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Quarta, 18 Abril 2018 16:13

SÍNDROME DO CABRITO

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O Site do InEAC reproduz aqui o artigo intitulado SÍNDROME DO CABRITO, publicado pelo Jornal do Brasil no domingo, dia 25 de março de 2018, escrito pela antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz, pesquisadora vinculada ao INCT-INEAC 

 

SÍNDROME DO CABRITO

Jacqueline Muniz
DSP/INEAC- UFF
Caderno cidade, 25/03/2018 – jornal do Brasil

O Rio de Janeiro experimenta taxas elevadas de vitimização em serviço e em folga de policiais militares, desde o final dos anos de 1990, quando realizamos a primeira pesquisa no Brasil sobre este tema. Desde então observa-se um padrão que pouco se alterou: a variação das mortes e lesões de PMs associa-se ao vai e volta da “política do confronto”. Esta substitui, intencionalmente, o planejamento e a gestão de polícia, que possibilita superioridade de métodos e meios policiais diante do crime armado, pela lógica do enfrentamento pessoal e instintivo que pressiona o policial a “fazer qualquer coisa”, mesmo reconhecendo que está em desvantagem tática, e que não possui os requisitos básicos de segurança ocupacional durante sua atuação. Esta lógica perversa da guerra contra o crime, vai transformando o soldado profissional PM, que deve tomar decisões de agir ou não agir segundo seus juízos estratégico e tático, em um guerreiro amador e solitário, abandonado por sua corporação e esquecido por sua sociedade, cuja vida, já despedaçada pelos traumas dos combates diários, passa a ter algum valor, paradoxalmente, com a própria morte. Por isso, muitos policiais, cansados de não ter direitos a condições dignas de trabalho, acabam sendo convencidos pelos senhores da guerra, de que morrer numa guerra falsa e estúpida pode deixar a sua família numa condição financeira melhor e liberta-los de ter que fechar forçosamente os olhos para as negociatas com o crime ao seu lado, de atender a favores ao redor e das dívidas acumuladas para garantir o sustento familiar. A convivência, a conveniência e a conivência de setores governamentais com os governos autônomos criminosos, em especial as milícias, tem transformado os policiais em moeda de troca, em mercadoria política para acerto de contas, negociada nos balcões da economia criminosa no Rio de Janeiro. Estão transformando os policiais em zumbis do policiamento, mortos-vivos que já ingressam na carreira com a carteira de polícia numa mão e o atestado de óbito na outra. E este tem sido o verdadeiro e inaceitável saldo operacional da “síndrome do cabrito”: mortes!

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