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Segunda, 13 Julho 2020 22:33

Pesquisadores contra violência policial nas favelas

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Pesquisadores contra violência policial nas favelas

 

Imagem: Reprodução

 

Nota de apoio da Rede Fluminense de Pesquisadores sobre Violência, Segurança

Pública e Direitos Humanos à ADPF 635 – Favelas pela Vida

Nós, pesquisadores da Rede Fluminense de Pesquisadores sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos declaramos nosso apoio à Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n° 635, também conhecida como a “ADPF das favelas pela vida”. A Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança Pública e Direitos Humanos representa diferentes instituições de pesquisa sediadas no Estado do Rio de Janeiro com notório saber nesse campo temático e conta com a adesão de especialistas de diferentes áreas científicas e gerações, cujo conhecimento produzido ao longo das últimas décadas é reconhecido nacional e internacionalmente. A ADPF 635 é uma das mais importantes ações jurídicas já realizadas, que visa regrar o poder de polícia possibilitando transparência, responsabilização e prestação de contas públicas do seu exercício pelos agentes da lei, uma contrapartida obrigatória da investidura dos mandatos policiais no Estado Democrático de Direito. A ADPF é uma ação fundamental para conter o uso desproporcional de força pelas polícias do Rio de Janeiro contra as populações negras e pobres de favelas e comunidades em território fluminense. Por estas razões subscrevemos tanto os pedidosque constam em sua petição inicial, como também a decisão liminar proferida pelo Ministro Edson Fachin.

A escalada de mortes por intervenção de agentes do Estado chegou a patamares históricos únicos no Rio de Janeiro. Em 2018 foram registradas 1534 mortes por agentes do Estado e, no ano de 2019, esse número aumentou 18%, chegando a 1810 mortes. Do total de homicídios cometidos no Rio de Janeiro, o percentual das mortes que resultam de ações policiais e/ou militares também vem crescendo, passando de 14% até 2016 para 31% no ano passado, fato inaceitável em qualquer modelo mínimo de Estado Democrático de Direito. A taxa de homicídios por 100 000 habitantes do Rio de Janeiro não posiciona o estado entre os primeiros lugares frente ao conjunto federativo, mas a taxa de letalidade policial fluminense é a maior do país, respondendo por um quarto de todas as mortes por intervenção de agentes do Estado no Brasil.

As operações policiais são responsáveis pela maior parte dessas mortes. Realizadas de forma pouco transparente quanto à pertinência operacional dos seus fins, a propriedade técnica dos meios logísticos empregados e a adequação de seus modos táticos de atuação, tais ações não têm registronotacional oficial, o que as tornaria objeto de escrutínio público sobre suas bases legais e legítimas. Apenas recentemente, as polícias elaboraram instruções normativaspara a constituição de protocolos para a realização de operações, mas raramente são elas seguidas. Depois de três décadas de operações cotidianas, facções de tráfico de drogas e grupos de milícias dominam territórios de favelas em extensão ainda maior. Assim, ainda que as operações policiais estejam no centro das ações de segurança pública, não há evidências concretas de sua eficiência no combate à criminalidade, na asfixia dos mercados ilícitos e no desmonte dos domínios armados nos territórios populares, alvos das tais operações. De acordo com os dados oficiais divulgados sobre a produção policial, os “saldos operacionais” das operações policiais são inferiores aos produzidos pelos policiamentos ordinários. Porém, restam comprovados os seus efeitos de violência, contrários à prioridade de defesa da vida, que fundamenta toda e qualquer missão segundo a doutrina policial profissional. As violentas operações policiais realizadas em favelas ao longo de mais de três décadas foram incapazes de proporcionar maior segurança aos habitantes fluminenses. Elas têm contribuído para a escalada de violência que coloca populações inteiras sob o fogo cruzado entre a violência do Estado e de grupos criminais armados.

As populações negras, pobres e residentes em favelas e/ou periferias da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e demais municípios Fluminenses são as mais afetadas pelas operações policiais. São elas que têm suas áreas de moradia tratadas como territórios hostis, e seus corpos considerados alvos, expostos a todo tipo de arbítrio durante as ações policiais. Suas rotinas são duramente afetadas pelas incursões policiais que interrompemos serviços públicos dirigidos a essas populações, como escolas e postos de saúde. As polícias devem intervirem situações críticas e cenários adversos reduzindo riscos e perigos reais a que estão expostos os cidadãos e os próprios policiais em sua ação.

Não há missão policial legal e legítima que justifique expor pessoas ao risco de morte por arma de fogo no interior de suas próprias residências, como ocorreu com João Pedro, de 14 anos, adolescente negro morto por policiais enquanto brincava dentro de casa, em maio deste ano, no município de São Gonçalo, região que já registra 129 mortes por intervenção de agentes do Estado contra 120 registros de homicídios dolosos nos primeiros cinco meses de 2020. Nada justifica expor crianças ao risco de morte por arma de fogo a caminho da escola, como ocorreu com Marcos Vinicius, assassinado por policiais durante uma operação na Maré em junho de 2018. Nada justifica que policiais efetuem disparos de arma de fogo contra escolas, como os três projéteis de fuzil que atingiram a mataram a menina Maria Eduarda, dentro de uma escola municipal em Acari em março de 2017.

