O site do INCT/INEAC reproduz aqui o artigo "PODER JUDICIÁRIO E SEGURANÇA PÚBLICA: INDICATIVOS DE UM MAIOR PROTAGONISMO JUDICIAL" publicado no site https://fontesegura.forumseguranca.org.br/poder-judiciario-e-seguranca-publica-indicativos-de-um-maior-protagonismo-judicial/ , escrito por RODRIGO GHIRINGHELLI DE AZEVEDO (Sociólogo, coordenador do Observatório de Segurança Pública da Escola de Direito da PUCRS e pesquisador do INCT/INEAC), FERNANDA BESTETTI DE VASCONCELLOS (Socióloga, professora do Programa de Pós-Graduação em Segurança Cidadã da UFRGS) e LUIZ ANTONIO ALVES CAPRA (Desembargador do TJRS, Doutorando em Ciências Sociais na PUCRS) .
MÚLTIPLAS VOZES
PODER JUDICIÁRIO E SEGURANÇA PÚBLICA: INDICATIVOS DE UM MAIOR PROTAGONISMO JUDICIAL
O MAIOR PROTAGONISMO JUDICIAL EM MATÉRIA DE SEGURANÇA PÚBLICA PASSA POR UMA ATUAÇÃO GARANTISTA NO ÂMBITO DO PROCESSO PENAL, ASSEGURANDO A LISURA DO PROCESSO DESDE A PRODUÇÃO PROBATÓRIA ATÉ A EXECUÇÃO DA PENA, E CONTRIBUINDO COM DECISÕES PARADIGMÁTICAS PARA O APERFEIÇOAMENTO INSTITUCIONAL
A relação do Poder Judiciário com a segurança pública é complexa, cabendo a ele tanto as funções jurisdicionais tradicionais de processamento e julgamento das infrações penais, quanto a solução de conflitos entre diferentes órgãos, a interpretação de mudanças legais conforme a Constituição, ou a indução de caminhos para o enfrentamento de questões que ferem os direitos e garantias constitucionalmente assegurados.
Nas ações penais, em que o titular é o Ministério Público, a condenação dos autores de delitos de ação pública e a absolvição daqueles para os quais não há fundamento legal para uma condenação criminal, são situações nas quais o Judiciário cumpre o seu papel quando atua de forma isenta, aplicando a lei e os princípios penais, em prazo razoável, indicando à sociedade que a resposta penal está sendo dada, nos limites de sua atribuição.
Fato é que, desde a redemocratização, e por motivos que não se circunscrevem à realidade brasileira, temos assistido ao aumento do protagonismo do Poder Judiciário, naquilo que tem sido chamado de judicialização da vida social. Ou seja, cada vez mais, o Poder Judiciário é chamado a dirimir conflitos nas mais diversas esferas da vida em sociedade e na relação entre os demais Poderes. Concomitantemente, e talvez por consequência desse protagonismo ampliado em sociedades constitucionalizadas, muitos magistrados têm assumido uma postura mais ativa quando são demandados a assegurar que os direitos declarados na Constituição e nas normas infraconstitucionais sejam efetivados.
Neste segundo sentido, tem crescido no Brasil a atuação do Judiciário na tomada de decisões que afetam diretamente a gestão da segurança pública, por provocação dos atores institucionais legitimados para o ingresso de demandas nos tribunais superiores, como partidos políticos e associações de classe. Essa atuação tem contado também com a indução do Conselho Nacional de Justiça, quando identifica falhas e atua através de recomendações ou correições.
Desde que foi criado, em 2003, pela Emenda Constitucional 45, o CNJ assumiu o papel de órgão de planejamento, correição e indução de políticas judiciárias, nos mais diversos âmbitos, buscando estabelecer padrões mais definidos de atuação do Poder Judiciário diante de situações de descumprimento de normas e princípios fundamentais. Um dos âmbitos que primeiro passou a receber a atenção do órgão foi a execução penal, pela situação de descalabro do sistema penitenciário, com superlotação, domínio de facções e violência institucional, que acabou levando o STF a declarar a situação carcerária no Brasil como um “estado de coisas inconstitucional”, no julgamento da ADPF 347, em 2015, tendo o ministro Luís Roberto Barroso como relator, pela violação massiva de direitos fundamentais da população prisional por omissão do poder público. Também implementou os mutirões carcerários, para a liberação de presos com penas já cumpridas, elaborou a recomendação nº 62 e suas atualizações, para minorar os efeitos da pandemia de covid-19 no sistema, e ampliou as estruturas necessárias para a implementação de penas e medidas alternativas à prisão e medidas cautelares diversas da prisão preventiva.
A atuação do CNJ estendeu-se, recentemente, à instituição de uma Política Antimanicomial do Poder Judiciário, por meio da Resolução nº 487/2023, que objetiva resguardar os direitos das pessoas em conflito com a lei que apresentem transtornos mentais ou qualquer forma de deficiência psicossocial.[1] A Resolução estabelece diretrizes a atender para aqueles que estejam sob a custódia do Estado, no cumprimento de penas ou de medidas de segurança, ou que sejam investigados ou acusados. Dentre as orientações contidas nesse regramento está a de que “nenhuma pessoa com transtorno mental seja colocada ou mantida em unidade prisional, ainda que em enfermaria, ou seja submetida à internação em instituições com características asilares”. O protagonismo do CNJ, no caso, ao adotar uma política atrelada às Convenções Internacionais, vedando a internação em hospitais de custódia e tratamento psiquiátrico, acarretou, inclusive, a reação de deputados integrantes da denominada “Bancada da Bala” no Congresso Nacional, que buscam, via Projeto de Decreto Legislativo, sustar a Resolução.
Mas não ficou apenas no âmbito do enfrentamento das mazelas do encarceramento a atuação do CNJ e dos tribunais superiores nos últimos anos. Também houve ações voltadas ao enfrentamento da violência policial. Foi por iniciativa do presidente do STF e do CNJ em 2015, ministro Ricardo Lewandowski, que foram firmados os acordos de cooperação com os tribunais de justiça dos estados para a implementação das audiências de custódia, dando efetividade a tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário, visando tanto a adoção de medidas cautelares diversas da prisão preventiva sempre que possível, quanto a averiguação dos casos de violência policial praticada de forma indevida no momento da prisão.
Visando à redução da absurda letalidade policial em regiões de periferia, a partir da liminar do ministro Edson Fachin no julgamento da ADPF 63, que estabeleceu restrições à realização de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a pandemia de covid-19, em 2021, o STF acabou por obrigar o Executivo daquele estado a apresentar plano de redução da letalidade policial e controle da violação de direitos humanos pelas forças de segurança. Em 2022, o ministro Rogério Schietti foi o relator do recurso em habeas corpus que reconheceu que a alegação genérica de “atitude suspeita” é insuficiente para a licitude da busca pessoal, devendo a busca pessoal ou veicular sem mandado judicial estar fundamentada em elementos que evidenciem a urgência para executar a diligência. Neste caso, informações anônimas ou intuições subjetivas, pautadas no “tirocínio policial”, não satisfazem a exigência legal, resultando na ilicitude das provas obtidas em decorrência da medida. A decisão do ministro Schietti, referendada pela 6ª Turma do STJ de forma unânime, aponta que:
“Em um país marcado por alta desigualdade social e racial, o policiamento ostensivo tende a se concentrar em grupos marginalizados e considerados potenciais criminosos ou usuais suspeitos, assim definidos por fatores subjetivos, como idade, cor da pele, gênero, classe social, local da residência, vestimentas etc. Sob essa perspectiva, a ausência de justificativas e de elementos seguros a legitimar a ação dos agentes públicos – diante da discricionariedade policial na identificação de suspeitos de práticas criminosas – pode fragilizar e tornar írritos os direitos à intimidade, à privacidade e à liberdade” (RHC 158.580-BA, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 19/04/2022, DJe 25/04/2022).
Todos esses exemplos demonstram que, sim, o Poder Judiciário tem atribuições no âmbito da segurança pública, reconhecida como um direito social, tal como disposto no art. 6º da Constituição Federal. Atribuições estas que muitas vezes se contrapõem a padrões tradicionais de tomada de decisão sobre prisões preventivas e condenações criminais, baseados no populismo punitivo, e fundamentadas em chavões genéricos sobre a gravidade do delito praticado e a necessidade de manutenção da ordem pública e da paz social, que ainda aparecem em grande parte das decisões judiciais no âmbito penal e em nada alteram a realidade social da criminalidade urbana violenta.
O maior protagonismo judicial em matéria de segurança pública, como se vê, passa por uma atuação garantista no âmbito do processo penal, assegurando a lisura do processo desde a produção probatória até a execução da pena, e contribuindo com decisões paradigmáticas para o aperfeiçoamento institucional. Mas, também, pela interpretação de leis aprovadas e que geram o questionamento de sua constitucionalidade, e cuja interpretação conforme à Constituição pode contribuir para reformas profundas nas instituições de segurança pública, e mudanças nas relações cotidianas entre os órgãos de segurança e os cidadãos.
Nessa linha, ficamos agora na expectativa da implementação da figura do juiz de garantias, seu possível impacto sobre os procedimentos preliminares de produção probatória no processo penal e da consolidação do reconhecimento do papel das Guardas Municipais como atores do sistema de segurança pública, ambas questões decididas recentemente pelo pleno do STF.
No caso do juiz de garantias, o recente julgamento das quatro Ações Diretas de Inconstitucionalidade pelo STF acabou por definir a legalidade da figura, estabelecendo os contornos definitivos de sua implementação, que poderá trazer novas possibilidades para a fase de investigação criminal anterior à denúncia.
Quanto às guardas municipais, o julgamento também recente da ADPF 995 firmou o entendimento de que elas integram o sistema de segurança pública, em harmonia com a Lei 13.022/2014 (que estabeleceu o Estatuto Geral das Guardas Municipais) e a Lei 13.675/2018 (que instituiu o Sistema Único de Segurança Pública).
Como se vê, questões cruciais para a arquitetura e o funcionamento das instituições de segurança pública e justiça criminal têm sido pauta constante dos tribunais superiores na última década, tendo como parâmetro a adequação das práticas institucionais e das reformas legais aos preceitos constitucionais. Podemos concordar ou não com as decisões que vêm sendo tomadas, mas o fato é que o Poder Judiciário veio para ficar como arena de definição das grandes questões que envolvem a segurança pública.
Foi prorrogada, para o dia 25 de setembro, a data prazo de envio dos resumos para os Gts do X Seminário Internacional do INCT-InEAC “Políticas Públicas em perspectiva – a desigualdade como estruturante”.
O Seminário acontecerá entre os dias 23 a 24 de novembro de 2023, com os Grupos de Trabalho na modalidade online e entre os dias 28 de novembro a 01 de dezembro, com Mesas Temáticas, Conferências, Lançamento de Livros e demais atividades na modalidade presencial com transmissão ao vivo.
Para outras informações acesse o site xseminarioinctineac.com
As inscrições para participar são gratuitas e já estão abertas! O evento é aberto à participação de todas e todos.
O evento contará esse ano com 8 Grupos de Trabalho. Confira nas imagens abaixo as temáticas dos GTs e seus coordenadores!
Reproduzimos aqui o artigo artigo " Política de terreiros e política para terreiros: violações, reconhecimento de direitos, espaço público e resistências dos “povos tradicionais de matriz africana” , escrito pela antropóloga Ana Paula Mendes de Miranda (UFF - INCT/INEAC) publicado no site da Fundação Heinrich Böll , organização política alemã sem fins lucrativos: https://br.boell.org/pt-br/2023/08/18/politica-de-terreiros-e-politica-para-terreiros-violacoes-reconhecimento-de-direitos . O artigo faz parte do Webdossiê Religião, democracia e extrema direita .
Política de terreiros e política para terreiros: violações, reconhecimento de direitos, espaço público e resistências dos “povos tradicionais de matriz africana”
Religião e política não são propriamente um tema novo no cenário político brasileiro, mas essa imbricação tem se acentuado com uma nuance fortemente conservadora desde o processo de impeachment da então presidenta Dilma Rousseff, em 2016, que argumentou que estávamos diante de “uma violência no Brasil contra a verdade, contra a democracia e contra o Estado democrático de direito” (Dilma Rousseff, 18 de abril, apud Müller e Pozobon, 2017: 14). Tal argumento foi interpretado como um golpe “midiático-político-jurídico”, financiado pela elite econômica brasileira (Proner, 2016), o que leva a crer em tramas conspiratórias que cabe na ideia de “projeto de poder”. Infelizmente, a realidade é mais complexa que a ficção, por isso essa expressão – “projeto de poder”[1] – mais atrapalha do que nos ajuda a pensar quando se trata de analisar a atuação de uma direita conservadora e evangélica. Os últimos anos trouxeram várias demonstrações empíricas de que se está diante de ações que buscam produzir a supremacia de um determinado grupo social (Gramsci, 2000), a partir da articulação do “domínio” com uma “direção intelectual e moral”. O problema está no uso generalizado da expressão, ao falar em um projeto de poder muitas vezes se oculta quais as reações que existem a ele, criando assim um imaginário conspiratório de que não há qualquer possibilidade de transformação. Expor a racionalidade do plano é apenas uma parte de uma análise processual, há que se acompanhar a execução e consequências, tão bem representadas nas frases “faltou combinar com os russos”[2] e “a gente combinamos de não morrer (...). O combinado era o enfrentamento”, de Conceição Evaristo (2016).
