Claúdio Salles
QUANDO A RUA VIRA CASA: da etnografia colaborativa a um programa de pesquisas urbanas.
O antropólogo Marco Antonio da Silva Mello (LeMetro/IFCS-UFRJ - PPGA UFF/ INCT/INEAC) proferirá na UENF, a palestra QUANDO A RUA VIRA CASA: da etnografia colaborativa a um programa de pesquisas urbanas. A atividade acontecerá no próximo dia 11 de setembro de 2019, às 15h, no miniauditório CCH e é promovida pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política.
Outras informações confira no cartaz
II Seminário Escolar de Pesquisa e Iniciação Científica
Pesquisadores do INCT-INEAC participaram, no último dia 30 de agosto de 2019, do II Seminário Escolar de Pesquisa e Iniciação Científica, no Colégio Estadual Walter Orlandini, em São Gonçalo. Durante a atividade aconteceram apresentações dos trabalhos desenvolvidos pelos bolsistas de PIBIC Ensino Médio UFF: Bruno Vianna, Gabriela de Oliveira, Jean Lucas Mangueira, João Victor Felix, Matheus Silva, Paula Carvalho e Rafaela Lima. O Seminário contou com a orientação e mediação do antropólogo e Professor Marcos Veríssimo e comentários do coordenador dp INEAC, antropólogo Roberto Kant, além do Doutorando do PPG em Sociologia e Direito da UFF Yuri Motta e do Graduando em Ciências Sociais da UFF Lucas Ribeiro Rocha. Na platéia a presença de cerca de 150 alunos que lotaram completamente o auditório.
Assista nesse link o II SEMINÁRIO ESCOLAR DE PESQUISA E INICIAÇÃO COENTÍFICA - https://youtu.be/Ee9ezGDWyo8
Intolerância religiosa ou genocídio do povo preto?
O site do INCT-INEAC reproduz aqui o artigo INTOLERÂNCIA RELIGIOSA OU GENOCÍDIO DO POVO PRETO, escrito pelas antropólogas Ana Paula Miranda (Professora de Antropologia UFF/ Pesquisadora INEAC), Roberta de Mello Corrêa (Pesquisadora INEAC/Bolsista CAPES), Rosiane Rodrigues de Almeida (Pesquisadora INEAC/Bolsista CAPES) e publicado no Blog Ciência e Matemática: https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/intolerancia-religiosa-ou-genocidio-do-povo-preto.html
Intolerância religiosa ou genocídio do povo preto?
Intolerância religiosa ou genocídio do povo preto?
Em 1989 foi protocolado o primeiro dossiê de ataques a terreiros na sede Ministério Público Federal, em Brasília, intitulado “A guerra santa fabricada”, pelo Instituto de Pesquisa e Estudos da Língua e Cultura Yorubá (IPELCY), hoje extinto. O documento consistia num conjunto de reportagens publicadas que informavam invasões, incêndios e depredações aos terreiros da região metropolitana do Rio de Janeiro, perpetrados por neopentecostais.
No final da década dos 2000 surgiu no Rio de Janeiro a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), criada por afrorreligiosos, que se uniram para reagir aos fatos noticiados pelo jornal Extra, que denunciava que traficantes do morro do Dendê, na Ilha do Governador, estariam proibindo adeptos de realizarem seus cultos e circularem pela favela com colares rituais (fios de conta) e estenderem roupas brancas em varais.
Acompanhamos todo o processo de criação da CCIR (Comissão de Combate à Intolerância Religiosa) e o esforço de produzir a primeira Caminhada pela Liberdade Religiosa, em Copacabana, em setembro de 2008. A realização de nossas pesquisas etnográficas resultou primeiramente na produção do II Relatório da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa sobre casos registrados na polícia e seus desdobramentos na justiça. Seguimos realizando as pesquisas sobre os processos de mobilização dos afrorreligiosos e o tratamento estatal às suas demandas, com destaque para análise de como as delegacias tratam as denúncias de vitimização dos adeptos de matrizes afro-brasileira, bem como acerca das ações judiciais nas varas criminais e pelos mediadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, evidenciando o esforço de mobilização da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa na luta pela criminação da intolerância religiosa a partir de sua tipificação segundo a Lei Caó (7.716/89). A tipificação da discriminação como um crime inafiançável, punível com pena de prisão de até cinco anos, era um desejo dos religiosos que colocavam em xeque as resistências dos diferentes agentes a tratar os casos como um crime de “maior potencial ofensivo”, já que eram sempre tratados como crimes de “menor potencial ofensivo”, o que resultava em quase nenhuma condenação dos agressores identificados.
