Universidade pública sob ameaça
Segmentos radicais da sociedade pretendem empregar as instituições em prol de seu proselitismo religioso
Os ataques às universidades públicas não ocorrem somente através da diminuição drástica no orçamento que impacta em pesquisa, extensão, inovação e formação de recursos humanos essenciais para o crescimento sustentável do país. Elas também são atacadas sorrateiramente por grupos de direita e extrema-direita que visam a retroagir no tempo e transformar a universidade em um lugar permeado por dogmas, preconceitos e ideias pasteurizadas.
Segmentos radicais da sociedade, que pretendem empregar as instituições públicas em prol de seu proselitismo religioso particularista, planejaram, de antemão, uma intervenção em uma unidade da Universidade Federal Fluminense, caracterizada por sua laicidade e respeito a opiniões divergentes. O incidente, noticiado na grande mídia e em redes sociais, ocorreu no Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da UFF (ICHF) e eleva a questão da liberdade de expressão a um nível muito mais alto, pois traz para dentro da universidade pública o proselitismo religioso fundamentalista — que deve ser apenas um sujeito de estudos das Ciências Sociais e, nunca, um fator constrangedor, nem aliciador, pois, por sua natureza, trata-se do lugar de opiniões sectárias fundadas em opiniões e convicções, e não em argumentos científicos.
A liberdade de expressão, já há muitos séculos, tornou-se um patrimônio inestimável das democracias modernas, assegurando que crenças religiosas diversas e antagônicas, opções sexuais e diferenças de opiniões coexistissem de forma legítima no espaço público.
Os horrores do colonialismo e da Segunda Guerra Mundial resultaram na formulação de um conceito de liberdade no qual o uso comedido das palavras e discursos e o reconhecimento da dignidade do outro, bem como a limitação das paixões, fossem as principais molas propulsoras desse sentimento de liberdade. Como se diz: liberdade não significa libertinagem, pois o gozo dela exige a consideração e o respeito ao outro, fundamentado no princípio da igualdade entre todos os diferentes seres humanos, delimitador da liberdade de todos.
As características emprestadas ao nosso espaço público — a de que o público é tido como o lugar de “todos”, logo de ninguém, podendo, portanto, ser apropriado particularizadamente — acentuam ainda mais essa confusão feita entre liberdade de expressão e uso indiscriminado da opinião fundada em concepções dogmáticas e preconceituosas, que ferem o sentido da universidade, qual seja: abrigo da diversidade em um ambiente de igualdade dos diferentes.
Fabio Reis Mota e Roberto Kant de Lima são professores do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFF