19, houve um discurso, classificado como de senso comum, que compôs inúmeros escritos e notícias jornalísticas no começo da sua disseminação, no sentido de que a doença causada pelo referido vírus seria “democrática”1, uma vez que este não distinguia as vítimas quanto à cor, ao status ou à classe social, à escolaridade, à localidade, entre outras características. Porém, há pelo menos duas questões que pesquisadores de diversas áreas têm apontado, no sentido do tensionamento dessa afirmação : a primeira é que, embora o vírus não seja seletivo em relação a quem atingirá, suas formas de transmissão, em contraposição às de prevenção, assim como o risco de adoecimento e de morte, são potencializados em certos grupos sociais e em certas localidades (Fiocruz, 2020 ; G. Silva, 2021) ; a segunda se dá ao observar e analisar como as instituições têm registrado, percebido e administrado esses casos (Lima & Campos, 2021 ; L. R. C. Oliveira, 2021 ; Ribeiro & V. Oliveira, 2020).

1 Veja, por exemplo, em : Chulov (2020).

2 - Partindo da segunda questão, nosso objetivo é descrever e problematizar como as instituições judiciárias no Brasil internalizam e (re)produzem desigualdades. Como já apontou Roberto DaMatta (1979), se os cidadãos, nas relações sociais diárias, não se percebem como iguais, o Judiciário brasileiro acaba por reproduzir essa mesma percepção, não os considerando (e tratando) assim. Em outras palavras, a afirmação de que a sociedade brasileira se estrutura juridicamente de forma hierarquizada, reproduzindo um ethos aristocrático em contraposição a uma ordem republicana, permite reconhecer que, no plano jurídico, a desigualdade se opera em dois níveis : no aspecto normativo – por meio da elaboração das leis – e na administração dos conflitos – no momento da aplicação das leis, especialmente pelo Judiciário (Duarte, Iorio Filho & Baptista, 2021).

  • 2 Veja-se por exemplo o disposto no artigo 5.º da Constituição Brasileira em vigor (CRFB, 1988), o qu (...)

3 - O papel normalizador que os tribunais desempenham nas sociedades liberais burguesas igualitárias, no Brasil, de forma peculiar, se caracteriza pelo reforço dessa desigualdade, na contramão dos ideais republicanos acolhidos formalmente nos textos normativos2 (Amorim, Baptista, Duarte, M. L. T. Lima & R. K. Lima, 2021 ; Duarte, 2006 ; Duarte & Iorio Filho, 2011 ; M. L. T. Lima & R. K. Lima, 2020).

4 - Nosso problema, então, pode ser assim desenhado : se os juízes têm o dever de tratar as partes com igualdade, como estabelece a Constituição da República, como é possível se ter como resultado prático, por meio de sua atuação no processo, a aplicação da lei de forma particularizada, reforçando a desigualdade jurídica e implicando a sua atualização e o reforço dos já conhecidos traços da cultura jurídica brasileira ?

5 - Os dados coletados em nossas pesquisas, referenciadas ao longo deste texto, sugerem existir categorias implícitas ao sistema jurídico brasileiro, que organizam o pensamento e impõem estruturas mentais que informam os processos decisórios dos juízes. Isso possibilita que os mesmos façam sentido para aqueles socializados neste sistema, isto é, o do campo do Direito. Ao cabo, essas categorias permitem a atuação desigual do próprio Poder Judiciário, com a manutenção da (des)igualdade jurídica – que segue naturalizada.

  • 3 Essas categorias integram o que Duarte e Iorio Filho (2012, p. 191) chamam de gramática decisória(...)

6 - Ao conjunto dessas categorias denominamos gramática decisória3. A gramática é o conjunto de regras individuais acionadas para determinado uso de uma língua, aqui, especificamente, para o uso da linguagem decisória dos juízes. Ela é o sistema recorrente ao falar, para que os discursos façam sentido para aqueles socializados neste mesmo sistema de significados.

  • 4 A própria forma de categorização e organização dos registros em forma de dados informatizados do Co (...)
  • 5 O Judiciário é apresentado como corporativo, pois, ainda hoje, o Brasil mantém uma lógica colonial (...)

7 - E o contexto da pandemia da covid-19 no Brasil é um fato superveniente que nos ajuda a explicitar como essas formas judiciais de decidir reproduzem a desigualdade, e como a lógica do contraditório orienta a ética corporativa judicial (R. K. Lima, 2013), demonstrando que associações e instituições judiciárias adquirem características de corporações4. Tal fato particulariza a interpretação das regras, aplicando-as como se levasse em consideração o que representa como interesse público, em que a noção de público está vinculada a uma perspectiva estatal que, travestida de um discurso representativo da soma de interesses individuais, na verdade reflete interesses particulares de corporações do Estado5.

  • 6 Boa parte desses trabalhos empíricos demonstra como tais práticas se reproduzem de maneira informal (...)

8 - Nos últimos anos temos nos dedicado a pesquisar as representações e as práticas burocráticas e judiciárias da (re)produção jurídica da desigualdade no Brasil e em perspectiva comparada (Amorim, 2017 ; Angelo & Oliveira, 2021 ; Baptista, 2013 ; Corrêa, 2012 ; Duarte & Iorio Filho, 2015 ; Ferreira, 2004 ; Geraldo, 2019 ; M. L. T. Lima, 2017 ; R. K. Lima, 2019a ; Mendes, 2012 ; Nuñez, 2020 ; L. R. C. Oliveira, 2011b)6. Esse contraste tem nos mostrado como o direito brasileiro hierarquiza tanto os membros das instituições judiciárias quanto nossa população, em termos de atribuição e de aplicação de direitos. Na sociedade brasileira, apesar dos preceitos constitucionais republicanos, não existe ainda uma estrutura jurídica ordinária que assegure um mínimo de direitos comuns e compartilhados por todos os diferentes cidadãos. O que há é a aplicação de um conjunto de privilégios atribuídos a certos segmentos da sociedade, que são chamados de “direitos”.