Consideramos, na ocasião, que o “ressurgimento” de casos públicos de intolerância religiosa associados às religiões de matriz afro-brasileira estavam relacionados aos ataques de grupos neopentecostais aos cultos de matriz afro, que resultaram num cenário de mobilizações e manifestações políticas, em nível nacional, de defesa de reconhecimento e isonomia de direitos do povo de santo aos demais grupos de matriz cristã no que se refere às disputas pela presença no espaço e na esfera públicos. No entanto, diante da constatação do recrudescimento da violência contra os terreiros, já se tornava perceptível a “insuficiência” do termo intolerância religiosa para classificar os casos envolvendo os ataques dos neopentecostais aos terreiros no país.
Um divisor de águas foi o caso de Mãe Carmem de Oxum, ocorrido em setembro de 2017. Na ocasião foi divulgado um vídeo, atribuído a traficantes da Baixada Fluminense que viralizou nas redes sociais. A religiosa foi abordada por homens armados de pistolas, barras de ferro e cassetete (chamado de “Diálogo”), aos gritos de que a matariam na próxima vez e foi coagida a destruir seus objetos litúrgicos. O caso representa uma mudança de cenário dos conflitos de natureza religiosa e explicita o aumento da violência envolvendo os mesmos. Desde então, nas redes sociais têm circulado relatos de líderes religiosos que foram forçados, sob a presença de armamento pesado, a quebrar seus objetos de culto e deixar o próprio terreiro. Alguns dos casos chegaram a alcançar as mídias, sem que, no entanto, se tenha conhecimento do resultado dessas denúncias no que diz respeito à punição dos agressores.
Se antes era comum o relato de situações envolvendo relações de proximidade (vizinhos, parentes, colegas de trabalho), daquele momento em diante, os “algozes” passaram a ser traficantes e/ou milicianos, bem como os pastores de igrejas neopentecostais. Os fatos que obtiveram destaque na mídia, incluem desde assassinatos até emboscadas com tiros dirigidos ao carro de uma das vítimas. Este cenário sinaliza para um agravamento dos conflitos, fazendo com que o termo “intolerância religiosa” seja relativizado, inclusive pelo Ministério Público Federal (MPF) que, em 2018, publicou uma nota técnica classificando os casos ora como “crimes de ódio” e “racismo religioso”, ora como “atos terroristas” ou “genocídio”.
O caso é revelador de um novo cenário. O avanço de disputas que utilizam os confrontos religiosos como ‘cortina de fumaça’ para a dominação dos territórios em que a presença estatal não garante nem a mobilidade, muito menos a segurança da população. Na atualidade, os terreiros dos adeptos das tradições de matrizes afro se transformaram em obstáculos à expansão das redes criminosas, que exercem controle territorial armado e atuam em atividades econômicas ilícitas e irregulares na localidade, por meio da coação violenta como principal recurso de manutenção e reprodução de suas práticas.
A recente prisão de um grupo intitulado “Bonde de Jesus” é reveladora dos efeitos da penetração de evangélicos neopentecostais no sistema carcerário, num fenômeno que tem sido chamado de “narcopentecostalismo” no Rio de Janeiro. Mas a pressão a que são submetidos os religiosos para não denunciar as violências sofridas ocorre também em áreas dominadas por milicianos.
