Roberto Kant de Lima
Publicado na revista ISTO É
InEAC na Mídia
Lenin Pires
Publicado no Jornal O Globo
Nessa quarta-feira, dia 12 de julho de 2023 o Reitor da Universidade Federal Fluminense, professor Antonio Claudio Lucas da Nóbrega, conduzirá a cerimônia de outorga do título de Professor Emérito ao professor Roberto Kant de Lima, em reconhecimento ao seu trabalho, competência e dedicação à UFF.
O evento acontecerá às 14h no Auditório Simoni Lahud Guedes, no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia do Campus do Gragoatá – Bloco P - Rua Prof. Marcos Waldemar de Freitas Reis S/N°- São Domingos, Niterói/RJ.
O professor Roberto Kant de Lima é uma referência nacional e um pioneiro nas pesquisas sobre polícia, segurança Pública e Justiça no Brasil . É Coordenador do INCT-InEAC - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos e Membro Titular da Academia Brasileira de Ciências. Graduou-se em Direito pela Faculdade de Direito de Porto Alegre, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1968), mestrado em Antropologia Social pelo Museu Nacional UFRJ (1978), doutorado em Antropologia pela Harvard University (1986) e pós-doutorado na University of Alabama at Birmingham (1990). Coordenador do Núcleo de Ensino, Pesquisa e Extensão em Administração Institucional de Conflitos (NEPEAC/PROPPI/UFF), Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida (UVA), Professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e do Mestrado em Justiça e Segurança da Universidade Federal Fluminense (UFF), Professor Titular Aposentado do Departamento de Antropologia e Professor Aposentado Adjunto do Departamento de Segurança Pública da Faculdade de Direito da Universidade Federal Fluminense. Comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico do Governo do Brasil, Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq - Nível 1A, Bolsista do Programa Cientistas do Nosso Estado da Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. Foi Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-graduação e Inovação (PROPPI UFF),Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Vice-Presidente da Associação Brasileira de Antropologia, Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito da Universidade Gama Filho, Professor visitante da Faculdade de Filosofia e Letras (Doutorado em Antropologia) da Universidade de Buenos Aires, Professor visitante do Departamento de Criminologia da University of Ottawa. Foi membro do Comitê Assessor de Antropologia e Coordenador do Comitê Assessor de Ciências Sociais do CNPq e Representante titular das Universidades Federais no Conselho Superior da FAPERJ-SECTI/RJ. É consultor ad hoc da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), de diversas Fundações Estaduais de Apoio à Pesquisa e do FONCyT-Fondo para la Investigación Científica y Tecnológica (Argentina) e do Consejo de Investigaciones Científicas y Técnicas da Argentina-CONICET. Tem experiência na área de Teoria Antropológica, com ênfase em Método Comparativo, Antropologia do Direito e da Política, Processos de Administração de Conflitos e Produção de Verdades e em Antropologia da Pesca.
Foi prorrogada a data para para inscrição e envio de Resumos do VIII ENCONTRO DE PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA (PPGD-UVA), a realizar-se entre os dias 07 e 10 de agosto de 2023, nas modalidades presencial e online. Os resumos poderão ser enviados até o próximo dia 16 de julho de 2023, através do Google Formulário: https://forms.gle/iHjzzWqeLbUKeiEs8 .
A oitava edição do encontro promovido pelo Núcleo de Pesquisa em Processos Institucionais Administração de Conflitos (NUPIAC), integrante do PPGD-UVA, ambos parceiros do Instituto Nacional de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos INCT/InEAC (ver site www.ineac.uff.br) será realizada entre os dias 07 e 10 de agosto de 2023, na modalidade híbrida, tendo atividades presenciais e onlines com transmissões simultâneas ao vivo no Youtube (www.youtube.com/c/InEAC) . O evento, tanto nas atividades presenciais quanto nas completamente online, será gravado e disponibilizado no respectivo perfil do YouTube.
São privilegiadas pesquisas empíricas realizadas em tribunais e/ou em instituições que administram conflitos de natureza civil, trabalhista, tributária, criminal e/ou de outros âmbitos, bem como pesquisas que abrigam projetos inovadores acerca de medidas processuais e administrativas destinadas à administração de conflitos.
O VIII ENCONTRO DE PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS DO PROGRAMA DO PPGD-UVA também oferece a oportunidade para promoção de debates sobre a cidadania brasileira e questões sobre a pesquisa do e no campo do direito, destacando características da cultura e da tradição judicial na sociedade brasileira, inclusive na perspectiva comparativa por contrastes com outras culturas jurídicas.
Para outras informações faça abaixo o download do edital
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Disponibilizamos aqui no site do INCT/INEAC o artigo publicado no site https://www.scielo.br/ e escrito por Juliana Braz Dias e Daniel M. Lage da Cruz da Antropologia da UNB na Vibrant Journal sobre a construção do consumo de álcool enquanto um problema público durante a pandemia de COVID-19 na África do Sul. Durante a crise sanitária, o país implementou medidas como o uso mandatório de máscaras (punível com prisão), uma estrita lockdown, toque de recolher e o banimento da venda e consumo de bebidas alcoólicas e cigarros. No esteio da implementação de um projeto de "ordem sanitária", observou-se o aumento de casos de violência policial no período, como no caso de Colin Khosa. Residente de Alexandra, uma township localizada na área peri-urbana de Johanesburgo, Colin Khosa foi talvez a primeira vítima fatal da pandemia em sua comunidade. A morte de Colin, entretanto, não foi causada pelo vírus. Sua vida se perdeu tragicamente nas mãos daqueles responsáveis por protegê-lo. Ao lado de um copo de cerveja, Colin Khosa foi espancado até a morte no quintal de sua casa, quando policiais e membros do exército sul-africano invadiram a residência durante operação de fiscalização do banimento de álcool na township.
Para ler o artigo "De problemas públicos a experiências sociais: a proibição do álcool na África do Sul durante a pandemia de COVID-19" acesse: https://doi.org/10.1590/1809-4341.2023v20a20601 ; leia abaixo ou se preferir faça o download do anexo abaixo.
Em 2020, o governo sul-africano adotou uma medida polêmica em resposta à pandemia de COVID-19: a proibição nacional da venda e do transporte de bebidas alcoólicas. Neste artigo, exploramos o processo que levou à construção do consumo de álcool como um “problema público” no país, destacando as conexões entre consumo de álcool, política, economia, saúde pública, segurança pública e desigualdade social. Observamos como a proibição do álcool em 2020 foi decidida, justificada e aplicada, após uma longa história de tentativas do governo de controlar o consumo de álcool entre sul-africanos pobres não brancos. Com base em dados etnográficos, apresentamos alguns padrões e significados do consumo de álcool em ambientes populares e fornecemos um vislumbre das práticas de consumo de bebidas entre os sul-africanos mais ricos durante a proibição do álcool. Com isso, pretendemos oferecer um retrato mais amplo do fenômeno, que ajude a apreender essa intrincada questão.
Palavras-chave:
África do Sul; pandemia de COVID-19; consumo de álcool; proibição de álcool; problema público; desigualdade social
O papel da bebida na vida de homens e mulheres negros tem uma longa história. E é complexo porque nunca se tratou simplesmente de bebida e embriaguez. (a ascensão 1988: 1)
Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou uma pandemia mundial de COVID-19.1As reações à declaração variaram. Alguns países, como Brasil e Estados Unidos, lutavam com taxas alarmantes de mortalidade e contaminação,2causados principalmente por mensagens e ações políticas enganosas3. Outros, no entanto, reconhecendo que o COVID-19 era mais do que “apenas uma gripe”, implementaram regulamentos rigorosos, incluindo fechamento de escolas e locais de trabalho, restrições a reuniões públicas e requisitos de permanência em casa. Na África do Sul, o governo nacional reconheceu prontamente a ameaça do vírus e promulgou uma das respostas mais rígidas do governo à pandemia.4A proibição nacional da venda e transporte de bebidas alcoólicas foi uma das muitas medidas tomadas pelo governo sul-africano. As restrições ao consumo de álcool foram estabelecidas em muitos países principalmente por meio do fechamento de lojas de bebidas, bares e restaurantes. Apenas a África do Sul e alguns outros países recorreram à proibição.5
O abuso de álcool é um grave problema social e de saúde na África do Sul. De acordo com o Relatório de Status Global de 2018 sobre Álcool e Saúde (OMS, 2018), o país tem a 6ª maior taxa de consumo de álcool per capita do mundo . Mais significativamente, a África do Sul é marcada pelo consumo excessivo de álcool , um fenômeno frequentemente associado à violência contra mulheres e crianças (Magro, 2010).6Neste artigo examinamos como o consumo de bebidas alcoólicas tem sido interpretado como um “problema público” durante a pandemia na África do Sul. Para isso, seguimos o conselho de Gusfield (1981) que destaca que nem todas as fontes de dor ou luta merecem essa qualificação.7Segundo o autor, o principal atributo dos problemas públicos é que eles são percebidos como potencialmente prejudiciais à sociedade como um todo, “instituídos” (Bourdieu, 1996) como um assunto que deve ser tratado coletivamente como prioridade para ações governamentais e políticas públicas. A construção de um “problema público” é também uma luta assimétrica entre atores sociais posicionados de forma diferente, operando de acordo com diferentes capacidades, origens e projetos para exercer o poder de influenciar a agenda pública. A esse respeito, entendemos que nosso reconhecimento da necessidade urgente de regulamentação do álcool na África do Sul não deve ofuscar nossa perspectiva, como antropólogos, das lutas simbólicas e políticas culturais envolvidas no assunto. Com isso, esperamos contribuir para uma abordagem mais complexa e abrangente do tema nas políticas públicas e na academia.
