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NOTA DE REPÚDIO
A Coordenação do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA/UFF) vem a público emitir uma nota de repúdio à reportagem publicada no jornal Gazeta do Povo, na edição do dia 4 de outubro de 2017, sob o título Em universidade federal, doutorado sobre orgias gays tem “participação especial” de autor. Em meio à plêiade de juízos de valor que atravessam a reportagem – contrariando, inclusive, a própria deontologia do fazer jornalístico, que preconiza o compromisso ético-profissional com valores, tais como a imparcialidade no tratamento dos fatos –, o jornalista Gabriel de Arruda Castro apresenta um sem-número de posicionamentos tendenciosos e questionamentos infundados acerca do objeto, dos resultados e da metodologia empregada na pesquisa que serviu de base empírica para o trabalho sobre o qual discorreria em seu texto. A pretexto, porém, de discutir a tese de doutorado do jovem antropólogo Victor Hugo de Souza Barreto, defendida há cerca de um ano pelo PPGA/UFF, sob o título Festas de orgia entre homens: territórios de intensidade e socialidade masculina, a reportagem traz um enquadramento que claramente extrapola o referido objeto. O seu foco, decerto, não se atém à tese em si que, diga-se de passagem, aborda competentemente uma temática complexa, de difícil trato e que, ainda hoje, costuma ser encarada como tabu em diversos círculos sociais (inclusive no jornalístico e no acadêmico). O alvo, ao que tudo indica, seria um tanto maior, ultrapassando não só a dissertação, a tese, o PPGA/UFF, a EDUFF, como a própria UFF.
Em meio à propalada "crise" econômica vivida no País e à consequente escassez de recursos públicos para a ciência, tecnologia e educação, uma vetusta tese acerca da produção do conhecimento parece ressurgir, ganhando novíssimo fôlego e, pode-se dizer, uma nova roupagem que, travestida pela gramática do politicamente correto, evoca algumas conhecidas noções como “utilidade”, "custos" e “serventia”. Nesse sentido, múltiplas vozes se arvoram a definir as temáticas que devem ser pesquisadas, classificando os seus objetos como mais ou menos nobres, o que, entre outras consequências, acirra as bizantinas disputas por financiamento entre as diferentes áreas do saber. No que concerne a essas disputas, não há como deixar de considerar o papel cumprido pelo jornalismo, posto que, como bem sabemos, a mídia é um dos mais importantes atores de construção social da realidade. Entre outras razões, isso se deve ao fato de que, ao difundir informações sobre determinados acontecimentos, ela lhes empresta visibilidade, contribuindo, de modo decisivo, para a formação da opinião pública a seu respeito. É claro que, ao fazerem isso, os seus agentes não operam como meros informantes do que se passa no mundo, mas também como seus intérpretes que, como tais, têm interesses, ocupam posições, fazem escolhas, definem prioridades e produzem enquadramentos do real. É isso o que revela, entre outras, a supracitada reportagem, cujo autor já se posicionou em defesa da adoção de um critério de relevância como justificativa para o aporte de recursos para pesquisas no Brasil, sustentando, inclusive, que as ciências exatas devem ser privilegiadas, em detrimento das humanidades, porque “gera[m] empregos de alta remuneração, fortalece[m] a indústria nacional e aumenta[m] o grau de inovação tecnológica, o que tem um efeito multiplicador sobre a economia”.
Contaminado pelo viés utilitarista, o jornalista demonstra ser detentor de um total desconhecimento acerca da a história das Ciências, assim como sobre os múltiplos impactos promovidos pela produção das chamadas Humanidades na promoção de tecnologias e inovações sociais que são tidas como caras às sociedades contemporâneas. Ao que tudo indica, a combinação do utilitarismo com um manifesto moralismo, temperada por uma certa obtusidade, constitui a razão última de sua resistência à realização de trabalhos como os de Victor Hugo de Souza Barreto, eufemisticamente classificados na reportagem como "pouco ortodoxos". Mais que "pouco ortodoxos" ou heterodoxos, pode-se afirmar que a dissertação de mestrado e a tese de doutorado de Victor Hugo são, por definição, trabalhos heréticos. E é desejável que assim o sejam! Perfeitamente alinhado com a perspectiva weberiana de uma "eterna juventude" das Ciências Sociais, o conhecimento antropológico não é, não deve ser e, no limite, não pode ser elaborado de forma dogmática. Suas "verdades" não se pretendem absolutas, nem definitivas. São, ao invés disso, passíveis de discussão, divergências, discordâncias, reapropriações e reformulações. Esse espírito crítico está e sempre esteve presente em toda a história da Antropologia, fazendo-se notar, inclusive, no contexto de institucionalização da disciplina, em meados do século XIX, quando seus precursores ergueram uma importante crítica às então hegemônicas teorias poligenistas, segundo as quais a diversidade seria fruto de uma desigualdade natural entre os homens, o que contribuiu para justificar práticas etnocêntricas diversas, tais como o racismo, a escravidão, os genocídios, etc.
Com isso, queremos assinalar a necessidade de que, de uma vez por todas, suplantemos os ranços medievais que, de tempos em tempos, vêm à tona nos debates envolvendo a produção do conhecimento, no Brasil e alhures. Objetivamos, pois, ressaltar a nossa concepção de que o conhecimento nunca se mostrou capaz de avançar significativamente enquanto, por qualquer razão, pesquisadores se viram constrangidos a fazer mais do mesmo. É, por meio da adoção de posturas inovadoras, ousadas e arrojadas que os avanços acontecem (ainda que aos arrepios dos setores conservadores e reacionários...). Por isso mesmo, diante da iminência da mais pálida ameaça que, porventura, se lhes apresente, faz-se imperativo que todos nós, interessados na produção de um espaço público plural, heterogêneo e democrático, nos coloquemos em estado de alerta e retomemos a seguinte questão: afinal, para que serve (e a quem serve) o conhecimento?
Niterói, 9 de outubro de 2017.
Edilson Márcio Almeida da Silva
Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA/UFF)
Fábio Reis Mota
Vice-coordenador do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense (PPGA/UFF)
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