Apesar dos esforços dos poderes públicos, em especial, da Defensoria Pública e do Ministério Público, os religiosos não sentem segurança em denunciar as agressões, porque têm medo de sofrer represálias. Para os afrorreligiosos nem mesmo a criação da delegacia especializada para o Combate aos Crimes Raciais e de Intolerância no Estado do Rio de Janeiro (DECRADI) serviu para impedir o crescimento dos casos, de modo que já se fala na criação de uma nova legislação para enquadrar como ato de terrorismo o ataque às instituições religiosas.
As pesquisas indicam que este quadro de agravamento da violência não está restrito ao Rio, tendo sido percebido em outros estados, como o Pará e Amazonas – que registram número considerável de mortes de afrorreligiosos – assim como Alagoas, Bahia, Pernambuco, São Paulo, Sergipe e Rio Grande do Sul. O fenômeno dos ataques, que antes parecia restrito a uma disputa no campo das religiões, tem se apresentado como um “problema de segurança pública”, segundo os religiosos, que precisa ser enfrentado em outros termos. A destruição dos terreiros coloca em risco não só a afrorreligiosidade, mas todo um modo de vida e valores, relacionados à natureza e ao cuidado ao outro, que se reproduzem no espaço dos terreiros. Por essa razão os ataques têm sido considerados um novo “genocídio do povo preto” em terras brasileiras, numa clara violação da proteção constitucional do exercício dos direitos culturais oriundos da diversidade étnica e da liberdade de crença.
Eles que são militares que se desentendam: como governar pelo confronto
O site do INCT-INEAC disponibiliza aqui o artigo da antropóloga e cientista política Jacqueline Muniz (UFF) publicado nessa terça, dia 3 de setembro de 2019, no blog FACES DA VIOLÊNCIA https://facesdaviolencia.blogfolha.uol.com.br/2019/09/03/indulto-de-ex-policiais-e-estimulo-ao-desentendimento-entre-os-militares/
Eles que são militares que se desentendam: como governar pelo confronto
Jacqueline Muniz - UFF
O anúncio presidencial do indulto a ser concedido a ex-policiais condenados acontece no mesmo período do descobrimento do paradeiro do procurado número 1 do Brasil. Queiroz foi “achado”, ou melhor, mandou o recado público “lembrem-se de mim” através da Veja, deixando-se fotografar no mesmo hospital onde segue fazendo tratamento desde sua internação e local de sua última e autorizada aparição pública. Parece até coisa arranjada, não é mesmo? As lentes da revista foram curiosamente mais rápidas do que a moda persecutória dos vazamentos jurídicos-policiais. Foram, ainda, mais ágeis que os inúmeros smartphones de anônimos que circulam pelo complexo de saúde VIP, seus arredores e nos trajetos feitos pelo paciente, nacionalmente famoso, entre a casa e o centro de tratamento. Muitos deles ávidos por uma live ou foto indiscreta de subcelebridade que permita alguma fama instantânea com a viralização do flagrante do miliciano popstar nas redes sociais.
Há quem imagina, com boas razões, que a polêmica notícia do indulto de natal prometido pelo presidente aos “colegas presos por pressão da mídia” seria mais uma das suas pegadinhas para desviar ou dividir as atenções do caso Queiroz, diretamente ligado ao seu clã. Desta vez a tática usada trouxe um algo a mais. Simular que está a frente de tudo e de que nada foge do seu raio de ação. Para tanto, encena a ficção do comando e controle diretos, performando a fantasia do decisionismo do imediato extraído dos filmes de ação. Obtém-se, com isso, o efeito ilusório de que seria um comandante de artilharia de campanha que resolve tudo na hora, sem mediações e intermediários, sempre disposto a derrotar a lentidão creditada às regras democráticas e a perda de tempo com princípios republicanos.
A questão é que um Governante bate-pronto, com estilo Miojo Lamen, que finge reduzir os tempos da política à instantaneidade expressionista de suas pantomimas para as redes sociais, torna-se refém da necessidade continuada de sucessivos espetáculos histriônicos. Ao invés produzir acordos em torno de consensos mais amplos que produzam estabilidade no exercício de seu governo, precisa funcionar como animador de auditório que joga com a imprevisibilidade das suas reações para manter mobilizados aqueles que são identificados ou que podem ser mais facilmente cooptados como uma plateia fiel. Um dos públicos alvo deste espetáculo de conversão é o universo das praças das polícias militares.