Os antropólogos têm sido freqüentemente acusados de menosprezar a gravidade dos problemas relacionados ao álcool. Em 1984, Robin Room conduziu uma discussão sobre a suposta tendência dos antropólogos de minimizar a gravidade dos problemas com a bebida, dizendo que a “deflação do problema” era uma função do próprio processo de pesquisa etnográfica. Caricaturando a prática antropológica, Room afirmou que os métodos etnográficos “podem subestimar os problemas relacionados à bebida porque estão mais sintonizados em medir os prazeres do que os problemas da bebida” (Quarto e outros. , 1984: 172). De fato, os estudos antropológicos do álcool, principalmente até a década de 1980, focaram no papel do álcool na criação e manutenção da coesão social, desafiando a perspectiva ortodoxa que via o consumo de álcool principalmente como uma patologia individual (Dietas, 2006). Desde então, novas abordagens teóricas nas ciências sociais levaram a outros desenvolvimentos. Se o consumo de bebidas alcoólicas contribui para um senso de comunidade e identidade, também reforça a diferença, o conflito, a autoridade e o controle. Entendemos que o debate sobre o consumo de álcool não é devidamente examinado se a questão se limitar a uma oposição entre “prazer e dor” (Bryceson, 2002). Reconhecer plenamente as consequências do consumo de álcool inclui observar seu uso na macro/micropolítica e na manipulação do poder.
Em tempos de crise, as sociedades tendem a revelar conflitos estruturais às vezes difusos e até subestimados na vida cotidiana. Como mostraremos, funcionários públicos, ativistas e pesquisadores perceberam a pandemia da COVID-19 e a proibição do álcool como oportunidades para promover uma ampla discussão sobre o consumo de álcool na África do Sul, usando os canais disponíveis para tentar influenciar o que eles projetavam como o “novo normal”, categoria amplamente utilizada na época para se referir aos efeitos da pandemia no rearranjo das relações sociais e estruturas de poder estabelecidas. Neste artigo, porém, mostraremos como dois elementos essenciais nesse processo podem ofuscar esse futuro brilhante: a multifacetação do consumo de álcool pela “comunidade”, que é uma categoria substituta usada por alguns de nossos interlocutores para se referir aos hábitos “problemáticos” das pessoas que vivem em bairros e áreas degradadas das cidades sul-africanas; e a violência da aplicação seletiva do regulamento de proibição do álcool, fenômeno que evidenciou a brutalidade das desigualdades sociais no país,8girando em torno de memórias dolorosas e reencenando velhas ideologias de eras segregacionistas passadas.
O artigo é também uma experiência de pesquisa pandêmica conduzida por três pesquisadores brasileiros com experiência significativa em trabalho de campo em meios populares sul-africanos. Devido às restrições de mobilidade impostas ao longo de 2020, parte do material de campo aqui apresentado foi recolhido enquanto os três autores se encontravam confinados nas suas casas, levantando informações remotamente a partir de reportagens mas também através de amigos e interlocutores de investigação na África do Sul sobre as suas experiências, não apenas da proibição do álcool, mas da aplicação do Estado de Calamidade como um todo. Esse material de trabalho de mesa é apresentado principalmente nas seções Proibição do álcool, violência policial e a construção de uma ordem sanitária e A construção discursiva de um problema público e o projeto de um “novo normal”. Na seção final, intitulada Um retrato do consumo de álcool nos meios populares sul-africanos, apresentamos um relato etnográfico de experiências sociais variadas envolvendo o consumo de álcool em ambientes populares, com foco nas categorias locais com as quais os plebeus negros lidam com os prazeres e dificuldades da bebida.
Inspirado nas abordagens metodológicas de George Marcus e sua “etnografia multissituada” (1995) e de Jacques Revel (2010) analisamos a questão da proibição do álcool durante a pandemia de COVID-19 por meio de diversos locais de observação e fontes de dados, articulando escalas micro/macro de memória e história. Iniciamos nossa discussão com uma revisão histórica das regulamentações estaduais sobre o consumo de álcool na África do Sul na seção Uma breve história de uma controvérsia: a proibição do álcool em 2020 . Mostramos como a intoxicação por bebidas alcoólicas é uma prática inerentemente ambígua. Pode levar não apenas ao vício e à violência interpessoal, mas também a uma “forma intensificada de experiência social” (Karp, 1987) . É uma prática de lazer comum, e é importante reconhecer que o vício, a violência e o lazer podem carregar uma variedade de significados em uma sociedade desigual. O artigo, portanto, explora o processo multifacetado de construção do consumo de bebidas alcoólicas como um “problema público”, em um esforço para fornecer um olhar contemporâneo sobre as estruturas de longa duração das desigualdades no país.
Em 15 de março de 2020, em uma declaração muito esperada, o presidente Cyril Ramaphosa dirigiu-se aos cidadãos sul-africanos para anunciar as medidas do país para combater a pandemia de COVID-19.9Ramaphosa proclamou a necessidade de uma resposta extraordinária, com mecanismos de prevenção e redução do surto de coronavírus e medidas para mitigar os seus impactos económicos. Declarou Estado de Calamidade, o que permitiu limitar certos direitos no país. Isso incluiu impor uma proibição de viagens, fechar escolas e proibir reuniões de mais de 100 pessoas. Além disso, Ramaphosa pediu a todos que lavem as mãos com frequência, cubram o nariz e a boca e evitem contato próximo com outras pessoas. Nas suas próprias palavras, pedia “uma mudança de comportamento entre todos os sul-africanos”.
O discurso do presidente à nação em 23 de março de 2020,10aumentou dramaticamente a resposta à pandemia. O início de um bloqueio nacional foi anunciado. Os indivíduos não seriam autorizados a deixar suas casas, exceto para procurar atendimento médico, comprar alimentos ou remédios e coletar subsídios sociais. Todas as lojas e negócios seriam fechados, exceto aqueles que prestam serviços essenciais. Mais especificamente, a Lei de Gerenciamento de Desastres (2020) declarou que a venda, distribuição e distribuição de bebidas alcoólicas eram proibidas.11O mesmo se aplica aos produtos de tabaco.12Além disso, o Presidente anunciou que instruiu a Força de Defesa Nacional da África do Sul (SANDF) a apoiar o Serviço de Polícia da África do Sul (SAPS) para patrulhar as ruas e fazer cumprir os regulamentos de bloqueio.
A compra de pânico se seguiu entre a população. Durante três dias antes do início do bloqueio anunciado, aqueles que tinham meios financeiros correram para as lojas, estocando papel higiênico, desinfetantes para as mãos, cigarros e bebidas alcoólicas. Logo depois, os sul-africanos perceberam que as lojas poderiam manter estoques adequados de bens essenciais, reduzindo a ansiedade. Mas as bebidas alcoólicas não puderam ser compradas nos dois meses seguintes. O governo nacional criou uma “lista de serviços”, indicando as atividades permitidas em cada setor, com base em cinco níveis de alerta, sendo o nível 5 o mais rígido. O consumo de álcool fora do estabelecimento seria permitido novamente no Nível 3, com vendas permitidas em horários limitados.
Assim, em 25 de maio de 2020, as vendas de álcool voltaram. Os bebedores sul-africanos comemoraram. Fogos de artifício podiam ser ouvidos em certas áreas da Cidade do Cabo, e os consumidores esperavam em longas filas nas lojas de bebidas. No entanto, a 12 de julho de 2020, Ramaphosa dirigiu-se à nação e surpreendeu os sul-africanos, afirmando que a venda, distribuição e distribuição de álcool voltaria a ser suspensa “com efeito imediato”. Segundo o presidente e o gabinete de ministros, havia dois motivos para a proibição. Notícias de diferentes países mostraram um grande aumento da violência de gênero quando a população foi ordenada a ficar em casa. Reduzir o consumo de álcool, portanto, era uma forma de combater a violência sistêmica sofrida pelas mulheres sul-africanas. Além disso, acidentes rodoviários e outros traumas “relacionados à bebida” sobrecarregam clínicas e hospitais. A proibição visava limitar a pressão sobre o sistema de saúde, conservando as instalações hospitalares para pacientes com COVID-19. O governo nacional enfrentou forte reação de diversos setores - principalmente da indústria vinícola, de grande importância para a economia do país. Sob pressão, a segunda proibição do álcool foi suspensa em 15 de agosto de 2020.
A proibição de bebidas alcoólicas durante a pandemia não foi um evento isolado na história da África do Sul. Uma cronologia abrangente da proibição do álcool em 2020 deve começar muito antes. A produção e o consumo de várias bebidas alcoólicas fermentadas são anteriores ao colonialismo na África Austral e são aspectos importantes dos modos de vida e cosmologias das populações indígenas. A dominação europeia, porém, abriu a região para a bebida industrializada, estimulando o abuso do álcool e utilizando-o como estratégia de recrutamento e controle da mão de obra (Ambler, 2003: 11).
A prática de pagar trabalhadores agrícolas não-brancos com vinho barato em vez de salários (ou em adição a um pequeno pagamento monetário) - conhecido como Dop ou Tot System - foi usado nas fazendas da Colônia do Cabo desde o século XVII. Apesar de ter se tornado ilegal em 1961, a prática persistiu até o final do século XX (Londres, 1999). O Sistema Dop foi usado pela primeira vez para induzir os povos indígenas a trabalhar para os colonos brancos. Logo se institucionalizou como um mecanismo para reduzir os custos trabalhistas, manter a força de trabalho nas fazendas e fornecer um mercado para produtos alcoólicos de baixo teor. O Dop System era “um meio insidioso de tentar dominar e controlar uma subclasse rural” (Scully, 1992: 57). Na verdade, foi um sistema de doping que levou ao aumento do consumo de álcool e da embriaguez no Cabo (e em outras partes da África do Sul). Até hoje, a síndrome alcoólica fetal é extremamente prevalente na região. Durante o século XIX, as práticas de bebida de populações não-brancas levantaram preocupações entre os líderes africanos. Além disso, reformadores morais europeus relacionados ao Movimento de Temperança fizeram campanha contra o Dop System, estimulando políticas para restringir o acesso de não-brancos a bebidas alcoólicas. Por mais contraditório que possa parecer, tanto o Dop System quanto a seguinte legislação sobre álcool foram desenvolvidos para subordinar e controlar os não-brancos na África do Sul.
A instrumentalização da bebida alcoólica nas relações trabalhistas e raciais no país acompanhou as medidas parlamentares de controle do consumo de álcool pelas populações negras e de cor. O marco legal da legislação restritiva foi a Lei do Licor de 1891, segundo a qual a embriaguez pública repetida, uma fonte de reclamações iterativas no Cabo, poderia ser punida com penas de prisão. Uma Emenda de 1898 à Lei do Licor introduziu as primeiras condições para a venda de bebidas aos chamados “nativos”, bem como restrições à produção de “cerveja africana” nas áreas rurais.13A Lei do Licor de 1927 proibiu os “africanos” de comprar “licores europeus” ou bebidas industrializadas, que se tornaram um privilégio da população branca do país. A Lei, além disso, tornou a produção e venda de cerveja de sorgo, uma bebida tradicional pré-colonial e alimento básico (A Ascensão, 1988: 7), em monopólio das autoridades municipais em todo o país. Na década de 1930, Hellmann registrou duas consequências da Lei de Licor de 1927: o florescimento de um comércio ilícito de cerveja e uma sensação de injúria entre os negros africanos pobres (Hellmann, 1934: 39, 53). De fato, as frequentes batidas policiais em municípios e a prisão de mulheres e homens envolvidos com o mercado ilegal de bebidas alcoólicas causaram profundo ressentimento em ambientes populares. No entanto, as restrições oficiais ao consumo de álcool industrializado pela população não branca no país foram levantadas apenas em 1962.14 15
O consumo excessivo de álcool por homens e mulheres brancos da classe trabalhadora também foi uma preocupação durante o apartheid, particularmente de 1948 a 1960. Foi visto pela elite como uma ameaça aos arranjos fundamentais da ordem racial, interrompendo a ficção da respeitabilidade branca (Roos, 2015). Vale a pena notar que o estado encontrou maneiras específicas de responder ao consumo de álcool por brancos. Embora o alcoolismo fosse um problema que ultrapassava as fronteiras raciais, a lógica da segregação levava a intervenções estatais racialmente diferenciadas, baseadas em políticas também com viés de classe. Os brancos da classe trabalhadora que bebiam em excesso eram submetidos a uma abordagem disciplinar e reformista, levados para colônias de trabalho voltadas à ressocialização e reabilitação (Roos, 2015: 1179-1181).
Outro aspecto importante dessa controvérsia é que o levantamento das restrições em 1962 foi motivado por preocupações econômicas. Como Mager (1999: 387) afirmou, “a revisão do regime do apartheid das leis de bebidas alcoólicas foi inicialmente motivada pelos imperativos econômicos dos fabricantes de cerveja de malte, produtores de vinho e destiladores”. Como mencionamos, durante a proibição do álcool em 2020, esses poderosos atores econômicos levantaram suas vozes mais uma vez contra a proibição oficial da venda e consumo de bebidas alcoólicas. Apesar de uma trégua inicial durante os estágios iniciais do bloqueio no país,16em agosto de 2020, a Southern African Agri Initiative (SAAI), juntamente com fazendas e associações vinícolas, foi a tribunal sobre o assunto. Disseram que a proibição inicial das vendas resultou em prejuízos de mais de 3 mil milhões de rands (mais de 180 milhões de dólares americanos) e que a nova proibição, “arbitrária e irracional”, ameaçaria a existência de muitas quintas vinícolas.17Eles alegaram que o regulamento era inconstitucional e o consideravam parte de uma agenda de longo prazo contra o uso de álcool.18Nkosazana Dlamini-Zuma, Ministro de Governança Cooperativa e Assuntos Tradicionais (COGTA) e chefe do Conselho Nacional de Comando do Coronavírus, respondeu que “não há desejo por parte do governo de deixar essa proibição em vigor por mais tempo do que é considerado necessário".19Mas cerca de quatro meses antes, o Ministro da Polícia Bheki Cele, que associou o álcool à alta taxa de criminalidade da África do Sul, havia declarado com firmeza: “Gostaria que a proibição do álcool pudesse ser estendida além do bloqueio”.20
Com recurso a tribunal, a SAAI pretendeu obter autorização para vender e consumir vinho em restaurantes e quintas. O argumento foi claramente exposto. Segundo a organização, “os relatórios mostram que os consumidores de vinho se enquadram na categoria 'segura' dos consumidores de álcool e que não há evidências de que os consumidores de vinho contribuam para a sobrecarga do sistema de saúde do país”.21Eles também afirmaram que os restaurantes são “um ambiente higiênico regulamentado, onde o distanciamento físico é aplicado”.22A organização disse que Dlamini-Zuma estava errada porque ela “apenas assumiu que todo álcool é igual”.23E eles estavam certos. Como estamos tentando mostrar, a história do consumo de álcool na África do Sul é marcada por extrema desigualdade. Os padrões de consumo de álcool têm sido distintamente relacionados à raça e à classe. Segurança , regulamentação e higiene são apenas algumas categorias em um sistema classificatório abrangente que ainda separa e atribui diferentes valores para os consumidores de álcool.24
Tomando a pandemia como um contraste dramático, as seções a seguir destacarão os perigos de classificar os consumidores de álcool e da fiscalização seletiva na instituição de um problema público. Pretendemos explorar questões de representação e cidadania que podem transformar uma demanda legítima por regulamentação estatal em um triste conto de corrupção, violência e privilégio.
“Eu sou a mídia! Eu sou a mídia!”, gritou desesperadamente a repórter Azarrah Karrim, depois que um grupo de agentes do Serviço de Polícia Sul-Africano (SAPS) impondo o bloqueio de nível 5 do COVID-19 apontou suas armas de choque, cuspindo freneticamente balas de borracha em sua direção. No vídeo,25o repórter do News24, um importante canal de notícias da Internet na África do Sul, está filmando um grupo de quatro a cinco policiais apoiados por um veículo de controle de distúrbios em um canto vazio de Yeoville, um bairro predominantemente negro no centro da cidade de Joanesburgo. Os policiais parecem estar adotando uma conduta de controle de multidão; o vídeo, porém, mostra que as ruas estão vazias. As pessoas gritavam de suas varandas para a polícia quando, de repente, os policiais avistaram o repórter. Provavelmente tomando-a por residente, eles imediatamente começaram a perseguir Azarrah na rua. Percebendo o “erro”, ela correu gritando na direção oposta: “Eu sou a mídia! Eu sou a mídia!”. Só podemos ouvir o que aconteceu a seguir; seu telefone celular apenas capta suas vozes. Ela repete: “Eu sou a mídia!”. Os policiais então pedem sua identificação e respondem,
Collin Khosa, morador de Alexandra, município da área metropolitana de Joanesburgo, não teve tanta sorte e morreu após ser espancado por membros da Força de Defesa Nacional da África do Sul (SANDF), auxiliados por agentes do Departamento de Polícia Metropolitana de Joanesburgo (JMPD). De acordo com depoimentos de testemunhas à imprensa, o homem negro de 40 anos e membros de sua família estavam reunidos em seu quintal compartilhado no município quando duas mulheres soldados do SANDF se aproximaram e os acusaram de violar o regulamento de bloqueio. Khosa e sua família foram supostamente desrespeitosos ao argumentar que estavam em casa e, portanto, não violavam nenhum regulamento.26Em seguida, após pedirem reforços ao JMPD, os militares invadiram a propriedade e atacaram Collin, que, segundo relatos, estava sentado com um copo meio cheio de bebida alcoólica ao seu lado. Um de seus parentes descreveu o ataque ao Sunday Times da seguinte maneira.
Em particular, eles derramaram cerveja em cima de sua cabeça e em seu corpo; um membro do SANDF segurou sua mão atrás das costas, enquanto o outro o sufocou; jogou-o contra a parede de cimento; atingiu-o com a coronha da metralhadora; chutou, esbofeteou-o, socou-o no rosto, no estômago e nas costelas, e o jogou contra o portão de aço.27
A limitada capacidade de supervisão policial de órgãos como o Independent Police Investigative Directorate (IPID)28não permitiu um relato mais abrangente sobre a extensão e as características do fenômeno durante a pandemia. No entanto, a cobertura do caso pela mídia foi extensa, expondo o problema em todos os seus detalhes sangrentos. Como no caso de Colin Khosa , esses relatos foram consistentes em tematizar os hábitos das classes populares e seus locais de moradia. Walter Manyani, outra vítima da brutalidade policial, foi baleado na perna direita enquanto ia a um banheiro externo em um quintal que dividia com outras dez famílias em Alexandra. Outro morador do município, Petrus Miggels, um homem negro de 55 anos de Ravensmead, morreu pouco depois de ser agredido pela polícia ao comprar litros de cerveja de um shebeen local .29Como outros órgãos de supervisão policial, a existência do IPID não garante que políticas adequadas e mecanismos de responsabilização estejam em vigor para prevenir a brutalidade policial na África do Sul, um fenômeno ainda fortemente influenciado pelas antigas hierarquias raciais e espaciais do apartheid.30
Bebedores de todas as esferas da vida infringiram a proibição de comercializar e consumir publicamente bebidas alcoólicas durante as fases draconianas do bloqueio do país, apesar dos bloqueios militares e do aumento do patrulhamento policial,31seja em áreas pobres e não-brancas ou nos subúrbios ricos, principalmente brancos. No entanto, enquanto as brigas entre plebeus e agentes nas áreas urbanizadas e nas rodovias interprovinciais envolviam predominantemente pedidos de suborno, nos municípios, as violações físicas - às vezes com consequências mortais - foram relatadas com mais frequência na mídia. De fato, como sugeriram muitos interlocutores da pesquisa, até a polícia adquiria cerveja ilegalmente nas áreas que patrulhava. A mídia sul-africana noticiou a prisão de policiais por comprar,32vendendo33e bebendo34licor, principalmente nos municípios.
Relatos de residentes brancos locais em Joanesburgo, habitantes de áreas suburbanas ricas, apresentam uma atitude mais permissiva das autoridades policiais em relação aos regulamentos de bloqueio. “Conseguimos comprar álcool o tempo todo; serviam vinho barato e aguardente ruim, e tínhamos que fingir que bebíamos outra coisa, mas nunca tivemos problemas de acesso ao álcool em Joburg”, relatou um interlocutor local. Para aqueles que podiam pagar, as violações do bloqueio acabaram sendo apenas uma questão de leve inconveniência financeira, um mundo de subornos e bebidas caras e ruins. Nos dias seguintes ao início da proibição do álcool, uma caixa (12 unidades) de uma cerveja popular como a Black Label disparou de 150 para 350 rands (aproximadamente de US$ 10 para US$ 23). De acordo,mqombothi (cerveja de sorgo) e cerveja de abacaxi. Essas tradicionais bebidas de fabricação nacional tornaram-se então um mercado lucrativo, ao contrário dos tempos pré-pandêmicos, quando o consumo de cervejas industrializadas prevalecia sobre as chamadas “cervejas tradicionais”.
O caráter seletivo da violência do estado despertou tensões raciais antigas, mas muito vivas, na África do Sul, levantando questões com o governo de maioria negra do ANC.35Membros do governo do ANC, no entanto, rejeitaram veementemente as consequências violentas da imposição da proibição do álcool nas áreas urbanas. Por causa da aparente persistência de pessoas quebrando os regulamentos de bloqueio em busca de estupor, Bheki Cele, Ministro da Polícia, deu a seguinte declaração: “Eu os ouço [pessoas nos distritos] chorando que policiais e soldados são brutais. Não nos ouvir é uma brutalidade”. Cele também expressou publicamente seu desejo de ver uma África do Sul pós-COVID livre de vendas de bebidas alcoólicas. “Só espero que um dia não haja bebida”, disse noutra ocasião, explicando de imediato o seu raciocínio: “Não comando o país, mas o que tem acontecido quando se olha para as estatísticas da criminalidade, pelo facto de shebeens estão fechados, as pessoas estão dormindo. Eles não andam por aqui em shebeens e tabernas sendo incontroláveis [sic]”.36Além da forma estigmatizante com que abordam o problema do abuso de substâncias nos municípios, quase como uma questão “civilizacional”, depoimentos como esses são altamente problemáticos porque tendem a tratar um problema de saúde como um problema de polícia.
Quando Collin Khosa foi morto duas semanas após a implementação do bloqueio, a África do Sul havia registrado apenas 24 mortes por COVID-19. A primeira vítima da pandemia no município de Alexandra pode ter morrido nas mãos de quem deveria protegê-la do vírus.
O conhecimento científico - manifestado especialmente por meio da linguagem da estatística - desempenha um papel importante na construção de um problema público , tanto como veiculador de representações legítimas de um problema como coletivo, quanto tornando-o elegível ao Estado como um domínio da vida que merece ser objeto de estratégia política (Foucault, 2007, 2019). Um problema público de alguma forma consegue ressoar nos domínios da opinião pública, política e política. Mas as arenas públicas são apenas erroneamente consideradas como o domínio supremo da igualdade. Como forças políticas concretas operando em diferentes sociedades capitalistas (uma “coisa em si”), as democracias são processos instáveis de luta de classes altamente sensíveis a condições econômicas e históricas específicas (Lukács, 1991). Nos âmbitos práticos da cidadania, pode-se esperar que alguns atores tenham maior influência para eleger os problemas públicos mais importantes entre várias questões prementes. É por isso que as lutas representacionais são centrais para a agenda democrática hoje. Eles expõem uma grande divisão entre o “público”, autor ativo de sua posição nesse jogo assimétrico de poder e valores, e aqueles que são apontados como “problemas”, tratados como recipientes passivos da ação (ou inação) governamental, quando não como inimigos Públicos (Chatterjee, 2004).
Nesta seção, iluminamos uma dimensão limitada, mas crucial, desse processo, discutindo o desenvolvimento de uma série de webinars na África do Sul sobre os efeitos dos regulamentos de proibição do álcool. Organizados por duas ONGs africanas que operam regionalmente na África Austral, os webinars foram transmitidos ao vivo para um público de assinantes. Eles incluíram membros do governo sul-africano, profissionais de saúde, pesquisadores, movimentos sociais e líderes comunitários.37As duas reuniões online aconteceram em maio de 2020. O tema que orientou as discussões foram os efeitos dos rígidos regulamentos de bloqueio sobre o crime e outros problemas sociais, especialmente os impactos da proibição do álcool durante os níveis 5, 4 e 3. Vamos agora descrever isso experiência de trabalho de campo online como estudo de caso, com foco nas diferentes estratégias discursivas utilizadas para se posicionar no debate.
Além dos episódios de brutalidade policial, duas grandes tendências ganharam as manchetes sobre a regulamentação do lockdown, reforçando as afirmações inicialmente levantadas pelo governo nacional, conforme demonstrado na seção anterior. O primeiro foi a associação entre a proibição de bebidas alcoólicas e a queda de homicídios, agressões e outros crimes violentos, incluindo violência de gênero e feminicídio. O segundo foram os efeitos da proibição na diminuição das internações hospitalares por traumas relacionados ao álcool, associados a eventos como acidentes de trânsito, quedas e facadas. Embora extraindo legitimidade do impacto benéfico mais amplo da proibição no país, o retrato de “práticas problemáticas de beber” e suas consequências negativas se concentrava nos municípios, retratando quase exclusivamente o estilo de vida dos pobres urbanos.
O objetivo da primeira reunião online era influenciar abertamente o governo sul-africano a endurecer as regras sobre a venda de álcool, e a pandemia foi vista como uma oportunidade para influenciar a agenda pública nesse assunto. A posição hegemônica dentro do grupo tendia ao “proibicionismo”, embora houvesse algumas vozes dissidentes entre os painelistas que defendiam uma abordagem mais moderada e fundamentada do regulamento. Mesmo quando buscavam abertamente atingir objetivos políticos, essas posições se apresentavam como respostas racionais e imperativas às estatísticas. Um dos palestrantes, um homem branco que se identificou como “a voz da periferia rural”, contou em primeira mão histórias aterrorizantes de crimes relacionados ao álcool e usou estatísticas de HIV, transtornos mentais e baixo desenvolvimento fetal, entre outros, para fortalecer seu argumento. “Quanto menos as pessoas consumirem álcool melhor; temos que convencer as pessoas de que, a longo prazo, elas ficarão melhores sem ele; mas os sindicatos vão resistir, muitos dos seus membros também têm problemas de toxicodependência”, concluiu, antecipando alguma resistência à sua perspetiva.
No segundo encontro, organizado por uma rede multidisciplinar de pesquisadores, a perspectiva geral foi promover políticas “baseadas em evidências” como única forma de melhorar os impactos das regulamentações da COVID-19 nas estatísticas criminais na África do Sul. Um dos palestrantes, um cientista médico da Cidade do Cabo, abriu sua apresentação dizendo: “meu sonho para a África do Sul é um 'novo normal' liderado por evidências”. Na mesma reunião, um agente de saúde local que trabalha em Cape Flats, uma área periférica da Cidade do Cabo, depois de apresentar números sobre a redução de internações por trauma no hospital local, também foi muito gráfico sobre os “ataques e assassinatos selvagens” relacionados a álcool nas comunidades. “Sabemos o que acontece todos os dias; é uma pequena parcela dos grandes bebedores que são os 'encrenqueiros', que passam o dia todo de um lado para o outro”, disse o homem,
Ocasionalmente, comentários insinuavam algumas ambições “ortopédicas sociais” na audiência: “temos que ensiná-los a se socializar de maneira diferente, em um ambiente diferente, como os coffeeshops”, “as pessoas têm que entender a relação estatística entre álcool e crime”, “nós temos que trazer a comunidade conosco, para um novo normal sem álcool”. Os participantes frequentemente afirmaram a importância dos dados como pré-requisito para uma boa governança: “dados de qualidade, tomada de decisão de qualidade em um clique de um botão”, “não podemos fazer nada sem os dados”, “só vemos uma parte do problema; temos que coletar dados para apoiar uma grande mudança na sociedade”. No entanto, um membro da Autoridade Nacional de Bebidas da África do Sul contestou a expectativa em uma das reuniões. “Gostaríamos que a política fosse feita com base em evidências o tempo todo; dados são importantes,
A presença nas reuniões revelou mais uma importante continuidade entre os dois webinars. As formas culturais utilizadas para enquadrar os territórios e as populações afetadas retratavam a vida das classes populares, que fornecem mão de obra para áreas afluentes das cidades sul-africanas, e uma estrutura de integração subalterna que ainda se assemelha à antiga sociedade do apartheid. Segundo os participantes, o “problema do álcool na África do Sul” era de consumo abusivo, mercados desregulados e altos níveis de ilegalidade. Essas questões, embora enquadradas como um “problema nacional”, afetaram principalmente municípios, assentamentos ilegais e outras áreas periféricas do país. Outra forma de enquadrar a situação foram as descrições do que estava sendo chamado de “padrões problemáticos de bebida” e seus efeitos nocivos na sociedade. “Todos nós conhecemos os 'padrões de consumo' que são considerados problemáticos; os padrões de consumo não são os mesmos em todas as áreas e classes; nas áreas urbanas, o álcool faz parte de uma cultura e a falta de diversão; as pessoas nos municípios têm muito pouco a fazer”, afirmou um participante.
Apesar de serem constantemente citados nas reuniões, os moradores dos municípios estiveram pouco representados entre os painelistas em ambas as ocasiões. No encontro com os pesquisadores, conforme mencionado acima, uma agente comunitária de saúde de Cape Flats falou sobre os impactos da proibição em um hospital local. No encontro com organizações sociais, o anfitrião anunciou a presença de um grupo de jovens do município. Em ambos os casos, no entanto, eles enfatizaram os desafios de “envolver” ou “convencer” as comunidades, palavra usada pelos participantes muitas vezes como sinônimo de “município”. Como afirmou um participante no primeiro encontro: “eles [as comunidades] deveriam todos participar dessa ideia [de uma África do Sul sem álcool], mas isso nos faria perder apoio dentro das comunidades; os shebeens ilegais e a fabricação caseira fazem parte da economia e da cultura local, principalmente nos municípios negros”.
Enquanto isso, a evasão da proibição nos círculos da elite e dos brancos permaneceu fora de vista e não foi levantada nos debates. Em outras palavras, a bebida do colarinho branco não tem sido tratada como objeto de preocupação oficial nem como alvo da polícia. As circunstâncias trouxeram à mente um manifesto seminal no qual Laura Nader notou o “fato de que os crimes são estigmatizados e processados diferencialmente de acordo com a classe” (1969: 15). Nader argumentou que não foram apenas as agências oficiais e o pessoal do governo que negligenciaram uma investigação completa da delinquência entre as classes altas. Segundo ela, os cientistas sociais também há muito privilegiam o estudo das culturas não ocidentais e dos estratos populares em geral, contribuindo assim para a lacuna de conhecimento sobre fraude e crime entre os poderosos.inter alia , a pedra angular da privacidade (Barrows and Room, 1991: 7).38
Outra tendência comum nas duas reuniões foi a falta de pensamento crítico sobre a dimensão regulatória das mudanças legislativas sugeridas. A gravidade da violência do estado durante a aplicação da proibição do álcool nos municípios, portanto, não foi abordada com seriedade. Um dos palestrantes, membro do ANC, até defendeu mais apoio do governo à polícia. “O problema é que precisamos de mais fiscalização; a fiscalização do estado é muito fraca”, disse o político, “a polícia não tem meios legislativos para fazer o seu trabalho, para fazer prisões; não sabem o que fazer”, concluiu. Houve breves menções à corrupção policial nos comentários. Em um caso, na área de bate-papo durante a segunda reunião, uma delegacia de polícia no centro de Joanesburgo foi mencionada por participar do comércio ilegal de álcool. Houve também uma problematização explícita de como a proibição criminaliza as populações periféricas, por um painelista da Universidade da Cidade do Cabo no primeiro encontro. Além dessas menções ao papel das agências policiais na implementação dos regulamentos do álcool, a potencial criminalização das populações não foi discutida seriamente. Como a pandemia mostrou, isso pode ser perigoso, especialmente para áreas e populações já estigmatizadas.39
Embora desastrosa em termos humanos, a crise global do COVID-19 foi, em muitos aspectos, uma oportunidade. Neste caso, uma oportunidade de projetar o “novo normal” para uma África do Sul pós-pandemia. A ideia de “abordagens baseadas em evidências” foi o credo unificador entre os participantes de ambas as séries de webinars. Discursivamente despojados de toda subjetividade, os números pareciam ajudar a estabelecer uma posição acima de todas as posições, a salvo de preconceitos e restrições de localismos. Mas como seria um mundo “liderado por evidências”? Seria necessariamente mais democrático ou inclusivo? Os números tornam as pessoas reconhecíveis e gerenciáveis pelo Estado, mas não são necessariamente mais “objetivos”. Eles são o resultado mais tangível de um complexo processo de inscrição produzido pelo trabalho de dispositivos e pelos próprios procedimentos mundanos da vida cotidiana das organizações e de seus membros (Latour, 1987). Embora não excluído formalmente da ideia de “evidência”, as abordagens qualitativas da questão durante as reuniões foram limitadas e anedóticas. Para ser justo, temos que reconhecer as limitações impostas às atividades sistemáticas de trabalho de campo durante a pandemia na África do Sul.
Para os pobres urbanos, usurpados da autoria de sua própria existência social, velhas ideologias coloniais tematizando as “massas incivilizadas”, instrumento central da dominação colonial na África (Fanon, 2008), foram ressignificadas em episódios de brutalidade policial durante a pandemia. Portanto, o que merece atenção não é a violação em si , mas a insistência de autoridades e especialistas sul-africanos em atingir municípios e populações estigmatizadas. Em contraste, o comércio ilegal e o consumo de álcool entre as classes média e alta permaneceram sob um confortável véu de esquecimento e silêncio público. como Nader (1969) alertou, a criminalidade não se enquadra em fronteiras raciais e econômicas. Felizmente, até o privilégio da privacidade tem limites, e a bebida deixa pistas, como o acúmulo de garrafas vazias à espera de coleta de lixo nas ruas dos subúrbios afluentes. Apesar da proibição do consumo de álcool no local, os autores observaram o consumo de cerveja em restaurantes e reuniões domésticas, bem como em outras ocasiões sociais. Também foi testemunhada a aquisição direta de vinho em áreas produtoras. Tudo livre da inconveniência da brutalidade policial. Em um restaurante italiano em Joanesburgo, os garçons ofereciam “suco” vermelho e branco aos clientes em uma transmutação quase bíblica.
Como mostramos, as consequências sociais mais amplas das questões levantadas acima foram mal abordadas durante as reuniões. Conforme amplamente observado pelos palestrantes e participantes, no entanto, quando você ouve “a comunidade”, as respostas podem ser muito mais ambíguas e desafiadoras para a lógica formal das estatísticas e políticas. Essas complexidades foram ora enquadradas como uma questão de ignorância (de correlações estatísticas, de formas saudáveis de diversão), ora como impedimentos (culturais, econômicos ou ideológicos) às políticas públicas, ora como perspectivas limitadas que impediam a implementação de “abordagens baseadas em evidências”. Na próxima seção, oferecemos um relato etnográfico de algumas das complexidades relacionadas à venda e ao consumo de álcool nos municípios sul-africanos. Ao fazê-lo,
O enquadramento institucional da questão das bebidas alcoólicas durante as fases mais rígidas do bloqueio do COVID-19 na África do Sul não fez justiça à variedade de experiências associadas ao uso de bebidas alcoólicas no país. Nesta seção, apresentamos material etnográfico reunido em 2016 em uma ocupação irregular em uma área metropolitana e uma pequena cidade, para oferecer um retrato fundamentado do que autoridades, especialistas e membros de ONGs propuseram nas seções anteriores. É importante enfatizar aqui que não estamos advogando contra as “evidências” nem minimizando as dificuldades do consumo excessivo de álcool, que nós e nossos interlocutores reconhecemos. Em vez disso, queremos abordar o papel do álcool como um aspecto importante das estratégias de lazer popular e do reforço dos laços sociais. As múltiplas funções,40
Boa D.,41como era chamado D. Khumalo no acampamento onde vivia, faleceu com sessenta e poucos anos. Ele e seus amigos constituíam um clube de bebidas , uma reunião regular de homens em torno de uma preferência local: cervejas industrializadas. Em seus últimos anos, sutiã D. havia parado de fumar cigarros e zolo (cânhamo) devido a extensa lesão pulmonar. No entanto, ele nunca abandonou o hábito de beber cerveja e frequentar as tabernas locais, onde suas conhecidas anedotas exageradas foram recebidas com prazer e tons de ridículo. Quando bêbado, o frequentemente alegre D. podia se tornar um tanto briguento. No entanto, ele não era o “tipo lutador”. Em vez de animosidade, a felicidade figurava com destaque em seu lema: “Eu, se estou bebendo, fico feliz. Eu me sinto feliz. [...] Se não estou bebendo, não estou feliz. Bem desse jeito".
Bra D. descreveu abertamente como o consumo de álcool em um acampamento - uma paisagem predominantemente desanimadora - alivia o desconforto e contribui para uma atmosfera de companheirismo e alegria.42No entanto, esse interlocutor deixou claro um fenômeno incômodo associado ao consumo de cerveja: a formação de escravos-alcoólatras . Em uma entrevista gravada, ele relembrou os acontecimentos que levaram ao seu divórcio: “Quando eu tinha 37 ou 36 anos, disse à minha primeira esposa: você pode me deixar? Porque você está bebendo muito... [...] As primeiras vezes foram boas. Depois de dois ou três anos, ela começou a beber... Demais. [...] Depois de três anos, ela era uma escrava da bebida”.
Vermes de cerveja é outro termo sul-africano que caracteriza o vício escravo ao qual Bra D. aludiu e que sem dúvida se aplicava a si mesmo. Embora “beber demais” e “escravos do álcool” sejam termos frequentemente aplicados para descrever outras pessoas, alguns bebedores aplicam ambas as categorias a si mesmos. Segundo um interlocutor de 30 anos no acampamento: “a cerveja é um problema. Você pode beber um e dormir. Eu não, não consigo dormir. Se eu conseguir um, eu quero mais e mais e mais. É por isso que quando você tem dinheiro não consegue dormir. Somos escravos da bebida”.
Outra categoria de bebida frequentemente mencionada no meio popular sul-africano é papalasi , que se pronuncia babalas . Emprestado do africâner43e significando “ressaca”, babalas pode ser melhor entendido entre bebedores pesados como uma compulsão ou desejo , o impulso por trás da ingestão contínua de bebidas alcoólicas. Podemos vê-lo como um índice de que “a síndrome de dependência de álcool é uma realidade psicobiológica, não um rótulo social arbitrário” (Room et al ., 1984: 175). Os interlocutores no acampamento de posseiros experimentaram os babalas como um impulso irresistível para beber doses adicionais de álcool. De acordo com o homem acima citado,
quando você fica bêbado, há um problema. Se acordo de manhã, preciso de uma ou duas cervejas, para manter os babalas longe. Se você me pagar uma bebida gelada, meus babalas não estão bem. Se eu beber a cerveja, os babalas saem. Ontem [domingo] e hoje [segunda-feira] de manhã, eu estava ocupado bebendo. De manhã eu precisava de uma cerveja. Então meu corpo estava bem, eu tenho energia. É o licor.
As noções de babalas e escravos da bebida indicam que a “cultura da bebida” (A Ascensão, 1984) em ambientes populares da África do Sul pode muito bem ser uma forma de cativeiro e que os bebedores estão cientes do problema. Nem o cativeiro nem a compulsão, porém, retratam plenamente um intrincado fato social relacionado ao consumo de álcool. Beber cerveja em uma área sem opções de lazer é quase a única fonte de alívio e contentamento cotidiano, segundo M., outro interlocutor, trabalhador qualificado de uma fábrica.
Aqui não há entretenimento para entreter as mentes. Você não pode ir à biblioteca trazer o livro para casa, jogar no computador... Não há nada para entreter sua mente. Você dorme, trabalha e depois toma uma cerveja e fica junto. Nós simplesmente não podemos continuar e continuar. Não tem complexo, cinema, tudo para entreter as mentes. Sem chão para jogar futebol. Não há nada.
Uma franca etnografia do lazer nestes meios populares é a base para nossa afirmação de que os momentos em que muitos sul-africanos encontram descanso e contentamento acontecem em torno do licor - especialmente das cervejas. Não há nada de novo nisso. Embora em linguagem colonial, um pioneiro das etnografias em 1930 sobre os ambientes populares de Joanesburgo relatou que “beber cerveja, por causa das comodidades sociais que o acompanham, é uma recreação tão favorecida do nativo urbano quanto do nativo tribal” (Hellmann, 1934: 39). Reafirmar isso na África do Sul do século XXI não é nem essencializar a “população africana”44nem restringir o lazer à bebida. Como disse certa vez um casal composto por uma mulher abstêmia e um bebedor de cerveja muito moderado residente no acampamento, “aproveitar a vida não é beber. As pessoas que vão às igrejas estão curtindo a vida”. Além disso, freqüentar a igreja, beber cerveja e o consumo de outras substâncias inebriantes não são necessariamente formas incompatíveis de fruição, conforme retratado por outro interlocutor.
A. é um “frequentador” de 55 anos, trabalhador doméstico e cuidador principal de dois netos. Uma avó respeitável, durante a semana A. gostava de sentar depois do trabalho para fumar zolo e conversar com seus vizinhos mais queridos. Nos fins de semana, o prazer diário de A. com o cânhamo costumava ser combinado com o consumo de cerveja. Sua casa era o ponto de encontro dos vizinhos e, de sexta a domingo, mulheres e homens, jovens e idosos, vinham em fluxo contínuo ao longo do dia. Nas noites de fim de semana, o som das tabernas próximas animava seu quintal, onde cervejas ,e os cigarros eram compartilhados de mãos dadas, boca a boca. Ela costumava beber moderadamente sob a responsabilidade permanente de seus netos e estava envolvida em atividades ocasionais da igreja nos fins de semana, mas às vezes A. e seus amigos mais próximos compartilhavam os prazeres da embriaguez. Uma dinâmica alegre semelhante aconteceu na casa da mãe de A. em uma pequena cidade, onde até a matriarca de 75 anos costumava se juntar à família para beber cerveja, moderadamente e longe da cena pública.
Além do consumo de álcool em ambientes domésticos e familiares, a experiência de trabalho de campo também nos permitiu observar a dinâmica do atendimento . Durante a semana, os shebeens eram frequentados principalmente por homens, a maioria trabalhadores que paravam para beber e conversar. Esses lugares também eram o ponto de encontro da juventude, alguns fumando zolo , outros bebendo e alguns apenas conversando ou assistindo TV. Durante os fins de semana, diferentes dinâmicas eram acionadas, com um fluxo contínuo de pessoas que vinham sentar, beber, fumar, conversar e debater.45Grosso modo, predominou a frequência masculina, principalmente entre os frequentadores mais velhos. No entanto, o perfil dos clientes não tinha padrões claros de gênero ou estratos de idade. Ao contrário, alguns shebeens tornaram-se discotecas à noite, onde rapazes e moças vinham beber, jogar e dançar até o amanhecer.
O aumento (1988; 1992) e Hellmann (1934) já aludiam a esse fenômeno no passado: “cerveja era feita, comida era preparada e às seis horas da tarde de sábado a dança começava a durar doze horas inteiras” (Hellmann, 1934: 52). O atual Ministro dos Transportes também mencionou esta prática: “as pessoas estão descontroladas em relação ao álcool. […]. É uma bagunça. Esse excesso de álcool, a gente bebe das seis às seis - acabou - tem que acabar”.46Os interlocutores no acampamento de posseiros estavam bem cientes dos perigos associados à bebida durante a noite em shebeens ou tabernas. Segundo um deles: “seis a seis não dá. Por exemplo, você bebe todos os dias com G. Se você o encontrar de manhã, vai forçá-lo a dividir a cerveja com você. Se ele não quiser, você luta” . Nesse sentido, esse interlocutor disse que só bebia de seis a seis em casa.
Entre os interlocutores mais jovens, parecia prevalecer o gosto pela bebedeira noturna nas tabernas. V., 20 anos, mãe de dois filhos, disse: “Posso passar sexta, sábado, domingo sem dormir. Gosto de beber na taberna”. Mas ela também reconheceu as brigas nesses locais como um problema: “eles estão atirando, estão batendo com garrafas, mas não é todo dia”. Outra interlocutora, uma mulher de 35 anos que também atendeu shebeens , chamou a atenção para outros perigos além das brigas: “podem te drogar; dizem que compram muita cerveja [para você] e você tem que transar com elas”. Wojcicki (2002) também registrou esse fenômeno. Pitpitan et ai . (2013) e Bonner et al . (2019) possuem dados essenciais sobre a correlação entre beber em tavernas ou shebeens , violência de gênero e exposição ao HIV.
Como mencionamos, nosso propósito não é negar os efeitos nefastos do álcool, particularmente da intoxicação alcoólica ou do consumo excessivo de álcool (OMS, 2018). As estatísticas sobre internações por trauma em hospitais, taxas de criminalidade e violência de gênero contam apenas parte da história, e a “cultura da bebida” (A Ascensão, 1984) permanece paradoxal. Mesmo o caso superlativo de seis a seis (beber a noite inteira) envolve não apenas uma queda em um mundo de compulsão escrava e brutalidade de gênero, mas também uma ascensão em uma atmosfera altamente sociável e afetiva. Um interlocutor chamou a atenção para os efeitos do consumo noturno de álcool na reprodução de laços sociais cooperativos e em equipe:
No município, há algo que conecta as pessoas. Você pode fazer islala [seis a seis] juntos. Somos apenas uma equipe como esta.
A sociabilidade lubrificada pelo álcool cria sim uma atmosfera de união, e a bebedeira noturna também gera uma efervescência que não deve ser tomada como mera excitação evanescente, pois está em jogo a reprodução de “relações sociais duradouras” (Karp, 1987). Como as festas de cerveja analisadas por Karp entre os Iteso quenianos, beber durante a noite na África do Sul também traz uma “forma intensificada de experiência social” (1987: 93).47Mais do que uma comparação direta entre dois contextos africanos diferentes, o que está em jogo são as “propriedades redutoras de tensão” do álcool e os “efeitos unificadores em rituais de solidariedade” (Douglas, 2002). Um interlocutor sul-africano certa vez se referiu a tais alturas da existência social em termos transcendentais. Era uma noite de sexta-feira particularmente animada e, na sala de A., ela e seu ex-companheiro, com alguns parentes e vizinhos, bebiam, dançavam, batiam palmas e cantavam juntos. No coro improvisado, o refrão declarava: “não tem problema, Deus está aqui”. Em algum momento da festa, o melhor amigo do anfitrião disse entusiasmado: “você vê Deus, ele está feliz como nós”. A associação entre intoxicação alcoólica e experiências do tipo transcendente surge nos estudos sobre álcool e, como tal, não pode ser considerada uma particularidade sul-africana (Blocker et al ., 2003; Singapura, 2015).
