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Quarta, 28 Março 2018 14:04

A SITUAÇÃO ATUAL DA MILÍCIA

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O site do InEAC publica aqui artigo publicado no jornal O GLOBO  dessa terça-feira, 27 de março de 2018, escrito pelo sociólogo Michel Misse (UFRJ), parceiro do INCT InEAC.

A SITUAÇÃO ATUAL DA MILÍCIA.

Houve há alguns anos um grande debate na Itália sobre o que seria a principal fonte de renda das máfias. Alguns estudiosos defendiam que era a extorsão, enquanto para outros seria a oferta de proteção e arbitragem entre grupos criminosos. No Brasil nunca havíamos tido grupos criminosos organizados desse tipo, nem mesmo no jogo do bicho, ainda que mafiosos também operassem por aqui.

Nos primeiros cinco anos deste século apareceu no Rio de Janeiro uma rede de grupos que, para uns, oferecem proteção, para outros praticam a extorsão. O nome pode ter sido inicialmente bem intencionado, mas tornou-se, com o tempo, absolutamente inadequado. Milícias são forças civis armadas numa situação de guerra de libertação (ou de independência) ou guerra civil. Não são necessariamente criminosas.

O que temos no Rio de Janeiro nos últimos doze anos nada tem a ver com isso, muito pelo contrário. São redes de tipo mafioso, que exploram mercadorias políticas subtraídas ao monopólio estatal da força. Praticam a extorsão sobre moradores sob o pretexto de oferecerem proteção. Com o tempo, passaram a explorar outras atividades ilícitas, inclusive ligadas ao tráfico de drogas, arbitrando proteção e extorquindo outros grupos ilegais.

Se as redes do tráfico a varejo nas favelas constituiu-se a partir do surgimento de facções dentro do sistema penitenciário, as chamadas milícias constituíram-se com a outra ponta do sistema de segurança pública: policiais, ex-policiais, bombeiros, praças, agentes penitenciários. De um cabo a outro, da prisão à mão de obra qualificada assalariada pelo Estado para a segurança dos cidadãos, montou-se um sistema de interdependência criminal que se retroalimenta e acumula violência. É um sistema que vem crescendo e subordinando o próprio tráfico às suas condições.

Se com o tráfico era exagerado falar-se de máfias, com as milícias estamos assistindo (e ainda convivendo) com a primeira forma em expansão de uma organização de tipo mafioso no Brasil. Mas muito mais perigosa que as formas italianas porque composta de agentes públicos da ativa ou inativos, que compartilham no campo político ideologias afins com a extrema direita. É um fenômeno potencialmente muito mais preocupante para a democracia e o Estado de Direito que os camelôs armados que vendem drogas nas favelas, cuja sobrevivência sempre dependeu também do arrêgo com policiais.

* Michel Misse é sociólogo e professor da UFRJ 

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