A promessa de libertação de companheiros de farda “injustamente presos” fala alto aos corações e mentes dos PM da ponta que, salvo exceções, se vêem como os "filhos feios do Estado” e como maiores de rua abandonados pela sociedade. São as praças que experimentam as arbitrariedades do chamado militarismo do oficialato e o baixo reconhecimento social. São elas que se sentem perseguidas pelo regulamento disciplinar e pela pouca transparência das justiças militar e comum. São elas que clamam por uma alforria das práticas draconianas dentro dos quartéis que vivificam o lema “a motivação para trabalhar é a punição”. São elas, portanto, as presas mais fáceis da armadilha do indulto de natal. Seu efeito primeiro é renovar e ampliar adesões das fileiras policiais militares ao projeto de poder presidencial: só mesmo um irmão de farda que veio de baixo como nós pode entender o nosso lado e chegar junto!
Se o impacto normativo-legal do indulto tende a ser baixo, a sua manobra política possibilita obter ganhos elevados. Isto corresponde a explorar a tensão latente entre as forças militares policiais e combatentes. Uma demonstração estratégica de medição de força com cúpula das Forças Armadas: enquanto os generais governistas ou insatisfeitos contam com a lealdade disciplinada do oficialato, o presidente mobiliza a adesão afetiva, messiânica, das tropas das PM e do Exército. Se o alto comando militar busca executar um mando vertical a partir das dimensões institucional, corporativa e profissional das forças combatentes, o presidente busca exercer um mando horizontal por meio de uma linha direta e pessoalizada com os milhares de militares subalternos, violando, quando oportuno, os princípios da hierarquia e disciplina, tal como fazia durante sua interrompida carreira militar. Nunca foi tão oportuno estimular os conflitos estruturais entre praças e oficiais no Brasil.
Fica evidente que o capitão feito mandatário do país não tem o habitus que o reconheça como integrante autêntico da classe de oficiais. Seus modos de ser e estar, seus jargões e trejeitos corporais intencionalmente desalinhados e, ainda, seu humor cínico o aproximam do estereotipo do militar de baixa patente revoltado. Uma idealização poderosa do combatente perseguido e injustiçado que exerce um grande fascínio entre os subalternos, cotidianamente silenciados pelos dispositivos disciplinares obtusos e excluídos dos privilégios concedidos aos militares dos círculos superiores.
A promessa do indulto de natal aos ex-policiais de boba não tem nada. Não é somente um desvio de rota da estrada pantanosa que leva ao Queiróz. Trata-se de uma manobra discursiva menos para a sociedade, reduzida a expectadora, e mais para dentro das forças militares, que cumprem o desvio de função de se colocarem como fiadoras ou desabonadoras de governos eleitos. Explora os conflitos de doutrina, competências e capacidades entre as organizações militares combatente e policial. Estimula as rivalidades ocultas intensificadas pelo emprego frequente do exército no policiamento convencional e das PM em operações militares de larga escala nos espaços urbanos. Afinal, no lusco-fusco da promoção da “guerra contra o crime” tem-se militar combatente improvisando-se como policial e militar policial fazendo as vezes de combatente. Na prática, assiste-se o exército, ao seu contragosto, fazendo o papel de “força auxiliar e reserva” que caberia às PM.
É sabido dentro das casernas que as PM e o exército não comungam da mesma tradição militar e não são aliados de primeira hora. Uma piada popular entre os policiais expressa bem a rivalidade entre o tático-operacional da PM versus o operacional-tático do exército. Dizem que num enfrentamento entre as tropas das PMs e do EB a vitória ficaria com as PMs que possuem todo o seu efetivo disponível para pronto-emprego, ao passo que o Exército que só poderia fazer uso de um contingente reduzido para pronta-resposta, já que sua tropa se encontra em níveis distintos de prontidão.
O presidente de baixa patente por convicção sabe e parecer querer jogar com isso. Diante da possível torcida de narizes do generalato e do empresariado frente aos rumos de seu governo, o capitão, insolente e insubordinado por oportunidade, faz saber que poderia contar com policiais militares, compondo uma força particular, uma nova milícia em sua defesa. Aposta suas fichas no enfraquecimento da institucionalidade das polícias para melhor manipular seus integrantes. Seu embrulho anticrime também caminha na direção de reduzir ao mínimo os limites institucionais sobre os policiais. Pega uma carona no SUSP da lei que, por ingenuidade propositiva ou ambição política desmedida, possibilitou a promoção de um clube de serviços acima da necessária integração das organizações policiais, e cujos sócios são os agentes públicos armados de todo país à disposição do ministro extravagante da vez.
Agora a mensagem presidencial da promessa do indulto de natal parece clara: eles que são militares que se desentendam para que eu possa seguir brincando de imperador.
[11:27, 03/09/2019] Jacqueline Muniz: Oi segue o artigo se quiser divulgar no site
[11:27, 03/09/2019] Jacqueline Muniz: Bjs
MANIFESTO DOS COORDENADORES DOS INSTITUTOS NACIONAIS DE CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO (INCT) EM DEFESA DA CT&I E DAS AGENCIAS FEDERAIS DE FOMENTO À PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA
MANIFESTO DOS COORDENADORES DOS INSTITUTOS NACIONAIS DE CIÊNCIA TECNOLOGIA E INOVAÇÃO (INCT) EM DEFESA DA CT&I E DAS AGENCIAS FEDERAIS DE FOMENTO À PESQUISA CIENTÍFICA E TECNOLOGICA
A CAPES e o CNPq foram criados em 1951 com missões especificas. O CNPq é responsável por fomentar a Ciência, a Tecnologia e a Inovação, e atuar na formulação de suas políticas, contribuindo para o avanço das fronteiras do conhecimento, o desenvolvimento sustentável e a soberania nacional. A CAPES, por outro lado, tem a missão de "assegurar a existência de pessoal especializado em quantidade e qualidade suficientes para atender às necessidades dos empreendimentos públicos e privados que visam ao desenvolvimento do país". Na década seguinte foi criada a FINEP com a missão de promover o desenvolvimento econômico e social do Brasil por meio do fomento público à Ciência, Tecnologia e Inovação em empresas, universidades, institutos tecnológicos e outras instituições públicas ou privadas. As missões do CNPq, CAPES e FINEP são distintas e complementares, pois o CNPq atua prioritariamente no apoio aos pesquisadores individualmente em todos os níveis e aos estudantes de ensino médio e de graduação – através dos exitosos programa de iniciação científica – e pósgraduação. A CAPES é prioritariamente focada no apoio às pós-graduações das Instituições de Ensino Superior, enquanto a FINEP apoia projetos de infraestrutura e grandes equipamentos em Instituições de Ciência e Tecnologia, públicas e privadas, bem como a inovação em empresas. Em resumo, a manutenção do CNPq, CAPES e FINEP cumprindo as suas respectivas missões é fundamental para o desenvolvimento Educacional, Científico e Tecnológico do Brasil. Em 2008 o CNPq liderou a criação de uma iniciativa abrangente, os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia, em alinhamento com as Áreas Estratégicas da Política Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação com a participação direta da CAPES e em parceria com as Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa e a FINEP, gestora do FNDCT. Naquela época o Programa INCT envolveu 125 projetos distribuídos em todas as regiões do País. Dele participam 6.794 pesquisadores e 1.937 instituições associadas a pesquisas em temas de fronteira. A produção científica dos INCTs revelou-se expressiva, totalizando 70.389 registros, entre livros (905), capítulos de livros (4.255), artigos