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Jorge da Silva (1942-2020)
O INCT-InEAC lamenta a morte do professor, pesquisador e intelectual Jorge da Silva, membro da nossa rede de pesquisa e um dos mais importantes articuladores de projetos decisivos que possibilitaram o desenvolvimento e acúmulo da massa crítica de que hoje dispomos. Nesta nossa despedida, onde rememoraremos sua trajetória, é importante sublinhar, antes de tudo, que o professor Jorge da Silva era uma pessoa singular. Sua inteligência privilegiada combinava com a generosidade de seu espírito, expressa sempre em sorrisos e risadas espontâneas, trato hospitaleiro e, principalmente, um olhar e audição atentos para com o interlocutor. Era, assim, uma figura humana exemplar capaz de aliar, de forma natural, empatia pessoal e excelência profissional a toda prova. Exercitou desta forma rara e ampla competência para a vida em diferentes universos e contextos, sempre demonstrando grande capacidade para projetar, no futuro, aspirações coletivas e de bem estar para todos na sociedade.
Jorge da Silva, como fazia questão de dizer, era nascido e criado no Morro do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. Proveniente, portanto, de uma família humilde, cujos pais eram referenciais de dignidade e orgulho. Era também um militante importante do movimento negro, um intelectual orgânico deste movimento, como também do oficialato da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Nesta última instituição ele teve uma carreira brilhante. Foi sempre destacado como “O Primeiro Aluno”. No momento atual, onde assistimos hordas obscurantistas insistentemente opor o pensamento científico e ordem social, Jorge da Silva já nos parece saudoso. Representou com firmeza e brilhantismo a tradição policial compromissada com os valores democráticos, por eleger educação, cortesia, reflexão e tolerância para com a diferença enquanto denominadores comuns para conjugar uma segurança pública identificada com os interesses mais amplos da sociedade.
Jorge obteve seu doutorado em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, em 2005, com a tese Violência e identidade social: um estudo comparativo sobre a atuação policial em duas comunidades no Rio de Janeiro, orientado pela professora Márcia Contins. Antes, teve reconhecido dois títulos de mestre. Na UFF, em 1998, ele apresentou a dissertação Violência e racismo no Rio de Janeiro, orientada por Roberto Kant de Lima, obtendo o título de mestrado em Ciência Política pelo então Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Ciência Política (PPGACP/UFF). Entretanto, vinte e seis anos ele já tinha sido reconhecido mestre em Letras pela Universidade Federal Fluminense - onde concluíra a graduação em Letras, em 1970. Sua dissertação de mestrado, orientada por Carly Silva e defendida em 1973, foi intitulada Para o estudo sistemático do artigo indefinido em inglês; consistiu em um primeiro esforço comparativo sobre as formas idiossincráticas de expressão na língua inglesa, que ele dominava como poucos. Um detalhe: concluiu aquele mestrado no período em que cursava nova graduação em Direito, também pela Universidade Federal Fluminense.
No ambiente castrense Jorge da Silva frequentou todos os cursos regulares do oficialato da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Naquela corporação chegou ao último posto, o de coronel, e ocupou altas funções. Em decorrência de sua formação profissional, assumiu compromissos éticos com aquela instituição, mas também com a sociedade. Em função disso, desenvolveu ampla experiência nas áreas de Educação, de Formação Policial, e de planejamento estratégico no campo da Segurança, Justiça e Direitos Humanos. Foi um dos maiores intelectuais do país na elaboração de políticas públicas nessas áreas, em razão sobretudo de sua atuação como integrante da cúpula da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro até 1994 (subsecretário de Estado e chefe do Estado Maior Geral), e depois em cargos da alta administração do Estado, a saber: coordenador de Segurança, Justiça, Defesa Civil e Cidadania (2000-2002), presidente do Instituto de Segurança Pública - ISP (2003), Secretário de Estado de Direitos Humanos - RJ (2003-2006). Na área federal, foi diretor do Departamento de Políticas de Justiça da Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania do Ministério da Justiça (2017).
Na Universidade Federal Fluminense, que sedia o nosso INCT-InEAC, ele foi professor convidado do Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública (JCSP/ICHF/UFF), além de conteudista do Curso EAD de Tecnólogo em Segurança Pública (Consórcio Cecierj-Cederj / UFF). Também no âmbito do InEAC ele ministrou a disciplina Por uma Criminologia Crítica do Sistema Penal, no Curso de Especialização em Pesquisa Empírica em Direito e Sociedade, da Universidade Agostinho Neto na cidade de Luanda, Angola, resultado de um convênio com a Universidade Federal Fluminense, em 2012. Foi também professor colaborador no curso de Bacharelado em Segurança Pública e Social, ministrando a disciplina “História das Representações Jurídicas e Sociais” para as primeiras turmas do curso, em um momento onde o Departamento de Segurança Pública contava com apenas quatro professores concursados. Na ocasião, junto com a socióloga Maria Stella Amorim, o colega abrilhantou nosso projeto, injetando ânimo em uma juventude que ainda não tinha clareza sobre as potencialidades de uma formação profissional na área de segurança pública.
Jorge da Silva era professor adjunto da Universidade do Estado do Rio de Janeiro / UERJ; como dizia, aposentado, mas ativo. Naquela universidade estadual foi coordenador executivo da Coordenação Multidisciplinar de Estudos e Pesquisas em Ordem Pública, Polícia e Direitos Humanos, sediado na Reitoria; foi também coordenador do Núcleo Superior de Estudos Governamentais / NUSEG/Uerj. Coordenou naquela instituição também o Curso de Segurança Pública. Exercitou suas competências na Faculdade de Formação de Professores da UERJ / Departamento de Letras até junho de 2008. Também atuou em inúmeros cursos de formação em nível nacional e internacional.
O professor Jorge da Silva era um intelectual dedicado a deixar registrado na forma de livros suas reflexões, resultado de suas pesquisas e uma observação qualificada sobre as questões sociais, envolvendo a segurança pública e o Direito. Deixou oito livros publicados em torno de temas como segurança pública, criminologia crítica, violência urbana, racismo, polícia, além de artigos em publicações nacionais e estrangeiras.
Finalmente, compreendemos ser esta uma enorme perda, ainda mais se consideramos a situação em que vivemos, em nível mundial. Sequer temos a oportunidade de expressar publicamente, de corpo presente, nossa estima, admiração e agradecimentos ao dileto colega. Muito fez ele em prol da educação em todos os níveis, em especial na Universidade. Foram imprescindíveis seus aportes pela dignidade da população negra, no âmbito da polícia militar e, por tudo isso, pela democracia e pela sociedade. Esperamos com essas palavras poder encontrar a todos que partilham de nossos sentimentos, confortando-nos mutuamente pelo pedaço que de nós escapa do mundo material para habitar a memória de nossas instituições.
Pesquisadores da Rede Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos - INCT-InEAC
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EQUIPE DE COMUNICAÇÃO DO INEAC
Jornalista Claudio Salles
Bolsista Bruna Alvarenga
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