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Terça, 27 Fevereiro 2018 02:43

MANDADOS COLETIVOS DE BUSCA

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O site do InEAC transcreve aqui artigo sobre "mandados coletivos de busca" escrito pelo professor Jorge da Silva (cientista político. Doutor em Ciências Sociais pela UERJ e professor-adjunto / pesquisador-visitante; Professor conteudista do Curso EAD de Tecnólogo em Segurança Pública (UFF - CEDERJ / CECIERJ).

 

Sobre MANDADOS COLETIVOS DE BUSCA

Há quatro anos, no momento em que se anunciava o emprego do Exército na Maré, publiquei no blog postagem que transcrevo adiante. Transcrevo-a a propósito da intenção do governo de tornar possível a utilização pelos militares de mandados de busca coletivos, como se lê em manchete do jornal O Globo de hoje, 20/02/18. Primeiro, a transcrição, que aí vai:

EXÉRCITO NA MARÉ (26 de março de 20/14)
Uma notícia contida em chamada de primeira página de O Globo de hoje, 26/03/14, sobre a ocupação militar da Maré chamou a minha atenção: “Os militares devem atuar com mandados coletivos de busca, que permitam que qualquer casa seja vasculhada”. Estranhei a notícia e fui conferir no interior da matéria, na pág. 13, e lá estava a fonte logo no título: “Forças têm mapa da Maré, diz procuradora”, e no subtítulo: “Representante do Ministério Público Militar afirma que tropas contarão com mandados de busca coletivos”.

A revelação partira da procuradora do MP militar, xxxxxxxxxxxxxxx. Segundo os repórteres que assinam a matéria, “a possível expedição pela Justiça Militar dos mandados coletivos, explicou a procuradora, deve-se à dificuldade de localizar endereços em meio ao aglomerado de casas erguidas em becos, sem numeração definida”.

Fiquei preocupado por dois motivos: primeiro, pelo tamanho do bairro da Maré (bairro desde 1994) e pelas afirmações da procuradora, e segundo, pelas complicações constitucionais e legais. Explico-me.

A população do conjunto de comunidades que compõem o bairro da Maré é de 130 mil moradores. Para que se tenha ideia, dos 5.570 municípios brasileiros, 5.350 possuem população inferior à da Maré, incluídos os do Estado do Rio de Janeiro. Quanto às complicações constitucionais e legais, pode ser que eu esteja desatualizado, mas até onde eu saiba, em qualquer das hipóteses autorizadas pela Constituição e a Lei Complementar sobre o tema (Estado de Defesa, Art. 136 da CF; Estado de Sítio, Art. 137; Intervenção Federal, Art. 34, III; e pedido do governo do Estado membro), o emprego das Forças Armadas deve ser precedido de ato formal do presidente da República, especificando as condições do emprego e as garantias constitucionais do Art. 5º que estariam eventualmente suspensas. Com relação aos mandados de busca, não sei se mudou, mas tanto o Código de Processo Penal comum (CPP) quanto o Código de Processo Penal Militar (CPPM) vedam ao juiz, sob pena de abuso de poder, a expedição de mandados genéricos, coletivos (o bairro da Maré possui cerca de 40 mil domicílios…). O CPP exige que o mandado indique, “o mais precisamente possível, a casa em que será realizada a diligência”, e o CPPM, além de exigir o mesmo, manda o executor exibir e ler o mandado.

Bem, é possível que a posição da procuradora reflita as representações distorcidas sobre aquele e outros locais similares. Ela não deve ter lido o GUIA DE RUAS MARÉ 2012. Saberia que todas as ruas possuem CEP, e a quase totalidade das casas possui numeração (vale a dica para os repórteres…).

Outro motivo da estranheza é ter sido justamente um membro do Ministério Público, instituição incumbida da defesa da cidadania e dos interesses difusos e de coletividades, a justificar a medida, sem decretação de “estado de defesa” e suspensão de direitos fundamentais por ato presidencial.

Retiro tudo que disse acima se o ordenamento constitucional-legal tiver sido mudado sem que eu tenha tomado conhecimento, e se o Manual ‘Garantia da Lei e da Ordem’, GLO, aprovado por portaria do Ministério da Defesa, não tiver ido além do que a Constituição e as leis do País vedam.

PS. Não sei por que estou preocupado com esses detalhes. Não moro na Maré.
(março 26th, 2014)
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Agora concluo:
Uma coisa é apoiar as Forças Armadas na luta da sociedade contra facções, milícias e a bandidagem em geral; outra é o imperativo de, ao mesmo tempo, respeitar os moradores e suas famílias, no marco das garantias constitucionais dirigidas a todos os brasileiros, sobretudo no que diz respeito ao inciso XI do Art. 5º: “[...] a casa é o asilo inviolável do indivíduo”. Equação complexa, mas desafio, sim, aos serviços de inteligência e investigação.

E faço uma observação lateral, em colaboração:
Diz respeito ao poderio armado das facções, com fuzis de guerra que entram no Brasil às toneladas, reclamação recorrente dos policiais. Daí, paralelamente ao esforço de repressão na ponta, é preciso estancar as fontes de abastecimento de armas e munição, e de drogas, o que é atribuição constitucional da União federal.

Ah! Ia me esquecendo do que, para mim, expõe a natureza de nossa sociedade. Noto que, entre as pessoas que defendem os mandados de busca coletivos, a esmagadora maioria, se não a totalidade, não reside em local "buscável".

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