Durante o atual período de pandemia da Covid-19,quando os esforços policiais deveriam priorizar a vigilância sanitária, sua atribuição legal em convergência com outros agentes públicos para a defesa da vida, as operações policiais e as mortes por elas ocasionadas aumentaram no Rio de Janeiro, culminando na chacina de 15 de maio no Complexo do Alemão, com 12 mortes. Depois da liminar proferida pelo Ministro Edson Fachin no dia 5 de junho, o número de operações e, consequentemente, de mortes e feridos caiu de forma considerável. É, por isso, que a ADPF 635, ação que resulta da luta histórica dos movimentos de favelas e dos movimentos de familiares de vítimas e que conta também com apoio de ONGs, partidos políticos e órgãos estatais, vem em hora mais que oportuna. Somamo-nos, portanto, a esta mobilização pelo direito a vida das populações negras e residentes em favelas, solicitando aos demais ministros do Supremo Tribunal Federal que se sensibilizem e votem de forma favorável à ADPF 635.

Assinam:

  1. Adriane Maia – Fiocruz
  2. Alexandre Werneck, UFRJ.
  3. Ana Paula Miranda – UFF
  4. André Rodrigues – IEAR/UFF
  5. Avelina Addor – Unirio
  6. Bernardo Ferreira – UERJ
  7. Caíque Azael Ferreira da Silva – PPGP/UFRJ
  8. Carla Rodrigues – UFRJ
  9. Carlos Henrique Serra – UFF
  10. Carly Barboza Machado – Observatório Fluminense – da UFRRJ
  11. Carolina Botelho – PUC-RIO/ENCE/IBGE
  12. Carolina Grillo – UFF
  13. Cecilia Minayo – Fiocruz
  14. Cezar Honorato – UFF
  15. Clara Polycarpo – IESP/UERJ
  16. Clarice Peixoto- UERJ
  17. Claudia Barcellos Rezende – UERJ
  18. Cristiane Andrade – Fiocruz
  19. Daniel Cerqueira – IPEA
  20. Daniel Hirata – UFF
  21. Daniel Misse – UFF
  22. David Anthony Alves – UFF
  23. David Maciel de Mello Neto (PPGSA/UFRJ)
  24. Doriam Borges – LAV/UERJ
  25. Edinilsa Ramos de Souza – ENSP/FIOCRUZ
  26. Edson Miagusko – Observatório Fluminense – da UFRRJ
  27. Fatima Cecchetto – FIOCRUZ
  28. Fernando Rabossi – UFRJ
  29. Flavia Braga Vieira – Observatório Fluminense – da UFRRJ
  30. Francisco Carlos Teixeira – Cpda/UFRRJ
  31. Frederico Policarpo ((PPGJS/UFF)
  32. Hebe Signorini Gonçalves – UFRJ
  33. Helena Bomeny – UERJ
  34. Ignacio Cano – LAV/UERJ
  35. Jacqueline Muniz – UFF
  36. Joana Domingues Vargas – UFRJ
  37. João Trajano Sento-Sé – UERJ
  38. José Cláudio Souza Alves – UFRRJ
  39. Juliana Martins – FBSP
  40. Julita Lemgruber – CESEC
  41. Kathie Njaine – ENSP/FIOCRUZ
  42. Katia Sento Sé Mello – UFRJ
  43. Klarissa Almeida Silva Platero – UFF
  44. Lana Lage da Gama Lima – UFF
  45. Leilah Landim – UFRJ
  46. Lena Lavinas- Instituto de Economia da UFRJ
  47. Lenin Pires – UFF
  48. Leonarda Musumeci (CESeC)
  49. Lia Rocha – UERJ
  50. Luciane Patricio – UFF
  51. Luís Roberto Cardoso de Oliveira – UNB
  52. Luiz Antônio Machado da Silva (IESP/UERJ)
  53. Luiz Eduardo Bento de Mello Soares – UERJ
  54. Manuela L. Picq – Amherst College
  55. Marcelo Burgos – PUC/RJ
  56. Marcia Leitão – UENF
  57. Márcia Leite – UERJ, CEVIS, CIDADES
  58. Marcia Maria Menendes Motta – UFF
  59. Marco Antonio Perruso – Observatório Fluminense – da UFRRJ
  60. Marco Aurélio Goncalves Ferreira – Ineac-UFF
  61. Marcus Cardoso –UNIFAP
  62. Maria das Graças de Oliveira Nascimento – MIR-Movimento Inter-religioso do

Rio de Janeiro

  1. Mayalu Mattos – Fiocruz
  2. Michel Misse – UFRJ
  3. Miriam Abramovay – FLACSO
  4. Miriam Krenzinger (ESS/UFRJ)
  5. Miriam Schenker- Claves/Fiocruz
  6. Nalayne Pinto – Observatório Fluminense – da UFRRJ
  7. Orlando Alves dos Santos Junior – Ippur/UFRJ
  8. Pablo Nunes – CESEC/UCAM
  9. Palloma Menezes – UFF
  10. Patrícia Constantino -Claves/ENSP/Fiocruz
  11. Paul Amar – UCSB
  12. Paula Poncioni – UFRJ
  13. Paulo Baía – UFRJ
  14. Paulo D’Avila Filho – UERJ
  15. Pedro Cláudio Cunca Bocayuva Cunha – UFRJ
  16. Pedro Heitor Barros Geraldo – UFF
  17. Pedro Paulo Bicalho – UFRJ
  18. Raquel Willadino – Observatório de Favelas
  19. Renata Neder – CESEC
  20. Renato Sérgio Lima – FBSP
  21. Ricardo Gaspar Müller – UFSC
  22. Ricardo Resende Figueira – UFRJ
  23. Roberto Kant de Lima – UFF
  24. Rodrigo Andrade – UFF
  25. Rogerio Dultra dos Santos – UFF
  26. San Romanelli Assumpção – IESP-UERJ
  27. Silvia Ramos – CESEC/UCAM
  28. Simone G. Assis – Fiocruz
  29. Sonia Fleury – Fiocruz
  30. Thais Lemos Duarte – PPGS/UFMG
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