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Segunda, 05 Novembro 2018 16:46

"Educação privada é uma ilusão" - entrevista de Ana Paula Miranda para o JB.

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O site do INCT-InEAC reproduz aqui a entrevista de João Francisco Werneck, com a antropóloga Ana Paula Mendes de Miranda, publicada hoje, 05/11/2018,  na Coluna da Hildergard Angel, no Jornal do Brasil: https://www.jb.com.br/colunistas/hildegard_angel/2018/11/953955-educacao-privada-e-uma-ilusao.html

 

"Educação privada é uma ilusão"


Imprensa censurada no Iate Clube. Universidades em declínio, sobretudo com a anunciada separação do Ensino Superior do Ministério da Educação, passando para o Ministério da Tecnologia. Superpoderes ao ativista de toga. Ainda que não tenha tomado posse, é desta maneira que Jair Bolsonaro começa seu mandato na Presidência do Brasil. Preocupações emergem em todos os setores da sociedade, em especial nas áreas já citadas, estendendo-se para Segurança Pública, Saúde e Meio Ambiente. São tempos de incerteza para o Brasil.

Para falar sobre eles, o repórter da Coluna, JOÃO FRANCISCO WERNECK, entrevistou a professora Ana Paula Miranda, antropóloga e pesquisadora do “Núcleo Fluminense de Estudos e Pesquisas” e do “Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos da UFF” (INEAC). Com a autoridade de quem há anos frequenta as universidades e os principais espaços de debate do país, Ana Paula nos recebeu para falar sobre Educação Superior, Políticas Públicas, Intolerância Religiosa e o que mais há de se esperar do governo de Jair Bolsonaro.

Sua entrevista confirma previsões, avisos e até apelos já feitos nesta coluna, anunciando perigos por chegar. O campo de batalha político-ideológico está posto, e os atores já em cena. Ana Paula fala deste momento, e afirma que fazer resistência é diferente de torcer para dar errado. O Brasil é dos brasileiros, dos imigrantes, negros, gays, mulheres e demais minorias. Resistir é zelar pelos nossos.

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Professora Ana Paula Miranda, antropóloga e pesquisadora (Foto: Ana Paula Miranda/Divulgação)
Como foram, na UFF, os dias anteriores ao pleito presidencial?

A Universidade tem vivido uma efervescência de movimentos políticos, e não apenas partidários. Há uma reorganização dos movimentos estudantis desde 2013. Com a eleição presidencial, a temática ressurgiu com força, principalmente por conta de uma agenda política que a eleição deixou transparecer, que é de intolerância, intolerância política, religiosa, e de gênero. Há um tema que agitou muito as universidades, que foi o possível fim das cotas. Isso causou uma inquietude. Agora, o problema não é atividade política dentro da Universidade, muito pelo contrário. Nossas faculdades necessitam disso, para que haja exercício político e liberdade de ideias. A UFF, por exemplo, tem um Movimento Cristão, de católicos e protestantes, que faz parte do debate universitário, com pessoas como Ivani dos Santos e a pastora Marina, que foram ameaçados por suas posições não compactuarem com o conservadorismo. É importante manter a pluralidade e o respeito à diversidade.

Houve clima de insegurança, após as invasões policiais sob ordens do TRE?

Me sinto solidária com meus colegas que passaram por isso. Acompanhei de perto esse cenário. A mobilização estudantil passou alguma segurança aos professores. Mas não somos ingênuos e sabemos que há questões acontecendo. A Universidade vem sofrendo ataques há algum tempo. O último, todos sabem, foi a questão da faixa na Faculdade de Direito. Isso é muito interessante porque na Universidade de Roma há uma placa em mármore dizendo que naquela Instituição não se aceita o fascismo e tampouco o nazismo. E aqui, uma faixa, que não é partidária, e que vem sendo exibida desde um episódio de discriminação racial nos Jogos Jurídicos, teve aquela repercussão. A Universidade está lidando com críticas há muito tempo, e algumas delas não têm procedência. Nós sabemos que as Faculdades são muito mais inclusivas do que foram, hoje são majoritariamente femininas e negras.

Você falou de intolerância religiosa, como você avalia isso no Brasil e nas Universidades?

Há um crescimento indiscutível, provado por censos religiosos, do protestantismo neopentecostal. Algumas correntes são fundamentalistas. Algumas... O universo dos evangélicos é muito plural. Diversidade e divergência sempre existiram e vão continuar existindo. Esses grupos fundamentalistas, com sua estratégia proselitista, que é de ir ao confronto, tem produzido acirramento desses casos. Há aquele pastor Tupirani da Hora Lores, que inclusive foi preso. O grupo dele destruiu um centro de umbanda aqui no Catete. Com grupos que não conseguem lidar com a existência de outros grupos religiosos, esse fundamentalismo acirra, e a tendência é de acirrar ainda mais. Porque as declarações políticas dadas nesse momento estimulam que a violência desses grupos cresça. Quando um governante emite determinadas declarações é como se ele dissesse para população: “Pode fazer, nós iremos permitir”; e isso é muito grave.

Qual o papel das universidades no combate ao crescimento da extrema-direita?

Ser o espaço de convivência da diversidade e do debate de ideias. Mas claro que há conflitos.

Teve o episódio da Sara Winter…

Exatamente. Esse episódio é bastante interessante porque ali tem uma questão que foi muito mal esclarecida. A Sara estava ali através de um convite de um professor da Universidade. Não há problema nenhum em levar lideranças religiosas para o espaço público, mas isso apenas quando o debate é plural. E esse grupo não permitia o debate. Era fechado para reprodução ideológica. Acho importante debatermos a religião, assim como a laicidade do estado. O problema é o limite do espaço público, então, quando as faculdades conseguem construir um espaço público plural, é porque elas conseguiram atingir um objetivo. Não existe a bibliografia de deus. Temos que ler absolutamente tudo.

