A volta dos que não foram #sqn
RIO - Tiros e mortes voltam a assombrar favelas na Zona Sul do Rio. Estão de volta os confrontos entre policiais e criminosos ou as disputas bélicas entre facções do tráfico varejista. Confirmam, assim, um padrão que se observa na região metropolitana do Rio nesse período pós-UPP. São crescentes os episódios em Pavão-Pavãozinho, Vidigal, Rocinha e, mais recentemente, na Babilônia e no Chapéu Mangueira. Noticiados por rádio e televisão, ou viralizados nas redes sociais, pode-se pensar que estamos de volta ao período anterior à UPP. Isso é um equivoco. Os tempos são outros e muito mais perigosos.
Que o digam os familiares dos mais de 50 mortos na Rocinha, nos últimos 6 meses. Entre o medo constante e o êxodo forçado, aprendem a adaptar-se a esses tempos pós-UPP. Como ocorre em localidades como Morro do Alemão ou Complexo do Lins. Uma UPP instalada nas imediações não exercita, necessariamente, proximidade com a comunidade. Não sem antes fazê-lo com o batalhão responsável pela circunscrição, conforme prescrição legal. Enfatizada, aliás, pelas autoridades da intervenção federal no Estado.
A variável da reconfiguração das UPPs compõe com outros elementos um mosaico que torna difícil conjecturar aonde podemos parar. Soma-se a ela, por exemplo, a ruptura entre as duas maiores facções criminosas no país. Esta embaralhou as cartas da criminalidade violenta no Rio. Não por acaso noticia-se uma dança das cadeiras entre lideranças dos grupos criminosos e redivisões territoriais a todo momento. Por outro lado, a crise política do Estado e do país também faz sua parte. O resultado é a já referida intervenção, frustrando expectativas dos que crêem nas boas intenções daqueles que planejam, um dia, disputar com o demônio o controle do inferno. Neste contexto, tem crescido ainda mais a influência das chamadas milícias, avançando da zona oeste em direção à zona norte. Por enquanto.
Resumindo: entre aqueles que querem "paz" no asfalto ou viver “tranquilos" nas favelas se erige um complexo mercado de bens e serviços. Nele se negocia de tudo. Principalmente, vidas e liberdades. A incrementar essas trocas estão de volta os traficantes, só que não os mesmos. Foram-se os “crias”, restam cada vez mais estranhos tentando se impor nas comunidades. Também estão as polícias, praticando outras lógicas de policiamento de proximidade. Os políticos, é claro, estão também de volta. Inclusive os que prometem acabar com a violência em seis meses. Mas a política, no fundo, está cada vez mais territorializada e recorrendo a expedientes violentos. Os tempos não são de democratização, mas de excessão. Há, no asfalto, quem tenha medo. Na favela, a maioria tem certeza.
Lenin Pires é antropólogo e diretor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos da UFF (InEAC/UFF).