Como salientam Jacqueline Muniz e Fátima Cecchetto (2021) a lógica autoritária e excludente que temos experimentado na política brasileira é anterior ao “golpe político-policial-jurídico” e se caracteriza por vários modos de produção e disseminação de medos, que funcionam para uma aceitação coletiva e passiva da “subordinação dos direitos sociais e civis às razões restritivas, discriminatórias e excludentes de (in)segurança”.
É na chave do “regime do medo” que se deve compreender como a religião assumiu o controle da agenda das eleições presidenciais, em 2018, por meio de um protagonismo “terrivelmente” cristão. Mesmo reconhecendo-se que não se está diante de processos uniformes (Almeida, 2017), a reunião de evangélicos de muitos matizes aos católicos, que ocultam suas fragmentações em uma aparente unidade, teve como resultado a produção de uma política nos moldes da “fé cega, faca amolada” (Muniz e Cecchetto 2019), que em nome de “Deus”, da “família” e da “pátria” se apresenta como a “nova onda conservadora”. Assim, foi paralisada a construção em andamento de uma política democrática, que valorizava a manifestação plural das diferenças no espaço público, revelando nuances de políticas “cristofascistas”[3], que lidam de forma binária e excludente com os povos tradicionais – associados às práticas maléficas (demonizadoras[4]), num ideário inspirado na supremacia branca estadunidense.
A mistura de imperativos teológicos e doutrinários com um projeto político de nação, sob o lema de campanha “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, representou que os discursos de ódio e as ações sistemáticas de destruição tivessem consequências diretas no agravamento de discriminações em relação às moralidades não cristãs, aos saberes e práticas dos afrodescendentes e dos indígenas, bem como na produção de uma forma contemporânea de neocolonização política, discursiva e territorial. Ao mesmo tempo que inventaram “povos eleitos” e ressuscitaram a teoria do branqueamento no país.
A afirmação do vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), um homem heteroidentificado como “pardo”, de que o Brasil herdou a “indolência” dos índios e a “malandragem” dos africanos, é um exemplo de como essa forma de fazer política recusa a alteridade, em nome de Jesus, e mistura os discursos nacionalista e supremacista, com a defesa de uma ordem imposta pela força e pelo medo. Se pensarmos bem, não há nada de muito novo nesse front. O tal “projeto de poder” é uma “velha roupa colorida”[5], um passado de verde e amarelo, que já não nos serve mais. Melhor dizendo, não serve para aqueles que sabem que as relações de cidadania não podem funcionar segundo a máxima “já lhe dei liberdade, não lhe dou ousadia”. Afinal é apenas a partir da ousadia política que se pode superar os séculos de opressão e discriminação no país.
A relação entre religião e política no “campo” afro-brasileiro
A consagração da categoria “povos e comunidades tradicionais de matriz africana” ocorreu a primeira vez com o lançamento da primeira edição do “Plano Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana”, em 2013, “definidos como grupos que se organizam a partir dos valores civilizatórios e da cosmovisão trazidos para o país por africanos para cá transladados durante o sistema escravista, o que possibilitou um contínuo civilizatório africano no Brasil, constituindo territórios próprios caracterizados pela vivência comunitária, pelo acolhimento e pela prestação de serviços à comunidade” (SEPPIR, 2013: 12). O documento foi resultado de uma luta coletiva que expandiu o reconhecimento estatal a partir das conquistas iniciadas com a Constituição Federal e o Decreto n. 6.040/2007 (BRASIL, 2007), instrumentos jurídicos que possibilitaram a garantia de direitos a grupos culturalmente diferenciados no espaço público, sendo o último voltado essencialmente aos quilombolas e povos indígenas. Negar a dimensão religiosa tinha o objetivo de destacar a dimensão da política e da cultura.
Mariana Morais (2021) salientou que a construção dessa categoria tinha a intenção de substituir o uso de expressões que destacam o caráter “religioso” (povo de santo/povo de axé) das práticas consideradas pelos afrorreligiosos como “tradicionais” de origem africana e caracterizar as violações não mais como intolerância religiosa, mas sim “racismo religioso”. É necessário refletir sobre o paradoxo que se coloca diante da relação entre a religião e a política neste contexto. A religião é questionada pelos afrorreligiosos como uma estratégia ocidental que não dá conta da complexidade dos modos de vida tradicionais, daí a necessidade de produzir novas nomenclaturas. Porém, a religião se torna um qualificador válido quando se trata de caracterizar as violações que têm sofrido, delimitando o tipo de racismo[6] que se verifica quando as agressões são dirigidas às tradições de “matrizes africanas”[7]. O esforço êmico de caracterizar a existência de uma pluralidade de grupos[8] e de descrever as agressões sofridas são uma reação à naturalização do racismo, que caracteriza as ações dos órgãos de segurança e justiça, que atomizam as situações, na lógica do cada caso é um caso, resultando na maior coleção de casos isolados que se pode imaginar...
É nesse contexto que a emergência da categoria racismo religioso precisa ser compreendida, como um contraponto político à intolerância religiosa (Miranda, 2012, 2018), que não é considerado um termo adequado pela afromilitância porque seria associada a uma concepção liberal, de fundamento cristão, que camuflaria ainda mais o já “invisibilizado” racismo à brasileira (Cardoso de Oliveira, L. 2004). É assim que se tem constituído a luta política por meio da estratégia de caracterização dos povos e comunidades tradicionais de matriz africana como “vítimas”[9] de violações em todos os direitos – sociais, políticos, econômicos e culturais – para apontar que o primeiro eixo de demandas é a garantia de direitos.
A produção acadêmica contemporânea tem se dedicado a lidar com a relação entre religião e política, a partir de uma reivindicação de que as marcas da matriz africana sejam reconhecidas no espaço público/na esfera pública de modo a contrastar com as estratégias desenvolvidas pelos grupos cristãos, cuja ambição é distinta, e que passou também a reivindicar-se como um movimento negro evangélico, de contribuição cultural para a formação da sociedade brasileira. Vagner Silva (2017) analisa que a emergência desse movimento não representou a superação da demonização das religiões afro-brasileiras. A ideia de uma “herança negra”, vinculada à ancestralidade de etnias vindas de África e às práticas tradicionais presentes nas religiões afro-brasileiras, segue sendo representada por grupos racistas como uma desqualificação, ou como uma apropriação, no caso do “bolinho de Jesus” que é usado para apagar o acarajé como uma comida votiva de orixá.
Entre uma política de terreiros e uma política para terreiros
A construção da categoria “política de terreiros” (Miranda, 2021) surgiu em contraposição às interpretações de pesquisadores brasileiros de que os “terreiros não se organizam” (mais um julgamento moral, que propriamente uma conclusão a partir de pesquisas empíricas[10]), que é repetida por alguns religiosos sem experiência de militância em movimentos sociais e/ou partidários, cuja representação é de que a política é algo fora da vida religiosa, e não parte dela como defendem os afrorreligiosos.
A política de terreiros é um esforço de apresentar como foi/tem sido construída a luta do movimento afrorreligioso pela garantia dos seus direitos, seja no que tange à prática religiosa, seja em relação aos direitos políticos. As estratégias adotadas pelos afrorreligiosos estão orientadas pela valorização dos saberes tradicionais[11], construídos de forma comunitária e progressiva, nos próprios territórios, com destaque para o fortalecimento da identidade negra, da ancestralidade, da valorização da natureza, da produção de mídia própria. A mobilização é construída a partir de moralidades e éticas presentes nos terreiros, que orientam o processo de interlocução e de interação entre os sujeitos que compartilham de valores religiosos e políticos afro-orientados.
Quando se analisa os trabalhos sobre os “novos movimentos sociais” um dos aspectos ressaltados é que eles revelam modos de associação coletiva de grupos “marginais” em relação aos padrões de normalidade sociocultural (Touraine 1989). No caso dos afrorreligiosos penso ser importante ressaltar que são influenciados por tradições afrocentradas, que conflitam com as diretrizes do colonialismo e consequências da “invisibilidade” branca (Cardoso 2008; Feres Junior 2015), principalmente no que se refere à supremacia branca no plano jurídico-político, que é o foco neste artigo. Os afrorreligiosos têm buscado constituir formas de ação direta, voltadas aos problemas que os afligem, orientados por moralidades próprias, mas que não costumavam ser interpretadas como formas legítimas de ação política por se contrapor aos modelos hegemônicos (a “universalidade” branca e o modelo classista que prevaleceu nos movimentos sociais).
Uma exceção é o trabalho de Mello, Vogel, Barros (2019) que interpretaram as formas de mobilização e luta política dos terreiros como estratégias de reivindicação da sua existência no espaço público, fortalecendo os modos singulares de vivências, que funcionaram como enfrentamento à hegemonia do empreendimento colonial do Brasil. A dimensão da religiosidade de matrizes africana é pensada por esses autores como uma via política de resistência quando analisam a ida do iaô à missa, tal como foram os “quilombos” e as mortes por banzo. As três manifestações seriam expressões de uma desobediência civil no espaço público, que colocava em xeque a hegemonia cristã. Cada uma a seu modo revelam os campos de forças na constituição de uma sociedade urbana e seus limites no reconhecimento de demandas por direitos.
O preconceito e a discriminação dirigidos aos terreiros possuem características próprias e por isso demandariam ações específicas. Além das situações cotidianas de agressões e violações de vários tipos, há uma agenda sendo construída pelos afrorreligiosos que podem e devem ser analisadas em profundidade, do mesmo modo como podem configurar uma agenda de militância, do que precisa ser monitorada e cobrada politicamente.
Ser instigada a pensar na interseção entre religiões/democracia/extrema direita provoca uma resposta imediata: diante de uma “vida social ativa” (Abu-Lughod, 2010) só se pode pensar sobre o exercício de direitos a partir da identificação de como as redes de sociabilidade dos sujeitos envolvidos e os meios técnico-políticos se articulam e produzem efeitos. Como parte desses sujeitos, fazendo uso de conhecimentos técnico-políticos, está o/a antropólogo/a cujo desafio profissional não se limita à construção de conhecimentos, mas constantemente desafiada a responder às demandas de intervenções (Cardoso de Oliveira, R., 2004). Assumir um lado, nesse contexto, não é apenas reconhecer-se como parte envolvida, mas é manter-se atento e crítico às responsabilidades do pesquisador diante dos compromissos ético-políticos quando se atua em contextos de pluralidade e democracia. Assumir-se como militante é apenas a primeira parte da tarefa, que delimita as fronteiras das representações de si e dos outros na busca da construção do comum e de uma vida pública democrática. O desafio segue quando se está diante das interações sociais, já que não há neutralidade efetiva diante de valores e práticas. As nossas escolhas não se dão no mundo ideal, mas a partir de situações concretas, que representam alternativas possíveis e válidas num dado momento e lugar.
A construção de uma agenda política
Dentre as ações de expansão de advocacy voltadas ao racismo, destaco o caso do Recurso Extraordinário 494601 ao Supremo Tribunal Federal (STF), no qual se discutia a validade da Lei estadual 12.131/2004 (RS), sobre se o sacrifício de animais em ritos religiosos é constitucional. Mesmo não tendo sido citado expressamente o termo racismo pelas(os) ministras(os) do STF, a decisão foi considerada histórica ao tratar da violência contra as matrizes africana como uma das facetas do “racismo estrutural” (Hoshino, Bueno 2019). Não é uma mera curiosidade a controvérsia que envolve o abate ritual para as cerimônias do candomblé e os efeitos que têm no campo religioso e político (Oro, Carvalho, Scuro, 2017; Miranda, Almeida, 2022). É sabido que, mesmo antes de “passar a boiada”, a legislação ambiental já vinha sido utilizada para atacar os terreiros.
Esse exemplo deixa evidente como a existência de legislações antidiscriminatórias e voltadas para políticas de ação afirmativa não asseguram a transformação da prática jurídica (Rahier 2019), que em toda a América Latina, ainda se orienta por práticas burocráticas e sociais que funcionam para neutralizar de forma significativa as decisões jurídicas e administrativas antirracistas, já que os valores e crenças coloniais continuam orientando as elites brancas e brancas-mestiças[12].
Penso que uma das chaves importantes para entender a resistência às pautas dos afrorreligiosos está na “tradicional” estratégia de colonização - a demonização das religiões afro-brasileiras. Pelo que vejo por aí não saímos dos moldes da inquisição.
Uma constatação que tenho feito, ao longo da pesquisa, e que talvez ajudasse como uma estratégia discursiva, em termos de política pública, é o modo pelo qual a discussão internacional sobre crimes de ódio (Miranda, 2023 – no prelo), cujo termo não existe na legislação brasileira, pode auxiliar na explicitação da negação do racismo. Do modo como a legislação internacional conceitua o crime de ódio o destaque é a dimensão coletiva do fenômeno. A ação ocorre entre indivíduos, mas a motivação para a agressão está associada ao fato de que o agressor discrimina / tem ódio ao que o grupo representa. Não se trata aqui de acreditar que a legislação muda a vida magicamente, muito longe disso, mas de pensar como no campo das políticas públicas a estratégia de trabalho passa por produzir nominações. O ódio é a mola mestra da extrema direita, explicitar que uma agressão a uma comunidade tradicional é motivada pelo ódio é um modo de tentar frear essa ação.
Considerações finais
A eleição do mandato Lula / Alckmin celebra a “volta” da democracia, mas não me parece suficiente para frear a política de destruição implantada pelos governos Temer e Bolsonaro, até porque a eficácia de suas intervenções não está vinculada a eles, mas a modos de governar anteriores a eles, que seguem fazendo sentido para alguns e produzindo efeitos sobre todos. Embora até o momento meus interlocutores dizem que desejam e esperam mudanças (eu também!), seguem céticos em termos de garantias aos direitos dos povos de terreiro.
Para concluir gostaria de retomar alguns pontos, em termos do que significa pensar uma relação entre religiões – as afro-brasileiras / de matriz africana – a implantação da democracia, sempre vista como vulnerável, e a dita extrema direita no Brasil. Não se trata de encontrar soluções, mas de pensar em intersecções. Fazer projeções está fora das minhas possibilidades analíticas, mas apontar algumas dimensões prospectivas é um risco que pretendo correr.
Há um reconhecimento de ações e iniciativas isoladas que funcionam como motrizes para seguir na luta, mas seguem longe de uma efetivação. A transformação desse cenário passaria pela construção de formas inovadoras de lidar com a relação entre a propriedade (geralmente individual de uso coletivo) e as isenções de impostos asseguradas apenas aos templos cristãos, por exemplo.
A explicitação dos conflitos de modo violento e numa escala progressiva está diretamente relacionada à resposta de grupos reacionários e conservadores, que sempre geriram a política nacional e não gostaram de ver políticas sendo transformadas e produzindo efeitos, em termos de inclusão, tais como no caso das cotas nas universidades. O mesmo se pode dizer em termos de acesso aos direitos territoriais, que segue sendo o problema-chave no país. Invadir os terreiros por razões político-financeiras é uma estratégia de dominação, a destruição da tradição religiosa é consequência.
A emergência do “traficante evangélico” / “traficrente” / “milicrente” é parte de uma política de guerra às drogas que serve a interesses maiores, nos quais o medo é a forma de assegurar a dominação. Permitir a construção de igrejas evangélicas dentro de presídios, como ocorreu no Rio de Janeiro, não é uma ação meramente proselitista. É uma estratégia inerente ao projeto de poder da IURD, com objetivos claros. Esses mesmos presídios obrigam um pai / mãe de santo a ser submetido a revista íntima. Diante desses fatos não se pode dizer que o Estado laico funciona, porque assegurou a assistência religiosa. É preciso rediscutir esses limites. A análise que fiz, com Jacqueline Muniz, Rosiane Rodrigues e Fausto Cafezeiro (2022), sobre a distribuição dos ataques /atentados em relação ao território ocupado pelo domínio armado (tráfico/milícia) mostra como a dimensão espacial é relevante para compreender esse fenômeno.
Nos terreiros a sacralidade (o axé) está plantada, literalmente, no território que necessita ser preparado para que o sagrado aconteça. O que é totalmente distinto da relação de nucleação das igrejas evangélicas-pentecostais, caracterizada pela individualização do sagrado e dispersão no espaço. Os impactos que ambas possuem na circulação do lugar são distintos, os efeitos dos deslocamentos forçados dos terreiros é muito mais complexo do que a mudança de uma igreja.
Quando se trata de políticas públicas estamos no mundo da ambivalência. As polícias e os órgãos do Judiciário tanto podem defender quanto acusar/atacar os terreiros. Os afrorreligiosos sabem muito bem disso e jogam com os recursos que possuem, o que implica inclusive em negociar diretamente com os próprios agressores. Porém, isso não os livra de se assustarem ou se indignarem quando os próprios agentes públicos fazem essa recomendação – “vá conversar com o traficante para manter o terreiro aberto”. A reprivatização do conflito, pelo poder público, que implantou a evangelização como política, colabora para uma descrença nas instituições. Repensar e reconstruir as relações com os poderes públicos é uma ação urgente e necessária, em especial, nas áreas da educação, saúde, segurança e justiça.
Em menos de 15 anos, no Rio de Janeiro, os conflitos entre religiosos de matriz africana e evangélicos deixaram de ser um problema das relações de proximidade e passaram a envolver confrontos predatórios pela hegemonia armada de espaços populares por traficantes e/ou milicianos, que se apresentam como membros de igrejas pentecostais e criadores de “exércitos” religiosos para a construção de uma nação de seguidores de Jesus. Isso tem resultado num reenquadramento das discussões no campo da segurança pública e da justiça, no sentido de analisar o fenômeno da criminalidade violenta dirigida a terreiros tomando como ponto de partida que se está diante de “história particular do conhecimento e do poder” (Asad, 2016, p. 278) que favorece modos de exercício (i)legal e (i)legítimo de poder em suas formas particulares de apropriação conformam símbolos e experiências religiosas nas favelas e periferias, mais uma vez tentando impedir a potência do “pensamento nagô” e a refundação de um país cristão e embranquecido, ao menos na retórica.
Não se trata apenas de um modo de governar que alia crime (política) e religião, orientado por uma lógica miliciana e alicerçado pela “batalha espiritual” (Silva, 2007). O fenômeno tem favorecido a consolidação de uma agenda de costumes (Vital da Cunha & Lopes, 2013) e o aumento dos atentados contra minorias de gênero, religiosas e raciais no país. Também tem possibilitado a construção de carreiras político-eleitorais de caráter extremista (Vital da Cunha, Lopes e Lui, 2013), marcadas por propostas expansionistas fundadas em narrativas mítico-políticas que podem corresponder tanto à negação como à glorificação de certo projeto de nação - projeto estético-político que articula valores religiosos com outros atributos de poder, principalmente a teatralização bélica de uma masculinidade viril.
Política e religião como formas imbricadas, juntas e misturadas do poder-saber-agir e seus expedientes de distribuição de coerção não são propriamente uma novidade. A novidade é a (re)configuração das fronteiras entre o sagrado e o profano na produção de crenças e processos de subordinação concebidos e vividos. No caso que me coube analisar identifico que estamos diante de uma vivificação de (neo)cruzadas político-religiosas contra as religiões de matriz africana apoiadas em uma moral econômico-racial que permite negociar crenças, vidas, votos, bens e serviços públicos nos territórios populares. Infelizmente, não é suficiente pensar na solução mágica de tirar a religião da vida pública, é preciso redefinir os limites. Essa é a demanda dos movimentos afrorreligiosos, cujas lideranças há séculos resistem às perseguições, demonizações, expulsões, agressões físicas, ofensas morais. Eles pretendem seguir resistindo enquanto o projeto (neo)colonial seguir atuando de modo cartesiano e binário. A religião transpassa a política, encantando-a, e a política atravessa a religião, desencantando-a. A crença na modernidade nos faz querer uma separação de domínios que efetivamente não existe, a complexidade do universo cosmológico de matriz africana tem muito a nos ensinar sobre isso.
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[1] O livro “Um plano de poder”, de Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus, com a colaboração do jornalista Carlos Oliveira, revela as estratégias de construção de um “projeto divino de nação”, que passa pela participação direta dos evangélicos na política nacional.
[2] Variação livre do questionamento que Garrincha teria feito ao treinador Vicente Feola, durante a copa de 1958.
[3] O termo classifica políticas públicas e sociais que, em nome do cristianismo, excluem os grupos minoritários (Heyward 1999) Ver também Sölle (1970).
[5] Composição de Antonio Carlos Belchior e interpretada por Elis Regina, no álbum Alucinação (POLY- GRAM 1976).
[6] Sobre uma discussão sobre os tipos de racismo ver Campos (2023).
[7] A expressão no plural foi utilizada durante o Seminário Territórios das Matrizes Africanas no Brasil – Povos Tradicionais de Terreiro, 2011, realizado pela SEPPIR.
[8] São consideradas como tradições espalhadas no país: Babaçuê; Batuque; Cabula; Candomblé Jeje; Candomblé Ketu; Candomblé Angola; Candomblé de Caboclo; Catimbó; Culto aos egunguns; Encantaria; Jurema; Omolocô; Pajelança; Quimbanda; Tambor de Mina; Terecô; Toré; Umbanda; Xambá; Xangô.
[9] Trata-se de uma categoria altamente controversa que não será possível discutir no âmbito deste artigo.
[11] Os princípios civilizatórios que orientam a diversidade dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana são a senioridade, a ancestralidade, a vivência comunitária, a circularidade, a oralidade e a visão transgeracional.
[12] A categoria branco-mestiço é utilizada pelo autor para designar aqueles que invisibilizam e negam as diferenças étnico-raciais.
Desafios de reconstrução do Programa Nacional de Segurança e Cidadania , esse é o tema do debate com Tamires Sampaio, coordenadora do PRONASCI, do Ministério da Justiça, promovido pelo INEAC e o IAC, e que acontecerá nessa quarta-feira 6/9, ás 14h, no Auditório do InEAC, no Campus Valonguinho, prédio da Física Velha . Nesta oportunidade Tamires Sampaio, a responsável pelo programa, irá falar dos eixos prioritários para esta retomada, bem como ouvir dos pesquisadores sobre seus estudos. Esperamos que o encontro fortaleça a sinergia entre a universidade e os poderes públicos em prol dos interesses maiores da sociedade. A atividade será transmitida pelo LEMI - Laboratório estúdio Multimídia do INCT/INEAC pelo canal do Youtube do INCT/INEAC no link https://www.youtube.com/watch?v=thezRr2LmFw .
O Programa de Pós-Graduação em Sociologia realiza na próxima quarta-feira 6 de setembro de 2023, ás 17h, a mesa “Violência, Juventudes e Punição”, que terá como expositores Dra. Juliana Vinuto Lima (UFF), Dr. Danilo de Souza Morais (UFSCar) e o doutorando André Sales dos Santos Cedro (PPGS-UFSCar). Também haverá o lançamento do livro “Mortes recíprocas” de autoria de André Cedro. A atividade é organizada pela Profª Jacqueline Sinhoretto.
Data: 06/09/2023 Horário: 17:00 (horário de Brasília) Local: Auditório do Departamento de Sociologia (Área Sul, Campus São Carlos – UFSCar) Apoio: CAPES
Comunicação em Pauta : No próximo dia 25 de setembro de 2023 acontece o VII Colóquio de Culturas Digitais - Mídia comunitária e digital e que contará com as participações de Claudio Salles (coordenador do LEMI - Laboratório de Estudos Multimídias do INCT/INEAC e da Rádio Pop Goiaba) ; Cláudia Santiago (NPC), Eula D.T.Cabral (EPCC-FCRB) e Adilson Cabral (EMERGE - UFF). A atividade acontecerá ás 14h na Sala de Cursos da Casa Fundação Rui Barbosa , Rua São Clemente 134 - Botafogo (RJ - RJ) com Transmissão online pelo youtube da FCRB. Inscrições (com direito ao Certificado): https://doity.com.br/vii-coloquio-de-culturas-digitais-midia-comunitaria-e-digital Realização: grupo de pesquisa EPCC, EMERGE - UFF, setor de pesquisa em Políticas Culturais e PPGMA - FCRB.
SBPC e suas Secretarias Regionais e Sociedades Afiliadas, bem como universidades e entidades acadêmicas e científicas de todo o País organizaram uma série de eventos para a próxima semana, entre os dias 4 e 8 de setembro. Confira a programação e participe
A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), suas Secretarias Regionais e Sociedades Científicas afiliadas, e universidades e entidades acadêmicas de todo o País promovem de 4 a 8 de setembro uma série de eventos para celebrar a semana da Independência do Brasil.
As atividades irão abordar temas sugeridos pela SBPC, como Ciência e Democracia, Educação e Democracia, Saúde e Democracia; Inclusão Social e Democracia, Direitos Humanos e Democracia; e A luta pela democracia e as lutas pela soberania e independência.
As entidades aceitaram o chamado da SBPC para dar início aos preparativos para o ‘Dia de Luta pela Democracia Brasileira’, a ser celebrado no dia 31 de outubro, data que evoca a primeira manifestação de rua contra a ditadura militar no período iniciado com o AI-5.
Confira a programação da SBPC, Secretarias Regionais, Sociedades Afiliadas, universidades e entidades acadêmicas e científicas:
04/09 – 09h: Feira de Ciências – Projetos institucionais de Extensão e Pesquisa da UENF. Local: Centro de Convenções Oscar Niemeyer da UENF
04/09 – 13h30: Seminário “Atualidade da Pedagogia Freiriana”. Palestrante: Jaime José Zitkoski (UFRGS), alunos e professores do mestrado profissional PPGSTEM da UERGS. Realização: UERGS. Assista aqui.