Esse êxtase pode coexistir com a brutalidade das brigas municipais e a violência de gênero indica que o paradoxo é uma característica marcante da “cultura da bebida” (A Ascensão, 1984). Quer se goste ou não, fechar os olhos para tais complexidades não é apenas um erro teórico e etnográfico, mas cria a miragem de que soluções simplistas e unilaterais poderiam resolver uma questão intrincada. Como dissemos antes, não se trata de escolher entre o prazer ou a dor, mas sim tentar apreender a constituição um tanto errática, certamente ambivalente, do consumo socializado de álcool. Reduzir um fato social tão polivalente a uma questão estatística e desincorporada apenas engrossa o véu que cobre os significados sociais das práticas de beber na África do Sul. Isso pode servir para a gestão biopolítica dos cidadãos, mas não para um entendimento mais profundo e um debate franco sobre o assunto.
Em 1934, apenas sete anos após a aprovação do Liquor Act, que proibia os negros tanto de fazer a tradicional cerveja de grão quanto de beber “licor europeu”, a etnografia levou Hellmann a observar: “apesar das pesadas penalidades que incorrem em uma infração da lei, a fabricação de cerveja floresceu em Joanesburgo” (1934: 39). Vinte e seis anos depois de suas observações pioneiras, o Instituto Sul-Africano de Relações Raciais declarou: “está bastante claro que, particularmente em áreas urbanas, as restrições ao álcool se mostraram ineficazes” (Horrell, 1960: 14). Como a ascensão (1984) afirmou certa vez, apesar de décadas de repressão oficial, a “cultura da bebida” na África do Sul mostrou-se “resiliente”. Como provou ser mais uma vez. Nem mesmo as medidas rigorosas tomadas para enfrentar a pandemia do COVID-19 interromperam o comércio de álcool. Entre março e agosto de 2020, muitos negros, pardos e brancos continuaram comprando e bebendo bebidas alcoólicas ilegalmente. No entanto, nem todas essas práticas foram tratadas como crimes e problemas públicos que merecem dados de especialistas, respostas oficiais e ações policiais, reduzindo assim um vasto e colorido universo de violação da lei a áreas historicamente estigmatizadas, municípios e periferias urbanas habitadas por pobres não-brancos. sul-africanos.
Inspirado na análise de Partha Chatterjee (2004), podemos dizer que os townships na África do Sul - em oposição aos subúrbios afluentes e predominantemente brancos - têm sido representados como meras “populações-alvo”, discerníveis neste caso por suas marcas e desempenhos distintivos em relação ao consumo de álcool, e não totalmente habilitados como cidadãos. Ao adotar a linguagem do “governo”, a defesa baseada em evidências não deve negligenciar aspectos importantes da vida dos “governados” (Chatterjee, 2004). Como antropólogos, nossa contribuição é apoiar os formuladores de políticas com insights qualitativos sobre o assunto e revelar uma complexidade para a qual muitos fecharam os olhos.
Há outra questão que deve ser contestada. Como mencionou um palestrante em uma das reuniões online, a “evidência” não é a principal força que impulsiona a ação governamental. De certa forma, o trabalho de “prova” torna-se político, ajudando a desvendar formas de violência estrutural. As políticas de bebida durante o bloqueio sul-africano reforçaram um viés institucional de longa data que associa os chamados “padrões problemáticos de consumo” aos estratos populares do país, como se o consumo e o abuso ilegal de álcool estivessem dentro das linhas raciais e de classe. O fato de não se enquadrar nessas linhas é uma constatação etnográfica que apresentamos neste artigo para contrabalançar nossa tendência antropológica de investigar os destituídos (Mais perto, 1969). Além disso, nem mesmo quando os padrões populares de abuso de álcool na África do Sul estavam em discussão, a população imediatamente afetada foi devidamente consultada. A etnografia dos webinars que discutiram a regulamentação do álcool mostrou uma representação pobre dos moradores dos municípios, apesar de sua centralidade na caracterização de “padrões problemáticos de consumo”. A abordagem baseada em evidências dos webinars deixou praticamente intocado o intrincado campo das experiências sociais e subjetividades, sem o qual nem o consumo de álcool nem a violência a ele relacionada podem ser tratados adequadamente.
Diante desse pano de fundo, retratamos diferentes circunstâncias e significados atribuídos às práticas de beber em ambientes populares e reconhecemos que elas permanecem envolvidas em contradição, uma categoria crucial nos estudos sobre bebidas alcoólicas na África do Sul (A Ascensão 1988; Crush e Ambler, 1992). Apresentamos noções locais como escravos alcoólatras e babalas como uma indicação de que os plebeus estão bem cientes das dificuldades do abuso de álcool e, portanto, não podem ser tratados como sujeitos imaturos semelhantes a crianças (Magro, 1999: 370) que deve ser esclarecido pela palavra de especialistas e autoridades, um leitmotiv na história da restrição de bebidas alcoólicas na África do Sul. Nosso ponto é que, apesar da consciência das dificuldades decorrentes do abuso de álcool, o consumo social de álcool continua sendo uma característica central dos modos de vida, um prazer que desafia as proibições oficiais e as botas dos soldados no terreno. A história, insistimos, mostrou que esse desafio é um fenômeno social entre os ricos e os pobres. Conforme afirmado por Hands (2018), “não importa com que frequência ou em que medida o consumo de álcool tenha sido problematizado ou proibido - as pessoas continuam a beber” (Hands, 2018: 2).
Por que as pessoas continuam a beber? Em vez de responder à pergunta, nosso esforço tem sido reconhecer e acompanhar uma controvérsia, que na África do Sul historicamente assumiu a forma de “lutas complicadas [...] sobre o próprio significado do próprio álcool” (Crush e Ambler, 1992: 1). Sobre a conceituação do álcool como “problema público”, mostramos como as controvérsias giram em torno de diversos atores, que se posicionam diferencialmente e são investidos de poderes e capacidades assimétricas para definir e levantar fatos sociais como temas de interesse coletivo. Em uma aposta um tanto contra-hegemônica, buscamos contrabalançar os significados unilaterais atribuídos por autoridades e especialistas ao consumo de álcool. Tal discussão, esperamos, não é um caso de inação política; pelo contrário, é motivo de otimismo, pois a conscientização é condição para a esperança (Por favor, 2004: 114).
Foi prorrogada a data para as submissões do Edital de Chamamento e Registro de Experiências de Tecnologia Social de 2023 da UFF, voltado para receber experiências para compor a edição deste ano do Catálogo de Tecnologias Sociais da UFF.
⚠️ O novo prazo para inscrições vai até o dia 22 de junho de 2023.
Acesse o Edital e inscreva-se: https://www.editais.uff.br/8409
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Está aberta a chamada para inscrição e envio de Resumos do VIII ENCONTRO DE PESQUISAS EM ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇAO EM DIREITO DA UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA (PPGD-UVA), a realizar-se entre os dias 07 e 10 de agosto de 2023, nas modalidades presencial e online. Os resumos poderão ser enviados até o próximo dia 9 de julho de 2023, através do Google Formulário: https://forms.gle/iHjzzWqeLbUKeiEs8 .
A oitava edição do encontro promovido pelo Núcleo de Pesquisa em Processos Institucionais Administração de Conflitos (NUPIAC), integrante do PPGD-UVA, ambos parceiros do Instituto Nacional de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos INCT/InEAC (ver site www.ineac.uff.br) será realizada entre os dias 07 e 10 de agosto de 2023, na modalidade híbrida, tendo atividades presenciais com transmissões simultâneas ao vivo no Youtube (www.youtube.com/c/InEAC) e atividades completamente on line também com transmissões simultâneas ao vivo on line no Youtube (www.youtube.com/c/InEAC). O evento, tanto nas atividades presenciais quanto nas completamente online, será gravado e disponibilizado no respectivo perfil do YouTube. São privilegiadas pesquisas empíricas realizadas em tribunais e/ou em instituições que administram conflitos de natureza civil, trabalhista, tributária, criminal e/ou de outros âmbitos, bem como pesquisas que abrigam projetos inovadores acerca de medidas processuais e administrativas destinadas à administração de conflitos. O evento também oferece a oportunidade para promoção de debates sobre a cidadania brasileira e questões sobre a pesquisa do e no campo do direito, destacando características da cultura e da tradição judicial na sociedade brasileira, inclusive na perspectiva comparativa por contrastes com outras culturas jurídicas.
Para outras informações faça abaixo o download do edital .
A XIV Reunião de Antropologia do Mercosul está selecionando estudantes interessados/as em trabalhar na equipe de organização do evento, a ser realizado na UFF, no Campus Gragoatá, em Niterói (RJ), de 01 a 04 de agosto de 2023.
Mais informações acesse:
https://www.ram2023.sinteseeventos.com.br/conteudo/view?ID_CONTEUDO=1278
Disponibilizamos no site do INCT INEAC o artigo "Por onde anda o Comitê Gestor da Internet?", publicado no site BRASIL 247 e escrito por Laura Graziela Gomes, Vinícius Cruz Pinto e Luiza Aragon, pesquisadores vinculados ao INCT INEAC .
A Internet não é apenas Mídia. Ela é uma tecnologia de conhecimento que afeta todos os âmbitos da vida social
Por Laura Graziela Gomes, Vinícius Cruz Pinto e Luiza Aragon*
Os debates sobre a PL 2630/2020, nos inspiraram a levantar alguns pontos que antecedem a discussão da Lei. Iniciamos pelo mais fundamental deles, que continua sendo o acesso à internet, incluindo os instrumentos regulatórios pertinentes.
Quanto mais o uso da Internet é exigido em todos os campos de atividades para diferentes grupos sociais, mais ela se impõe sobre a vida off-line, exigindo conectividade em tempo real para o acesso a diferentes serviços públicos e obrigatórios, bens e conteúdos que, cada vez mais, só são acessíveis remotamente. Portanto, quanto mais a internet se torna um recurso compulsório, mais ela assume um caráter público, exigindo a presença do Estado, devido à necessária infraestrutura técnica e material que ditará o modo como ela “funcionará” em um território/estado/sociedade, exigindo diferentes ações de governantes e administradores em todas as frentes – públicas e privadas.