  • 7 No caso específico da vacinação contra a covid-19 no Brasil e sua relação com a república à brasile (...)
  • 8 Especificamente sobre o tratamento legal desigual, ver Bruno Rezende Silva (2017), e sobre a questã (...)

9 - A diferença em relação às demais sociedades ocidentais é, portanto, que nelas a desigualdade jurídica é vista como um problema (Bisharat, 2018). Tanto assim que, em contraste com o ritual autoritário brasileiro, descrito por DaMatta (1979), em que se enuncia, sem constrangimentos e com aceitação, a frase “Você sabe com quem está falando ?”7, para reforçar a hierarquia e a nossa crônica “alergia à igualdade” (DaMatta, 2020, p. 9), nos Estados Unidos, o rito igualitário responderia “Who do you think you are ?” e, na Argentina, a reação viria irada, ainda que reforçando, de certo modo, a hierarquia, e contestaria : “¿Y a mí que mierda me Importa ?” (O’Donnell, 1984). Em tais sociedades, a inexorável desigualdade econômica produzida pelo mercado é que gera as desigualdades sociais, e a atuação do sistema jurídico pode servir para mitigá-las, compensando-as com um tratamento igualitário, na elaboração da lei e na sua aplicação. Já no caso brasileiro, a desigualdade está inscrita no próprio sistema jurídico, no seu imaginário8 e na sua operacionalização, como parte integrante e indispensável dele, sistematizando juridicamente as desigualdades sociais, políticas e econômicas. Tal naturalização da desigualdade jurídica, anterior à desigualdade econômica, é uma barreira ao funcionamento regular e regulado do mercado, além de ser uma expressão de representações culturais de uma sociedade hierarquizada. Constitui-se também em referência e suporte para a sua reprodução, em que pode florescer um individualismo perverso, que nunca se identifica com o “outro”, mesmo que este seja seu semelhante, no qual, de forma ambígua, a lei é vista, ora como uma “punição” para alguns, ora como fonte para assegurar tratamentos benéficos para outros, mas não como um instrumento que deve efetivamente assegurar os mesmos direitos e deveres para todos, mantendo assim relações de complementaridade e não de competição social (R. K. Lima, 2019b).

10 - O atual contexto da pandemia da covid-19 evidencia a reiterada naturalização das desigualdades estruturais de nossa sociedade em seus variados níveis. Portanto, não é incomum vermos notícias jornalísticas acerca de casos e de decisões judiciais – seja de juízes de primeira instância, seja dos tribunais – que recorrentemente são seletivas tanto na concessão de privilégios, confundidos com direitos diferenciados e especiais, quanto na distribuição desigual de deveres e penalidades ; e que são aparentemente tidas como extraordinárias ou como exceções por essas próprias instituições (Amorim, Baptista, Duarte, M. L. T. Lima & R. K. Lima, 2021).

  • 9 No discurso jurídico brasileiro, e até no senso comum, Judiciário e Justiça são tidos, inclusive, c (...)

11 - Partindo desse debate e da descrição de alguns casos, analisamos e demonstramos que, apesar de toda a excepcionalidade atual das novas medidas sanitárias, restritivas de circulação de pessoas e de funcionamento das instituições privadas e públicas, inclusive as judiciárias – foco das nossas reflexões –, estas atingem desigualmente diferentes pessoas. Desta forma, selecionamos alguns eventos que consideramos paradigmáticos na explicitação da justiça brasileira sob medida9, ou seja, na medida da sua desigualdade. Isso viabiliza distribuições da justiça a quem merece e em diferentes níveis, dependendo das partes envolvidas, dando assim a cada um o que lhe cabe, como medida de justiça. Nesse cenário, a imprevisibilidade e a insegurança são o preço que pagamos pela manutenção hígida dessa desigualdade jurídica estrutural.

2. A ausência de direitos civis no Brasil : Entre direitos e privilégios

  • 10 “A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem (...)

12 - Na ausência de direitos civis – aqui considerados não como um rol abstrato enumerado em textos normativos (pois este rol normativo no Brasil há), mas como um mínimo comum de direitos, distribuídos igualmente para todos os diferentes cidadãos –, o Poder Judiciário brasileiro especializou-se na distribuição desigual de direitos, tornando-os privilégios e seguindo o brocardo jurídico de que “a regra da igualdade é aquinhoar desigualmente os desiguais na medida em que se desigualam”, como já desenvolvido por Rui Barbosa em sua “Oração aos Moços”10, e assimilado pela doutrina e pela prática jurídica.

  • 11 Lembramos que, para DaMatta, Lanna e Moraes (1998), o indivíduo é o sujeito por excelência das leis (...)

13 - O seguimento regular do processo judicial e das suas formas processuais não é visto pelos operadores desse campo como garantidor de direitos ; e tampouco assegura uma previsibilidade do resultado do processo, porque a desigualdade de decisões corresponde à necessária distribuição desigual de direitos em uma sociedade de desiguais juridicamente. Não há, assim, um mínimo de direitos a que todos os diferentes cidadãos sejam igualmente merecedores, mas gradações de direitos segundo seu merecimento, que nos remete ao mundo da pessoa (e não do indivíduo11) de Roberto DaMatta (1979) – que se caracteriza pela dimensão da particularidade, da pessoalidade e de distintas posições e hierarquias. E é em razão desse merecimento aquilatado pelo juiz, pela lente da particularização, que os direitos são distribuídos, cabendo a cada um o que lhe é devido, por ser pessoalmente merecido. Como referência, segundo L. R. C. Oliveira (2011b, p. 42), no Brasil, confere-se tratamento desigual e privilegiado às pessoas conforme a sua “substância moral”.

14 - L. R. C. Oliveira (2010, 2011a) associa a concepção de igualdade como tratamento uniforme à igualdade de direitos e a concepção de igualdade como tratamento diferenciado à justificação de privilégios – e destaca que a singularidade brasileira está na arbitrariedade da definição entre os campos de vigência dessas duas concepções de igualdade ou mesmo da indistinção entre o exercício de direitos e de privilégios, constituindo a existência de uma sensibilidade cívica brasileira muito própria.

15 - Diferentemente da cultura jurídica dos países anglo-saxões, que se apresenta a partir de uma perspectiva igualitária e individualista, no Brasil, a posição do direito como mecanismo compensatório da desigualdade social se mostra, em vez de acolhedora e extensiva, como restritiva dos direitos da cidadania brasileira. Marshall (1967, p. 107), quando demonstra que a concepção de cidadania é constituída de direitos civis, políticos e sociais, o faz para explicitar justamente que tais direitos surgiram – nos séculos XVIII, XIX e XX – com o propósito de dar conta da desigualdade (incontrolável) fabricada e produzida pelo mercado capitalista.

16 - Justamente, considerando a desigualdade social inevitável em sociedades de mercado, caberia ao Estado, no âmbito dos direitos de cidadania, promover a igualdade jurídica desses cidadãos socialmente – e inevitavelmente – desiguais. Nos termos de R. K. Lima (2004, p. 50) :

(...) então, afigura-se claramente a ideia de que esse tipo de direito [constituído pelo elemento civil dos direitos da cidadania] e os tribunais são instituídos para a proteção dos indivíduos – antes súditos, depois cidadãos da República. Há diferenças, entretanto, do ponto de vista dos fundamentos da desigualdade, nos dois contextos. Pois, para Marshall, se no Antigo Regime a desigualdade está fundamentada moral e juridicamente no status, afirmando-se jurídica e politicamente o modelo da pirâmide de que falaremos mais tarde, a sociedade republicana, em que se garantiu a igualdade jurídica aos cidadãos, vai justificar a desigualdade pelas diferenças de performance entre os cidadãos no mercado. Assim, é a igualdade jurídica diante da lei e dos tribunais que vai fornecer a justificativa moral da desigualdade econômica, política e social na sociedade, cujo modelo jurídico-político pode ser representado por um paralelepípedo : a ideia de igualdade diante da lei e dos tribunais permite a desigualdade de classes nas esferas econômica, política e social, inerente ao mercado (...).

17 - Esta percepção igualitária dos direitos de cidadania, expressa por Marshall (1967), impediria, portanto, ao contrário do que se verifica no direito brasileiro, o reconhecimento (e a reverberação) da desigualdade existente no mercado como objeto de compensação no âmbito do sistema de justiça, deixando, para a esfera das políticas públicas governamentais, o espaço de atuação das compensações das desigualdades no acesso aos direitos, de forma particularizada.

18 - Ou seja, em resumo, o que interessa pontuar é que, no caso brasileiro, esse movimento não se realizou no campo jurídico de maneira análoga à de outras repúblicas europeias e americanas. Desse modo, o papel compensatório e tutelar do direito, no lugar de fortalecer os direitos da cidadania, tal como aponta Marshall (1967), os amputa, na medida em que trata os cidadãos como eternos menores inimputáveis e incapazes de serem vistos como sujeitos de direitos, carentes de tutela estatal (Carvalho, 2005 ; Faoro, 2008).

  • 12 A prisão especial está prevista no artigo 295 do Código de Processo Penal brasileiro. Trata-se de u (...)
  • 13 O foro privilegiado – ou foro por prerrogativa de função – está previsto nos artigos 53 e 102 da Co (...)

19 -Nesse contexto, o sistema de desigualdades jurídicas explícitas, vigente em nossa sociedade – ilustrado, de um lado, por exemplo, pela prisão especial12 e pelo foro privilegiado13 e, de outro, pela proteção dos fracos e hipossuficientes nos processos judiciais –, já internalizado e incorporado por nossas instituições, faz com que a nossa tradição jurídica, em vez de desconstruir privilégios em busca de tratamentos uniformes aos sujeitos naturalmente diferentes, estenda esses tratamentos particularizados ao máximo de segmentos sociais possível, criando, com isso, em plena república federativa, uma ambiguidade incompreensível, que, por sua vez, gera sucessivos e intermináveis mecanismos de desigualdades entre seus cidadãos. É como se funcionássemos, seletivamente, ora como aristocráticos, ora como republicanos. E, na pandemia da covid-19, isso ficou evidenciado de forma bastante pedagógica, para que não restasse nenhuma dúvida sobre a confusão jurídica entre direitos e privilégios que persistimos em manter (L. R. C. Oliveira, 2018).

20 -Na dimensão em que pensamos a questão da desigualdade jurídica no Brasil, a partir da pandemia da covid-19, pretendemos explicitar a desigualdade de tratamento a que fazemos referência, através da descrição de alguns casos administrados pelo Judiciário brasileiro.

21 - Em geral, são situações que selecionamos para nos permitir antever duas relações com a desigualdade jurídica. De um lado, estão as que revelam a compreensão corporativa que o Judiciário tem de si próprio, na defesa de demanda por direitos particularizados, que lhes asseguram uma proteção especial, derivada da autoridade emanada deste Poder e que se explicita na situação de risco sanitário causado pela pandemia da covid-19. E, de outro, trazemos as próprias decisões judiciais, nas quais o tratamento desigual tem sido um vetor na apreciação dos pedidos de liberdade de réus presos em razão da pandemia da covid-19, que ora são concedidos, ora não.

22 - Assim, essas situações estão categorizadas em três tipos de casos que envolvem o Judiciário no atual contexto : casos de auxílio-saúde, casos de “fura-fila” da vacinação contra a covid-19 e casos de tratamento desigual na apreciação de pedidos de liberdade de réus presos.

  • 14 Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006.
  • 15 Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública do RS criam auxílio-saúde para servido (...)
  • 16 Moura & Valfré, 2020).

23 - A primeira categoria de casos decorre da Resolução n.º 04 de 202114, em que o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e a Defensoria Estadual do Estado do Rio Grande do Sul instituíram um auxílio financeiro de saúde suplementar para custear despesas com planos médicos de servidores, incluindo os aposentados. O valor máximo para esse auxílio será de 10 % dos salários, que, no caso dos magistrados, chega a R$ 3.500,00, por exemplo15. De forma semelhante, o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará implementou a Política de Atenção Integral à Saúde de Magistrados e Servidores do Poder Judiciário. Benefícios análogos também ocorreram em outros estados brasileiros, incluindo o “bônus-covid” de até R$ 1.000 para promotores e procuradores do Mato Grosso, licença-prêmio a juízes do Pará, aumento salarial de servidores públicos e home office até janeiro para funcionários do Supremo Tribunal Federal16.

  • 17 Há o “Auxílio Emergencial 2021”, que é um benefício financeiro concedido pelo Governo Federal para (...)
  • 18 Ver mais sobre Sujeição sanitária e cidadania vertical no Brasil em K. R. Lima e M. S. Campos (2021 (...)

24 - Paradoxalmente, embora a Constituição da República Brasileira de 1988 institua a saúde como um direito social, portanto, para todos os cidadãos, nenhuma política pública estadual ou nacional semelhante à “Atenção Integral à Saúde”, específica para o momento da pandemia da covid-19, foi instituída para custear despesas de saúde para os demais trabalhadores que são de fora do Judiciário e de instituições correlatas17. O que tais práticas reforçam é que alguns têm mais direitos civis que outros, inclusive na conjuntura sanitária excepcional atual18.

25 - A segunda categoria de casos, que intitulamos de “fura-fila” da vacinação contra a covid-19, é igualmente exemplar para discutir o que DaMatta e Junqueira (2017) chamam de “mentalidade do preferencial”. O “fura-fila” é o cidadão que não respeita a ordem de uma fila de espera e passa à frente dos demais, se apropriando de um lugar privilegiado, e excepcionando a regra da isonomia.

26 - A fila, segundo DaMatta e Junqueira (2017), materializa diversos elementos de como o brasileiro, numa sociedade desigual, vive o sistema democrático, e, em sentido contrário, a aversão às filas e a prática de “furá-las” decorre de nossa cultura avessa à igualdade, que se espraia para além das relações sociais, se reproduz e ganha escala também nas instituições do Estado. 

  • 19 Íntegra dos ofícios do STF e da Fiocruz. Retirado de https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/12/f (...)
  • 20 STF e STJ buscaram obter vacinas da covid-19 para ministros e servidores (2020, dezembro 23).
  • 21 Rezende, 2020.
  • 22 Rodrigues, 2020. Segalla, 2020. OAB realizará estudos para viabilizar compra de vacinas para advoga (...)

27 - Na pandemia da covid-19 não foram raros os casos de “fura-fila” para vacinação. Porém, aqui, destacamos os pedidos feitos pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), através de ofícios institucionais encaminhados aos institutos Fiocruz e Butantan19, buscando prioridade para assegurar a vacinação de ministros e servidores20. Após a publicização dos pedidos na mídia e a negativa formal da reserva de doses, o Presidente do STJ se manifestou no sentido de que a intenção de compra de vacinas vem sendo manifestada por diversos órgãos públicos que realizam campanhas de imunização entre seus funcionários ; e que se trataria, portanto, de um “protocolo comercial”, visando adiantar um pedido para quando houver disponibilidade. Já no âmbito do STF, a polêmica gerou a exoneração do médico que exercia a função de Secretário de Serviços Integrados de Saúde da Suprema Corte. Segundo o Ministro Presidente do STF, o pedido foi feito sem o seu conhecimento. Já o médico esclareceu que “nunca realizou ato sem a ciência dos seus superiores”21. Para além desses ofícios, outros pedidos de prioridade de vacinação foram feitos ou debatidos no âmbito do TST (Tribunal Superior do Trabalho), da Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Público22.

  • 23 As decisões referentes aos casos citados podem ser consultadas no site do STJ (https://scon.stj.jus (...)

28 - A terceira categoria de casos que ora discutimos articula tratamento desigual na apreciação de pedidos de liberdade de réus presos em razão da pandemia da covid-1923.

  • 24 A recomendação pode ser consultada no site do CNJ (https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3246).

29Esta pandemia, especialmente em razão de seus altos índices de contágio, potencializou o risco sanitário para aquelas pessoas em estado de privação de liberdade, já que os presídios no Brasil, assim como em muitas outras partes, não têm condições de assegurar as medidas recomendadas e necessárias para evitar a transmissão e contaminação pelo vírus. Tanto é que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão incumbido pela Constituição brasileira de zelar e promover o controle e a transparência administrativa e processual, no Poder Judiciário brasileiro, com base nas posições públicas assumidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), expediu, em março de 2020, a Recomendação n.º 6224, destinada aos juízes e tribunais no sentido da “adoção de medidas preventivas à propagação da infecção pelo novo Coronavírus (Covid-19) no âmbito dos sistemas de justiça penal e socioeducativo”, inclusive no sentido de reavaliar as prisões provisórias nesse contexto.

30 - A partir desta recomendação, numerosos pedidos de liberdade provisória ou de comutação de regime de cumprimento de pena foram formulados perante os juízos competentes, no intuito de assegurar ao preso interessado sua saúde e liberdade, que por algumas vezes foram concedidos e por muitas outras, não, sem que da leitura das peças processuais se possa ao certo identificar os elementos objetivos que levaram à decisão de soltura e que deveriam ser aplicados em situações análogas se a igualdade de tratamento para casos semelhantes fosse um vetor interpretativo por si só.

  • 25 Bergamo, 2020.
  • 26 Sujeito de investigação por suspeição de colaborar com a família do Presidente Bolsonaro em ativida (...)

31 - Um caso bastante rumoroso e que recebeu muita atenção da mídia25 foi o de “Fabrício Queiroz e sua mulher”26, no qual o STJ, por decisão da Presidência, em 2020, deferiu a prisão domiciliar para ambos, com base em razões humanitárias. Ele, por se encontrar doente, em tratamento contra um câncer, e ela, a despeito de estar foragida, para que pudesse cuidar de seu marido, mostrando-se o tribunal sensibilizado com as condições dos presídios brasileiros.

É de sabença geral que a crise mundial de Covid-19 trouxe triste e diferenciada realidade a ser enfrentada por todos, inclusive pelas autoridades judiciárias. Nesses tempos extraordinários, é preciso atenção redobrada com a saúde em nosso país e dessa preocupação não se podem afastar os riscos naturais do sistema penitenciário nacional – presídios cheios, casas de detenção lotadas, higiene precária. (Decisão do Ministro João Otávio de Noronha, Presidente do STJ, HC N.º 594360–RJ, 2020)

  • 27 D’Agostino (2020).

32 - Inclusive este caso foi recebido pela advocacia como uma sinalização de que o STJ, daí para adiante, adotaria essa postura tida como humanitária, sendo o mesmo ainda invocado como precedente no tema. Porém, não foi assim que se passou e, segundo levantamento feito pelo portal G127, junto ao próprio STJ, dos 725 pedidos similares aos do caso Queiroz, o Presidente do STJ concedeu apenas 18 (2,5 %) prisões domiciliares. De acordo com a jornalista Rosanne D’Agostino (2020, p. 8), “Alguns dos 18 pedidos concedidos por Noronha foram de prisão domiciliar a um homem portador de linfoma não Hodgkin abdominal ; a duas mães para cuidar dos filhos menores ; e a uma advogada idosa e portadora de hipertensão aguda grave”.

  • 28 O habeas corpus coletivo é um instrumento processual de criação doutrinária e jurisprudencial que o (...)
  • 29 Esse grupo de risco, em razão das condições de saúde, foi definido pela Portaria Interministerial ( (...)

33 - Um exemplo bastante ilustrativo – e que aponta para a ausência de marcadores objetivos nas decisões – pode ser visto no habeas corpus coletivo28 (STJ HC. 596189-DF, 2020), impetrado por membros do Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos (CADH), e que pedia a prisão domiciliar em favor de todas as pessoas presas preventivamente pertencentes ao grupo de risco decorrente da pandemia da covid-1929 e que se encontravam no sistema prisional do Distrito Federal. O pedido se fundamentava nas razões humanitárias que levaram à edição da Recomendação 62, citando expressamente, em sua inicial, o caso Queiroz como referência interpretativa. O pedido foi indeferido, sendo adotada, entre outros argumentos, a necessidade de ponderação de direito e a indispensabilidade de uma “análise atenta a respeito da situação peculiar de cada um” dos presos, a despeito de o relator Ministro Sebastião Reis Júnior consignar que não desconhecia “os dados alarmantes relatados na impetração, a justificar a adoção de medidas efetivas e necessárias à preservação da saúde e da vida de todas as pessoas que se encontram sob a custódia do Estado” (Reis, 2020, p. 30).

34 - Outro caso de indeferimento é o de três habeas corpus coletivos (STJ HCs. 575.315, 575.314 & 576.036, 2020) impetrados pela Defensoria Pública de São Paulo, requerendo a liberdade ou o regime domiciliar para presos idosos custodiados em cidades paulistas. Ao indeferir o pedido, citando a decisão do Ministro Rogerio Schietti Cruz, no HC 567.408 (2020) acima referenciado, o relator destacou (conforme noticiado pelo próprio STJ) que “o entendimento predominante no STJ é de que a pandemia deve ser sempre levada em conta na análise de pleitos de libertação de presos, mas isso não significa que todos devam ser liberados, pois ainda persiste o direito da coletividade em ver preservada a paz social” (STJ, 2020, p. 6).

35 - Gostaríamos também de chamar atenção para o caso do ex-governador do estado do Rio de Janeiro – Sérgio Cabral –, preso desde 2016, por acusação de crimes de lavagem de dinheiro e corrupção. Seu habeas corpus (STJ HC. 567.408-RJ, 2020), requerendo prisão domiciliar, foi apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça e indeferido, entendendo a Corte que prisões imprescindíveis para a garantia da ordem pública e da ordem econômica, da instrução criminal e da aplicação da lei penal (todos esses conceitos de ambiguidade semântica) devem ser mantidas, a despeito da pandemia e recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Segundo o relator da ação, Ministro Rogerio Schietti Cruz :

A crise do novo coronavírus deve ser sempre levada em conta na análise de pleitos de libertação de presos, mas, iniludivelmente, não é um passe livre para a liberação de todos, pois ainda persiste o direito da coletividade em ver preservada a paz social, a qual não se desvincula da ideia de que o sistema de justiça penal há de ser efetivo, de sorte a não desproteger a coletividade contra os ataques mais graves aos bens juridicamente tutelados na norma penal. (Cruz, 2020, p. 2)

36 - Com esses casos relatados, independentemente dos questionamentos que podem ser feitos em razão da figura do réu, o fato é que, a despeito de serem portadoras de doenças que as colocariam como parte do grupo de risco da covid-19, nem todas as pessoas envolvidas receberam o mesmo benefício penal por conta das razões humanitárias apontadas pelo CNJ. Situações análogas com desfechos desiguais.

3. Considerações finais : O novo é a reafirmação do velho

37 - Como já registramos em outra oportunidade (Amorim, Baptista, Duarte, M. L. T. Lima & R. K. Lima, 2021), tradição e modernidade no Brasil não se sucederam ou se sobrepuseram, como aconteceu em outras sociedades ocidentais, mas convivem em uma conformidade ambígua. Possuímos discursos e práticas que fazem, reiteradamente, do novo a reafirmação do velho, no sentido de travestir práticas tradicionais inquisitoriais e hierárquicas no campo do Direito com discursos acusatoriais, igualitários, universais e inclusivos (M. L. T. Lima & R. K. Lima, 2020). Como se pode ver, dualidades há muito superadas em outras sociedades ocidentais, tais como honra e dignidade, inquirição e inquisitorialidade, desigualdade e diferença, direito e privilégio, ainda persistem no Brasil, inclusive no contexto da pandemia da covid-19, evidenciando que só o exame mais acurado das contradições, dos dilemas e dos paradoxos verificados entre os discursos normativos e as práticas judiciárias permite compreender melhor o campo do Direito brasileiro.

38 - No Brasil, e a pandemia é exemplar nesse sentido, não fomos treinados no exercício da cidadania plena, no sentido de que não fomos socializados a cumprir igualmente as regras, que são sempre particularizadas. Ainda hoje, há uma lógica colonial corporativa, que expressa uma ética em que as instituições judiciárias aplicam as regras de forma particularizada, atrelando à noção de público uma perspectiva estatal que, travestida de um discurso representativo da soma de interesses individuais, na verdade reflete interesses particulares das próprias corporações do Estado.

39 - Nesse sentido, o “abrasileiramento da burocracia” no Brasil se deu de forma peculiar, pois, embora tivessem ocorrido enlaces entre a elite jurídica e a corte, é certo que aqui as instituições judiciárias atualizaram essas relações de forma que mesclaram seu papel público a seus interesses privados, desnorteando essas noções, entre o público e o privado, e reverberando a preponderância de uma ética particularista que vigora desde as raízes do nosso Brasil até hoje (Schwartz, 2011). E os casos que mencionamos aqui, sobre a busca reiterada e naturalizada por privilégios na pandemia, são a mais forte explicitação dessa ordem corporativa, evidenciando especificidades da sociedade brasileira em relação a outras sociedades ocidentais.

40 - Somando-se a essa cultura social, as marcas de nossa cultura jurídica produzem-se em uma estrutura de poder a serviço da desigualdade jurídica e, consequentemente, do tratamento não uniforme, aplicado aos casos concretos e às vidas dos cidadãos desta república, que cada vez mais se fragiliza, quando um dos seus Poderes se estrutura nessa dimensão.

 

BIBLIOGRAFIA

 

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NOTAS

1 Veja, por exemplo, em : Chulov (2020).

2 Veja-se por exemplo o disposto no artigo 5.º da Constituição Brasileira em vigor (CRFB, 1988), o qual estabelece que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...).”

3 Essas categorias integram o que Duarte e Iorio Filho (2012, p. 191) chamam de gramática decisória. “Assim, uma gramática decisória implica na identificação de um sistema de regras lógicas que informam os processos mentais de decisão ; fórmulas que regulam o pensamento e estruturam as decisões ; isto é, estruturas que orientam a construção do discurso que se materializa nas decisões judiciais. Essa gramática estaria internalizada, pois é ela que, pela repetição e interação entre os atores do campo jurídico, habilita o juiz a compreender o sentido dado ao direito para então decidir. É compartilhada entre seus ‘falantes’ (os juízes) que a praticam de forma espontânea e a naturalizam pela força da repetição. São essas regras que permitem o reconhecimento espontâneo e o uso das estruturas que regularizam e viabilizam a produção do discurso decisório dos juízes, a partir da adoção de estratégias argumentativas/discursivas que resultará na fundamentação de suas decisões.”

4 A própria forma de categorização e organização dos registros em forma de dados informatizados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para fins de construção de seus relatórios anuais intitulados “Relatório Justiça em Números”, explicita essa lógica corporativa de gestão dos processos judiciais. Seus índices, tais como taxas de congestionamento processual, indicadores de produtividade dos magistrados e indicadores de produtividade dos servidores da área judiciária, possuem poucos detalhes de diagnóstico, avaliando apenas o movimento quantitativo de processos judiciais, o número de funcionários e o orçamento dos fóruns e tribunais em cada estado, por ano, sem considerar os tipos de demanda, as formas de administração dos conflitos, o perfil das partes conflitantes e demais possibilidades de registro de microdados. As metas corporativas quantitativas sobressaem sobre todos os outros aspectos. Nesse sentido, Cicourel (1998) dispõe que os registros quantitativos das instituições judiciais podem revelar mais sobre suas práticas do que sobre os fatos que se pretendia quantificar. Veja mais detalhes em : Conselho Nacional de Justiça (2018). Dados Estatísticos. Brasília : Autor. Retirado de https://www.cnj.jus.br/programas-e-acoes/priorizacao-do-1o-grau/dados-estatisticos-priorizacao/.