05/09 – 13h: “Religião, Ciência e Democracia”. Coordenadora: Tatiane dos Santos Duarte (CLD/ABA e UnB). Mediadora: Mariana Ramos de Morais (CLD/ABA e Museu Nacional). Participantes: Ana Paula Miranda (UFF), Naara Luna (CLD/ABA e UFRRJ) e Rodrigo Toniol (UFRJ). Realização: Associação Brasileira de Antropologia (ABA). Assista aqui.
05/09 – 15h: Mesa-redonda “Brasil: Resistências e Totalitarismos”. Participantes: Castor Bartolomé Ruiz (Unisinos), Georgia Amitrano (UFU) e Tessa Moura Lacerda (USP). Realização: Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF). Assista aqui.
05/09 – 16h: Conferência”Independência, democracia e o acesso à água”. Palestrante: Osmar Cardoso (UFPI). Apresentação: Rute Maria Gonçalves de Andrade (SBPC-PI). Realização: SBPC-PI. Assista em youtube.com/canalsbpc
05/09 – 16h: Painel “Estratégias de enfrentamento do descrédito na ciência e desinformação social”. Moderação: Renato Janine Ribeiro (SBPC) e Soraya Smaili (UNIFESP). Participantes: Herton Escobar (USP), Valéria Mendonça (UnB) e Débora Salles (UFRJ). Realização: Academia de Ciências da Bahia (ACB).
05/09 – 18h30: Biopar no Bar: happy hour com ciência. Um bate papo sobre Saúde e Democracia: Desastres ambientais no surgimento de surtos e emergências sanitárias e o impacto de fakenews no aprofundamento dessas crises. Participantes: Andreia Ferreira Nery (UFRN), Janeusa Trindade de Souto (UFRN), John Fontenele Araújo (UFRN), Manoella do Monte Alves (UFRN) e Marise Reis de Freitas (UFRN). Local: Mahalila Café & Livros – R. Dra. Nívea Madruga – Lagoa Nova, Natal – RN.
06/09 – 10h (horário Manaus): Mesa-redonda online “Amazônia pela Independência e Democracia”. Moderação: Marilene Corrêa (UFAM/SBPC). Participantes: Kátia Cilene do Couto (UFAM), Luis Balkar Sá Peixoto Pinheiro (UFAM), Sonia Alfaia (INPA) e Roberto Sanches Mubarac Sobrinho (UEA). Realização: SBPC-AM. Assista em youtube.com/canalsbpc
06/09 – 15h: Saúde e Bem-estar dos Jovens Indígenas. Participantes: AJI e USPFM – LIM50. Link: em breve.
06/09 – 16h:Conferência “Independência: historiografia e história”. Palestrante: Fernando Novais (USP).Local: Salão Nobre do Centro Maria Antonia da USP, na Rua Antônia, 294, 3º andar, Vila Buarque – São Paulo. O evento é aberto e gratuito para todos, mas as vagas são limitadas. Preencha o formulário e garanta sua vaga!
A Associação Brasileira de Antropologia (ABA) realiza no próximo dia 4 de setembro de 2023, ás 13h a Palestra "Religião, Ciência e Democracia" . A atividade conta com a participação da antropóloga Ana Paula Mendes de Miranda (UFF/INCT-INEAC) .
O espaço público brasileiro tem sido campo de contendas entre grupos com agendas e interesses diversificados, muitas vezes conflitantes, que nos interrogam quais seriam os papéis das religiões nas sociedades democráticas e secularizadas. Tais situações têm mobilizado pesquisadores e pesquisadoras da religião a analisar suas formas de participação na política, as modalidades de laicidade acionadas para defender suas agendas políticas, os direitos que pleiteiam e os possíveis riscos desses engajamentos para uma democracia ontologicamente comprometida. Alguns atores religiosos têm mobilizado não apenas princípios religiosos, mas também jurídicos e científicos para legitimar suas posições conservadoras no legislativo e no judiciário pelos direitos do nascituro, contra o direito legal ao aborto e ao casamento igualitário, duelando contra as demais defesas pautadas pela pluralidade social, religiosa e política. Por outro lado, conhecimentos associados a religiões minoritárias sofrem questionamentos que acionam concepções rígidas sobre procedimentos científicos. Tendo esse quadro como ponto de partida, este webinário pretende debater as relações entre ciência e democracia brasileira a partir de controvérsias públicas sobre temas candentes tais como racismo religioso e institucional; as incorporações de espiritualidades no rol da assistência à saúde; o descrédito das ciências, sobretudo as humanas e sociais, e as deturpações das teorias de gênero, com o objetivo de refletir quais seriam os lugares da ciência em uma democracia fortalecida segundo o paradigma da diversidade social, religiosa e cultural.
Coordenadora: Tatiane dos Santos Duarte (CLD/ABA e UnB)
Mediadora: Mariana Ramos de Morais (CLD/ABA e Museu Nacional)
Já está disponível o "Dossiê Administração Institucional de Crimes no Âmbito da Segurança Pública e da Justiça Criminal em Perspectiva Empírica" organizado pelo antropólogo e coordenador do INCT INEAC Roberto Kant de Lima e o pesquisador Michel Lobo, Doutor e mestre em Sociologia pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESPUERJ) e também pesquisador vinculado ao INCT INEAC.
Dossiê Administração Institucional de Crimes no Âmbito da Segurança Pública e da Justiça Criminal em Perspectiva Empírica
Notícias jornalísticas cotidianas expõem recorrentemente como atos e decisões dos nossos sistemas de justiça criminal e de segurança pública são seletivos tanto na concessão de privilégios, embaraçados enquanto direitos, quanto na distribuição de deveres e culpabilidades; mas que também são habitualmente apresentados como meros desvios pontuais por essas próprias instituições. A recorrência e a falta de estranhamento desses fatos explicitam o quanto é internalizada a nossa lógica da produção jurídica da desigualdade3, não exclusivamente no âmbito interno das instituições judiciais e policiais, mas também em cartórios, campos extrajudiciais de administração de conflitos, instâncias superiores e inferiores do Judiciário, etc., assim como há a sua reprodução do conhecimento universitário nas Faculdades de Direito e Academias de Polícia Militar e Civil que refletem as formas institucionais de produção e reprodução do saber jurídico e militar, seja nos quartéis e nas delegacias, seja nos tribunais.
A proposta desse dossiê foi reunir trabalhos que, por meio da pesquisa empírica, fossem capazes de estranhar e relativizar a forma engessada e idealizada da verdade produzida na dogmática jurídica e o abismo que existe entre ela e as
práticas nas instituições policiais e judiciárias. Tais trabalhos são focados em explicitar os processos de produção e reprodução das práticas institucionais, em um locus em que são socializados profissionalmente os operadores da justiça criminal e da segurança pública, assim como para perceber a natureza dos conflitos levados pela sociedade às agências destinadas a administrar tais conflitos.
A empiria, portanto, permite constatar a importância de interferências no trato de conflitos pelo judiciário e pelas polícias que ainda permanecem opacas ao olhar do Direito, uma vez que esses campos ainda não produziram teorias explicativas sobre suas práticas nem métodos de pesquisas próprios do seu campo.
Tais questões podem decorrer das próprias práticas institucionais desses campos, também ensinada implicitamente em suas academias, de determinadas interpretações concedidas às leis em casos específicos ou da descaracterização de conflitos não previstos na legislação, que deixa sem tratamento adequado situações que prosseguem abrigando conflitos potenciais. Se isto ocorre, como se admite aqui, a função de administração de conflitos não estaria cumprindo o papel a ela oficialmente atribuído de interferir positiva, pedagógica e explicitamente na manutenção da estabilidade e segurança social.
Esse dossiê vai ao encontro de pesquisas sobre as práticas burocráticas em nosso sistema jurídico-policial em perspectiva comprada por contrastes que têm estado sob foco no Brasil desde a década de 1980, embora em passos lentos. Boa parte desses trabalhos empíricos demonstra como tais práticas se (re)produzem de maneira informal e quase invisível, à margem da lei e das doutrinas jurídicas, mas compartilhando valores corporativos que orientam práticas institucionais locais (Amorim, 2017; Azevedo, 2001; Baptista, 2013; Bernardina, 2019; Brito, 2017; Cardoso de Oliveira, 2011; Corrêa, 2012; Duarte & Iorio Filho, 2015; Ferreira, 2005; Figueira, 2008; Filgueiras, 2015; Filpo, 2016; Geraldo, 2019; Lima, 2017; Kant de Lima, 2019; Mendes, 2012; Mouzinho, 2019; Nuñez, 2018; Policarpo, 2020; Ribeiro, 1995; Seta, 2015; Vargas, 2000; Vidal, 2013).
Partindo dessas questões e reflexões surgiu a motivação da organização e produção do presente dossiê, a ser publicado em um periódico do Direito que prioriza trabalhos empíricos e em diálogo com os métodos das Ciências Sociais.
A ABI - Associação Brasileira de Imprensa Publicou, nessa quinta-feira, 31 de agosto de 2023, o artigo "O marco temporal, o STF e a bancada ruralista no Congresso Nacional" da antropóloga Eliane Cantarino O’Dwyer (UFF e INCT/INEAC) . Confira abaixo.
O marco temporal, o STF e a bancada ruralista no Congresso Nacional
31/08/2023
Por Eliane Cantarino O’Dwyer, antropóloga
No dia 30 de agosto foi retomado o julgamento no STF da tese do marco temporal que estabelece a data de 5 de outubro de 1988 como marco jurídico, visando a demarcação de terras indígenas, mesmo ano de promulgação da chamada Constituição Cidadã, considerada símbolo do processo de redemocratização nacional, sem levar em conta as injustiças históricas cometidas e as frentes de expansão da fronteira agropecuária sobre os territórios tradicionalmente ocupados como áreas protegidas da União.
Desde 2021 esse julgamento tem mobilizado os povos indígenas no Brasil, e suas associações, atualmente representados no governo recém-empossado por um Ministério próprio. Conforme denunciam, o marco temporal ameaça a sobrevivência de muitas comunidades indígenas e suas áreas preservadas de florestas.
No STF a tese do marco temporal já tinha sido rejeitada pelo voto do relator, ministro Edson Faquin, ao arguir que “a Constituição reconhece que o direito dos povos indígenas sobre suas terras de ocupação tradicional é um direito originário, ou seja, anterior à própria formação do Estado”.
Antecipando-se à retomada desse julgamento por aquela Corte, a CRA (Comissão de Agricultura e Reforma Agrária) do Senado Federal, mediante representação formada sobretudo por membros da bancada ruralista no Congresso Nacional, seguindo decisão já tomada pela Câmara dos Deputados em maio do corrente, votou, no último dia 23 de agosto de 2023, pela aprovação da tese do marco temporal (Projetos de Lei 2.903/2023 e PL 490/2007, respectivamente).
Essa decisão que regulamenta o marco temporal passou a ser comemorada nas redes sociais por políticos como uma vitória e levanta feridas antigas que sugerem um tipo de poder autocrático encarnado em novo “coronelismo, enxada e voto”, já analisado por Victor Nunes Leal, ex-membro do STF, cassado pela ditadura militar.
Do ponto de vista do movimento e organizações indígenas o marco temporal representa um risco ao reconhecimento e demarcação de terras indígenas e infringe o direito à consulta prévia, livre e informada, garantida pela Convenção 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), segundo a qual os povos indígenas e tribais têm que participar do processo de tomada de decisões administrativas e jurídicas que lhes afetem diretamente.
A partir dessa perspectiva, deve-se igualmente destacar que a exclusão dos povos indígenas desse tipo de prejulgamento do marco temporal no Congresso Nacional, à revelia dos seus posicionamentos contrários e amplamente divulgados no espaço público, amparados por análises antropológicas e pareceres emitidos por associações científicas do país, como a ABA (Associação Brasileira de Antropologia), a Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), entre outras, abala os pressupostos da ética que possam regular a relação entre as minorias étnicas e o Estado-Nação brasileiro.
A retomada do julgamento pelo STF assume grande relevância na medida em que coloca em jogo, para toda a sociedade brasileira e para além da questão dos direitos territoriais e culturais dos povos indígenas, os princípios que devem reger nossa moralidade institucional e política.
Eliane Cantarino O´Dwyer é Antropóloga, Professora Titular do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal do Pará. É Pesquisadora de Produtividade do CNPq (PQ II), Coordenadora do Grupo de Estudos Amazônicos do Diretório de Grupos de Pesquisas do CNPq (GEAM/CNPq). É pesquisadora visitante sênior do Departamento de Antropologia da UFPA (Bolsista Capes/Fapespa) e Secretária Adjunta da Associação Brasileira de Antropologia (gestão 2017-2018). Desenvolve pesquisas etnográficas na abordagem de temas como identidade, etnicidade, organização social, práticas culturais e processos de territorialização e tem experiência na elaboração de relatórios antropológicos sobre populações seringueiras do Alto Juruá-Acre, comunidades remanescentes de quilombo do Baixo Amazonas ? Pará e do estado do Rio de Janeiro e laudo antropológico para a Justiça Federal da área indígena Awá-Guajá na pré-Amazônia maranhense e pesquisadora vinculada ao INCT/INEAC.