Desse modo, não podemos afirmar que os “maus usos” da internet no Brasil se devem às BigTechs. Há muito a ser criticado nelas e o Brasil se apresenta como o país mais qualificado por seu tamanho e importância a fazer sugestões a estas empresas sobre suas práticas e os seus modelos de negócios. Mas antes, o Estado brasileiro precisa retomar os investimentos sobre a internet em nosso país. É fundamental o governo brasileiro explicitar no debate sobre a PL as ações de sua competência para tornar as tecnologias digitais mais seguras no Brasil e não cairmos nos equívocos de outros países.
Ao propor a monetização da coleta de informações oriundas de jornais (canadenses), o premier Justin Trudeau obteve como reação do Google a exclusão desses jornais. Seu questionamento foi “então eles preferem não veicular a notícia, do que pagar para quem devem?” Ora, esta estratégia não é incomum no capitalismo para se reduzir perdas e maximizar ganhos. Mas Trudeau se esqueceu de que o impasse poderia estimular um debate doméstico sobre o papel do governo para gerar recursos e mecanismos legais que permitissem aos jornais canadenses negociarem o seu faturamento. Este caso ilustra como a regulação da internet pode ocorrer em torno de conteúdos veiculados, mas que isso torna-se inócuo se não for respaldado por um aparato técnico estatal que corrobore tais demandas de modo a se prevenir medidas arbitrárias.
Afinal, este é o procedimento usado para o funcionamento de empresas de fornecimento de energia elétrica, água potável, ou de petróleo, que dependem para o seu funcionamento de uma empresa que possua concessão (estrangeira ou não), mas exige também a participação de uma agência de regulação estatal. Qual é então, no Brasil, a agência reguladora do estado para a Internet? Pois é ela que deve decidir como será a internet no país – pública e/ou privada, democrática e se a população terá acesso a plataformas próprias, criadas e voltadas para as suas características e necessidades, ou se dependerá exclusivamente de plataformas globais.
Chegamos, assim, ao ponto cego do artigo, pois cabe ao estado e governo providenciarem a formação necessária para que se crie um ecossistema digital nacional seguro, em consonância com as leis e a cultura do país, com as necessidades de acessibilidade reais da população brasileira, como a primazia ao direito à informação, conhecimento, etc. Dito isso, o texto da PL deixa de fora as atribuições que cabem ao Estado e ao governo brasileiro sobre os investimentos a serem feitos para que a Internet se torne uma tecnologia segura e democrática.
Enquanto Estado soberano, o Brasil precisa fazê-lo, uma vez que temos o Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) e seu Comitê Gestor da Internet (CGI) que a princípio existem para cumprirem esta finalidade, qual seja, construir e regulamentar a vida online, atentos às desigualdades sociais, possíveis crimes e mais o que for preciso. Assim, antes de exigir segurança das BigTechs é importante garantir o acesso dos brasileiros à rede, não apenas em termos do acesso de seus dispositivos privados às plataformas globais.
Este investimento foi iniciado, mas foi interrompido criando um estado de confusão e insegurança. Difundir informações falsas pelas redes sociais para criar nichos de consumidores de tais conteúdos, não foi “efeito direto” das BigTech, mas de políticas irresponsáveis relacionadas à educação básica e também da retirada dos investimentos estatais da Internet no Brasil, permitindo que grupos políticos mal intencionados capturassem as redes sociais para finalidades particulares e partidárias. Esta responsabilidade é do governo passado, pelo fato de ter exposto a sociedade às BigTechs, sem a mediação de instituições civis cruciais como a Escola.
Cada vez mais, a Internet possui relações diretas com a Educação e a Ciência, não apenas com a Mídia, e isso exige que ela esteja prevista nos currículos escolares, desde a Educação Básica e Fundamental até o Ensino Superior. Durante a pandemia, crianças e adolescentes brasileiros ficaram privados do ensino escolar por não terem condições de acessar a internet de casa. Mas, antes da pandemia poucas escolas públicas dispunham de acesso e, portanto, não promoviam a socialização de crianças e adolescentes com as redes. Por que? Em relação às universidades públicas brasileiras, houve gestões para que as BigTech estivessem presentes. De um dia para o outro, nossas salas de aula remotas foram patrocinadas por empresas das BigTech. Por que não houve estímulo ao uso de softwares livres?
O que aconteceu com o Marco Civil da Internet? Por onde anda o Comitê Gestor da Internet? A administração da Internet no Brasil supõe um Comitê que não pode ficar somente sob o Ministério da Justiça e nem restrito ao Ministério das Comunicações, dependendo do Judiciário para administrar seus conflitos, uma vez que a Internet não é apenas Mídia. Ela é uma tecnologia de conhecimento que afeta todos os âmbitos da vida social e, neste caso, ela exige uma política pública própria. Por isso mesmo, é preciso convocar outros ministérios para participarem da regulamentação, levando em conta as implicações cognitivas, socioculturais e políticas que esta tecnologia possui.
É preciso ampliar os cabeamentos de banda larga, fibra ótica em escolas e campi das Universidades Públicas, especialmente das IFES. É preciso que pesquisadores tenham acesso a softwares livres e de código aberto para promoverem o desenvolvimento de tecnologias próprias e plataformas digitais de acordo com as leis e com a nossa cultura acadêmica. Esta perspectiva em direção à autonomia é fundamental, inclusive, para pôr as BigTechs nos seus devidos lugares. Quanto ao Ministério das Comunicações, seu papel é fazer a gestão da dimensão midiática da rede, isto é, das interfaces dela com as empresas de comunicação do país e de fora – teles, imprensa, canais de mídia, plataformas etc..
Se o PL não aborda a rede em seu conjunto, ele naturaliza as BigTechs, tomando-as como parte da infraestrutura da internet, o que é muito grave. Se, no âmbito do ensino, pesquisa e inovação, tais aspectos não são considerados pelas instituições públicas, como os demais setores sociais poderão pensar estratégias para controlarem abusos de poder das BigTech? Como o Brasil irá conceber alternativas para a inclusão de sua vasta população? Como investir no incentivo basilar e fundamental à Educação digital nas escolas?
Hoje se sabe que a socialização na internet não pode ser papel exclusivo da família, menos ainda do mercado. Ao contrário, se existe algo que pode reconduzir a Escola ao seu lugar de centralidade em nossa sociedade é atribuir a ela a mesma autoridade pedagógica concedida ao aprendizado da leitura e da escrita, no que diz respeito à iniciação de crianças e adolescentes aos usos da Internet. Não se pode responsabilizar as BigTech se existe, de fato, uma carência de recursos e de formação de profissionais capacitados para a tarefa de prevenirem a formação de maus hábitos e até mesmo a prática de crimes em potencial.
Esta atribuição deve ser delegada ao MEC, uma vez que ele tem a Instituição Escolar sob sua jurisdição e autoridade. O acesso à Internet como parte do processo escolar ao qual todas as crianças deverão ser submetidas, nas mesmas escolas onde aprendem a ler e a escrever, junto com a alfabetização, deverá acompanhar a formação do estudante até o final do ensino médio, especialmente na educação pública. Temos certeza de que esta medida irá mitigar muitos problemas que temos vivido em relação aos maus usos nas redes. Mais, obrigará professores refratários à tecnologia a refazerem suas posições, além de abrir novas perspectivas para o magistério.
Sabemos que as BigTech trouxeram com elas muitos problemas e conflitos, alguns até então inexistentes, outros menos contemplados por debates públicos qualificados. Se os efeitos de se difundir fotos privadas na rede ou ideologias extremistas se justificou até recentemente sob o argumento da novidade das redes, a esta altura adquirimos experiência política suficiente para saber que o melhor modo de combater o mau uso das plataformas digitais não é responsabilizar indivíduos e corporações, mas trazer a Internet para dentro da Escola, a partir da inclusão e obrigatoriedade do letramento digital nos currículos escolares.
Esta é a primeira medida a ser tomada para a regulação: o Estado brasileiro assumir para si a formação da sociedade civil para lidar com a internet. Feito isso, não será preciso controlar o conteúdo e outras funcionalidades da rede. Se o crime digital existe e os acusados serão usuários brasileiros, é preciso então prepará-los e, assim, prevenir seus maus usos. Este é o debate central a ser feito com a participação efetiva do CGI e das Instituições Culturais, de Ensino e Pesquisa. Sem a participação delas, o que se espera regular? Quanto aos “crimes”, os agentes de segurança pública já possuem competências e recursos através dos serviços de inteligência.
* Pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC – www.ineac.uff.br)
Disponibilizamos no site do INCT INEAC o artigo "O homem cordial em tempos de covid-19: Elites, conflitos no espaço público e caráter nacional", escrito pelos antropólogos Edilson Almeida da Silva, Bruno Ferraz Bartel, ambos pesquisadores vinculados ao Instituto.
O artigo foi publicado no site DILEMA da UFRJ - https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/53151
O homem cordial em tempos de covid-19: Elites, conflitos no espaço público e caráter nacional
Disponibilizamos no site do INCT INEAC o artigo "O homem cordial em tempos de covid-19: Elites, conflitos no espaço público e caráter nacional", escrito pelos antropólogos Edilson Almeida da Silva, Bruno Ferraz Bartel, ambos pesquisadores vinculados ao Instituto.
O artigo foi publicado no site DILEMA da UFRJ - https://revistas.ufrj.br/index.php/dilemas/article/view/53151
O homem cordial em tempos de covid-19: Elites, conflitos no espaço público e caráter nacional
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