5 O Judiciário é apresentado como corporativo, pois, ainda hoje, o Brasil mantém uma lógica colonial corporativa, que expressa uma ética em que as instituições judiciárias aplicam as regras de forma particularizada, atrelando à noção de público uma perspectiva estatal que, travestida de um discurso representativo da soma de interesses individuais, na verdade reflete interesses particulares das próprias corporações do Estado. O “abrasileiramento da burocracia” no Brasil se deu de forma peculiar, pois, embora tivessem ocorrido enlaces entre a elite jurídica e a corte, é certo que aqui, as instituições judiciárias atualizaram essas relações de uma forma que mesclaram seu papel público a seus interesses privados, desnorteando essas noções, entre o público e o privado, e reverberando a preponderância de uma ética particularista que vigora desde as raízes do Brasil até hoje. E os casos que mencionamos aqui, sobre a busca reiterada e naturalizada por privilégios na pandemia, são a mais forte explicitação dessa ordem corporativa. Segundo Schwartz (2011) : “O sistema de tribunais reais e eclesiásticos era, ao que tudo indica, um mecanismo altamente racionalizado de administração judicial, um sistema baseado no conceito de que a obrigação de fornecer os meios legais para corrigir erros constituía a essência da autoridade do rei. Mas o observador se impressiona, especialmente, ante a organização judicial real, com as múltiplas responsabilidades dos magistrados e sua tendência a assumir funções extrajudiciais. No processo de centralização, a Coroa portuguesa encontrara, no sistema judiciário, uma ferramenta conveniente e eficaz para a ampliação do poder real, e, no corpo de magistrados profissionais do sistema, a Coroa não apenas encontrou, mas forjou um aliado competente.” Além disso, a atual Constituição da República Federativa do Brasil – em seu artigo 92, incisos I a VII – dispõe que não só os Tribunais, mas também os Juízes do Trabalho, Juízes Eleitorais, Juízes Militares e Juízes dos Estados e do Distrito Federal são órgãos do Poder Judiciário, reforçando a ideia de que, enquanto órgãos, os magistrados compõem o corpo do Judiciário como um poder e não como um serviço.

6 Boa parte desses trabalhos empíricos demonstra como tais práticas se reproduzem de maneira informal e quase invisível, mas compartilhando valores corporativos que orientam práticas institucionais locais.

7 No caso específico da vacinação contra a covid-19 no Brasil e sua relação com a república à brasileira, explicita DaMatta (2021) em “Uma vacina contra privilégios” : “Iniciamos a vacinação dentro de um campo politizado precisamente pela velha enfermidade de um ‘você sabe com quem está falando ?’ — o famoso ‘quem é que manda ? !’ — que prolonga a doença e a morte. E assim será até nos convencermos de que a cura dos privilégios chega com a vacina da democracia — essa forma de organização coletiva simples e frágil que, como os bons remédios, requer uma enorme paciência, um exigente bom-caratismo e um persistente bom senso.” Retirado de https://outline.com/SK7cFc.

8 Especificamente sobre o tratamento legal desigual, ver Bruno Rezende Silva (2017), e sobre a questão do imaginário jurídico, conferir Maria Carolina Freitas (2020).

9 No discurso jurídico brasileiro, e até no senso comum, Judiciário e Justiça são tidos, inclusive, como sinônimos, o que se explicita em certas expressões nativas, como, por exemplo : “ir à Justiça”, “ser da Justiça”, “trabalhar na Justiça” e “receber Justiça”. O Judiciário, ao mesmo tempo que é um poder, também é tido como produtor de justiça(s).

10 “A parte da natureza varia ao infinito. Não há, no universo, duas coisas iguais. Muitas se parecem umas às outras. Mas todas entre si diversificam. Os ramos de uma só árvore, as folhas da mesma planta, os traços da polpa de um dedo humano, as gotas do mesmo fluido, os argueiros do mesmo pó, as raias do espectro de um só raio solar ou estelar. Tudo assim, desde os astros no céu, até os micróbios no sangue, desde as nebulosas no espaço, até aos aljôfares do rocio na relva dos prados. A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam [grifo nosso]. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem” (Barbosa, 1999, p. 26).

11 Lembramos que, para DaMatta, Lanna e Moraes (1998), o indivíduo é o sujeito por excelência das leis universais e, assim igualitárias, que trazem a modernização ocidental para a sociedade e que tem na rua seu espaço de agência, marcado pela impessoalidade. Em entrevista, DaMatta explica : “O que representa a rua ? É o mundo do Estado, o mundo da política, o mundo da consciência ocidental burguesa, constitucional, que aparece na Revolução Francesa, na Revolução Britânica, no republicanismo americano” (DaMatta, Lanna & Moraes, 1998, p. 201). Já a pessoa, que impera no mundo da casa (espaço privilegiado da intimidade e da proteção), é o sujeito das relações sociais regidas pela pessoalidade, particularizações, subjetividades e moralidades, nas quais cada um é distinto do outro e ninguém é igual a ninguém, submetendo a pessoa a distintas dimensões hierarquizadas, que se organizam por diversos fatores como afeto, honra, vulnerabilidade, etc.

12 A prisão especial está prevista no artigo 295 do Código de Processo Penal brasileiro. Trata-se de um privilégio processual que garante o tratamento desigual para cidadãos brasileiros, em função de cargo, função, emprego, atividade ou grau de formação, autorizando-os que fiquem reclusos em cela especial, diferenciada do sistema carcerário comum, até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

13 O foro privilegiado – ou foro por prerrogativa de função – está previsto nos artigos 53 e 102 da Constituição da República e é um mecanismo que retira dos juízes singulares de primeira instância a competência penal em ações que envolvem autoridades públicas, em razão do cargo ou função.

14 Lei n. 11.419, de 19 de dezembro de 2006.

15 Tribunal de Justiça, Ministério Público e Defensoria Pública do RS criam auxílio-saúde para servidores e magistrados (2021, março 10).

16 Moura & Valfré, 2020).

17 Há o “Auxílio Emergencial 2021”, que é um benefício financeiro concedido pelo Governo Federal para pessoas que atendam aos requisitos : não possuam emprego formal ativo ; não recebam outros auxílios federais ; e tenham renda familiar mensal por pessoa abaixo de meio salário mínimo (o que equivale atualmente a R$ 550,00). Se a família for composta por apenas uma pessoa, o benefício é de R$ 150,00 por mês ; por mais de uma pessoa, o benefício é de R$ 250,00 por mês ; se for chefiada por mulher sem cônjuge ou companheiro, com pelo menos uma pessoa menor de dezoito anos de idade, receberá, mensalmente, R$ 375,00. O número máximo de auxílios emergenciais mensais que uma pessoa pode receber são quatro. Apesar disso, não há um auxílio governamental específico para custas médicas decorrentes da covid-19. Retirado de https://www.caixa.gov.br/auxilio/auxilio2021/Paginas/default.aspx.

18 Ver mais sobre Sujeição sanitária e cidadania vertical no Brasil em K. R. Lima e M. S. Campos (2021).

19 Íntegra dos ofícios do STF e da Fiocruz. Retirado de https://www.migalhas.com.br/arquivos/2020/12/fb941666a85001_oficio-stf.pdf e https://www.otempo.com.br/polopoly_fs/1.2428067.1608730181 !/menu/standard/file/Oficio_Fiocruz.pdf.

20 STF e STJ buscaram obter vacinas da covid-19 para ministros e servidores (2020, dezembro 23).

21 Rezende, 2020.

22 Rodrigues, 2020. Segalla, 2020. OAB realizará estudos para viabilizar compra de vacinas para advogados (2021, abril 13).

23 As decisões referentes aos casos citados podem ser consultadas no site do STJ (https://scon.stj.jus.br/SCON/).

24 A recomendação pode ser consultada no site do CNJ (https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3246).

25 Bergamo, 2020.

26 Sujeito de investigação por suspeição de colaborar com a família do Presidente Bolsonaro em atividades ilícitas.

27 D’Agostino (2020).

28 O habeas corpus coletivo é um instrumento processual de criação doutrinária e jurisprudencial que objetiva proteger grupo de pessoas em situações similares de violação aos seus direitos de ir e vir, em outras palavras, permitindo-se discutir as arbitrariedades das prisões.

29 Esse grupo de risco, em razão das condições de saúde, foi definido pela Portaria Interministerial (Ministro da Justiça e da Segurança Pública e Ministro da Saúde) n.º 07, de 18 de março de 2020.

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PARA CITAR ESTE ARTIGO

Referência do documento impresso

Bárbara Gomes Lupetti Baptista, Fernanda Duarte, Michel Lobo Toledo Lima, Rafael Mario Iorio Filho e Roberto Kant de Lima«A justiça brasileira sob medida : A pandemia no Brasil entre direitos e privilégios»Forum Sociológico, 39 | -1, 19-30.

Referência eletrónica

Bárbara Gomes Lupetti Baptista, Fernanda Duarte, Michel Lobo Toledo Lima, Rafael Mario Iorio Filho e Roberto Kant de Lima«A justiça brasileira sob medida : A pandemia no Brasil entre direitos e privilégios»Forum Sociológico [Online], 39 | 2021, posto online no dia 23 novembro 2021, consultado o 09 fevereiro 2022URL: http://journals.openedition.org/sociologico/9952; DOI: https://doi.org/10.4000/sociologico.9952

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AUTORES

Bárbara Gomes Lupetti Baptista

Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Direito, Departamento de Ciências Judiciárias DCJ/UFF & Universidade Veiga de Almeida, Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Direito & Universidade Federal Fluminense, Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – INCT-InEAC, Rio de Janeiro, Brasil.

Fernanda Duarte

Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Direito, Departamento de Ciências Judiciárias – DCJ/UFF & Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação Justiça Administrativa – PPGJA/UFF & Universidade Estácio de Sá, Programa de Pós-Graduação em Direito & Universidade Federal Fluminense, Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – INCT-InEAC, Rio de Janeiro, Brasil.

Michel Lobo Toledo Lima

Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ & Universidade Federal Fluminense, Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – INCT-InEAC, Rio de Janeiro, Brasil.

Rafael Mario Iorio Filho

Universidade Federal Fluminense, Faculdade de Direito, Departamento de Ciências Judiciárias & Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ & Universidade Veiga de Almeida, Programa de Pós-Graduação em Direito & Universidade Federal Fluminense, Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – INCT-InEAC, Rio de Janeiro, Brasil.

Roberto Kant de Lima

Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Antropologia – PPGA/UFF & Universidade Federal Fluminense, Programa de Pós-Graduação em Justiça e Segurança – PPGJS/UFF & Universidade Veiga de Almeida, Programa de Pós-Graduação em Direito & Universidade Federal Fluminense, Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos – INCT-InEAC & Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq & Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro – FAPERJ, Rio de Janeiro, Brasil.

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A Turma de Direito 2021 da UNIFAP, juntamente com a Profa Helena Simões, da disciplina de Direitos Humanos, em parceria com a Clínica de Direitos Humanos (CDH-UNIFAP) e o Grupo de Pesquisa EDHUCAS, realizam no próximo dia 14 de fevereiro a palestra “Órgãos de Proteção dos Direitos Humanos no Amapá: O Ministério Público e a Defensoria Pública”.

O evento terá como palestrantes a Defensora Pública, Dra. Juliana Rodrigues (INCT/INEAC) e o Promotor de Justiça, Dr. Eduardo Kelson. A palestra será mediada pela acadêmica da Turma de Direito 2021, Lua Carolina.

Ocorrerá no dia 14 de Fevereiro de 2022, às 19h, no canal do Youtube da Clínica de Direitos Humanos da UNIFAP, com certificação de 3h para todos que se inscreverem pelo site da Turma de Direito 2021.

Para inscrições, acesse o link
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Para assistir ao evento, acesse o link:
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Ambos os links estão disponíveis na bio do Instagram da Turma de Direito: @direitounifap2021.

 

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