Ainda falando sobre polarização política, você teme ações como a proposta pela parlamentar catarinense, de filmar professores?

Sim. São elementos como esse de que devemos tomar cuidado. Precisamos entender que não existe neutralidade, a neutralidade é uma meta, não um fato. É uma busca para atingir limites equilibrados para posições pessoais. Não podemos acreditar que existe um ambiente neutro, como é o caso dessa moça, porque ela já foi vítima do próprio veneno. Eu mesma neste processo eleitoral, durante uma aula, falava do 11 de setembro, de lideranças políticas, e uma aluna perguntou o meu voto. Isso não tem nada a ver com esconder. Acontece que na sala de aula o espaço de discussão é de outra ordem. Mas nem por isso deixaremos de entender e apresentar o que representa cada discurso. Uma consequência desse processo, e que nos tem preocupado muito, é o sofrimento de alguns estudantes nos conflitos com seus familiares. Principalmente aqueles que não têm uma orientação sexual hétero. Isso foi muito agravado neste momento. São vários casos de estudantes que procuram professores, dizem que pensam em abandonar os cursos... A liberdade e o exercício da democracia fazem bem, e o direito à democracia precisa ser exercitado.

Houve, então, um amadurecimento político dos nossos debates?

Sim, mas houve algumas perdas. A possibilidade de descrença sobre algumas instituições em que havia uma grande estima social, por exemplo.

Você se refere ao TRE?

Sim, quando a juíza diz que uma bandeira antifascista representa uma campanha contra um determinado candidato, então ela está chamando este de fascista. Se não era isso que ela queria dizer, então temos um problema de português.

Mas há um outro lado....

Sim, os momentos de crise podem ser produtivos, para amadurecimento, principalmente. O brasileiro sempre acha que o novo é bom. Eu digo que o novo já nasce velho. Quando falamos de Direitos Humanos, estamos discutindo algo muito antigo. E infelizmente parece que não saímos da Idade Média, sobretudo do ponto de vista de direitos. Se esse processo eleitoral pelo qual passamos permitir uma explicitação disso, a respeito de quem são os subcidadãos brasileiros, eu acho que teremos um ganho. O lugar de produção dos conhecimentos precisa ser preservado.

Falando em subcidadãos, como você avalia a declaração do Wilson Witzel, que quer abater bandidos armados?

Eu uso como exemplo os meus alunos policiais para dizer que isso não cabe. Entre eles, eu diria que é dividido. Há os que apoiam, que fazem coro ao discurso fácil do “bandido bom é bandido morto”, e há aqueles que são contra, mas esses temem falar, porque podem ser punidos. E há os que não têm medo de falar, e dizem que isso é inaceitável. Os snipers, inclusive, foram contra. E por uma questão muito simples: a responsabilidade segue sendo do agente que praticou. Esse é Direito brasileiro. Agora, a proposta não tem qualquer efeito prático. O governante tem que ter cuidado com o que fala. Quando ele diz isso ele está dando um cheque em branco para os agentes da lei. Na prática, alguns vão lá e fazem, mas esses serão punidos severamente. Essa ideia de exclusão de ilicitude já é garantida por lei, e se for em legítima defesa, o agente não é punido. O que não podemos permitir é a montagem de processo. O Auto de Resistência, o filme, fala muito bem desse tema.

Como você avalia a separação do Ensino Superior do Ministério da Educação, passando para o Ministério da Tecnologia?

Com muita preocupação. Constitucionalmente, o que rege o ensino no Brasil é a Lei de Diretrizes e Bases. Ela regulamenta todo esse processo e o Conselho Federal de Educação. Mas isso não foi discutido nessas instâncias. Qualquer mudança consequente em um processo de ensino, deveria considerar uma série de elementos. O que estamos vendo é um show de pirotecnia, com uma acusação equivocada e inconstitucional que é a questão da cobrança das mensalidades. Há uma determinação do STF que proíbe as Universidades de receber até mesmo taxa de matrícula. Do ponto de vista formal, há uma série de omissões, em um tema extremamente complexo, de gente que desconhece o funcionamento dessas instituições. As Universidades querem mais autonomia, de cátedra, financeira, administrativa. E as universidades são tratadas dentro de um conjunto da burocracia pública como se fosse tudo a mesma coisa, mas só que não é. O Bolsonaro tem um discurso privatista, que se difere bastante do Bresser, do PSDB. Mostra desconhecimento. É um risco para o serviço público como um todo. Estamos comprando a narrativa da precariedade do serviço público, sem oferecer nada em troca. É um cheque em branco para o Bolsonaro, e esse é o grande risco.

E como pode ficar o fomento do Governo à pesquisa?

Ninguém sabe. Quando, na verdade, o que precisávamos era um reajuste desses valores e uma ampliação do número de bolsas. Um outro ponto importante é que nós tivemos um momento de expansão das universidades, e isso foi muito necessário para o Brasil. Ainda estamos muito aquém de outros países. Países de referência investem muito dinheiro do seu PIB, dinheiro público, em pesquisas, seja na área de humanas ou tecnologia. Um dos autores mais citados no mundo é Paulo Freire, de humanas. A antropologia brasileira é uma referência mundial. Obama, quando lançou e organizou o Obamacare, consultou a estrutura do SUS. O SUS tem os seus problemas, é claro, a execução é equivocada, mas o projeto é inegavelmente bom. Precisamos parar com esse complexo de vira-lata, e sair vendendo tudo a qualquer custo. Há uma série de discursos nesse processo que são equivocados. A ideia deles é enfraquecer as universidades. Achar que a iniciativa privada resolve é uma ilusão, eles têm outra preocupação./

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