publicados em periódicos nacionais indexados (7.995), artigos publicados em periódicos internacionais indexados (26.215), trabalhos apresentados em congressos nacionais (21.043), trabalhos apresentados em congressos internacionais (14.261), softwares (242), produtos (1.845), processos (130) e produções artísticas (88) Outro impacto bastante relevante é a cooperação nacional. Foram realizadas 454 parcerias com outros INCTs, 167 acordos com instituições nacionais; além disso, 263 laboratórios nacionais estão associados aos INCTs. Por outro lado, foram celebrados pelos INCTs 787 acordos de cooperação internacional, houve a participação de 1.318 pesquisadores estrangeiros nas pesquisas, 139 empresas e 376 laboratórios internacionais. Com relação à propriedade intelectual, foram registrados 578 depósitos de patentes, 265 concessões e 12 já comercializadas. Na cadeia de inovação destaca-se a geração de conhecimentos com potencial aplicação tecnológica, sendo 63 provas de conceito, 54 projetos piloto, 38 escalonamentos além da bancada, 51 ações em desenvolvimento final de processo ou produto, dentre outros. O impacto envolvendo a formação de recursos humanos e a transferência de conhecimento pode ser dimensionado com a criação de 566 disciplinas em 79 programas de pós-graduação a realização de 1.568 eventos científicos, as 111 parcerias estabelecidas com órgãos estaduais de educação e as 4.232 iniciativas de divulgação, envolvendo vídeos, jornais, cursos, palestras, cartilhas etc. Sem dúvida, uma iniciativa de grande sucesso!!!. A segunda fase dos INCTs foi formalizada em 2016, com liberação de recursos em dezembro de 2016. Atualmente, são 102 INCTs com presença em todas as regiões do País atuando em áreas altamente estratégicas tais como: Saúde, Ecologia e Meio Ambiente, Ciências Exatas e Naturais, Ciências Humanas e Sociais, Ciências Agrárias, Engenharia e Tecnologia da Informação, Energia e Nanotecnologia. Nesse sentido, os Coordenadores dos INCTs manifestam-se pela restauração do orçamento, pela eliminação do contingenciamento de recursos e pela preservação do CNPq, CAPES e FINEP, instituições que, no âmbito federal, foram responsáveis pela consolidação da Pós-Graduação e pelo desenvolvimento cientifico e tecnológico que levaram o Brasil à posição de destaque no cenário mundial de CT&I. A fusão ou a extinção de Agências representará uma ação temerária, irreversível e um sério prejuízo para o desenvolvimento da nossa nação. Em defesa da C,T&I no Brasil!
Assinam o Manifesto os Coordenadores dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia.
Adalberto Val, INCT Adapta Afonso Luis Barth,- INCT – INPRA Alvaro Toubes Prata, INCT-Refrigeração e Termofísica Amauri Alcindo Alfieri, INCT - Leite Anderson Gomes, INCT Fotônica Antonio Carlos Campos de Carvalho - INCT-REGENERA. Antonio Martins Figueiredo Neto, INCT de Fluidos Complexos Augusto Cesar Alves Sampaio, INCT de Engenharia de Software (INES) Belita Koiller, INCT de Informação Quantica Carlos Morel, INCT-IDPN Celio Pasquini, INCTAA - Instituto Nacional de Ciências e Tecnologias Analíticas Avançadas Charbel El-Hani, INCT IN-TREE Carisi A Polanczyk, INCT para Avaliação de Tecnologias em Saúde Deisy de Souza, INCT-ECCE Diogo Souza - INCT Doenças Cerebrais, Excitotoxicidade e Neuroproteção Edgar Carvalho, INCT-DT (Doenças Tropicais) Elibio Leopoldo Rech Filho, INCT Biologia Sintética Eliezer J. Barreiro, INCT INOFAR Euripedes Constantino Miguel, INCT de Psiquiatria do Desenvolvimento (INPD) Evaldo Mendonça Fleury Curado, INCT-SC Fabio Kon, INCT da Internet do Futuro para Cidades Inteligentes Fernando Galembeck, INCT Inomat Fernando José Gomes Landgraf, INCT Terras Raras Fernando Lázaro Freire Junior, INCT Engenharia de Superfícies Helio Leães Hey, INCT Geração Distribuída de Energia Elétrica Henrique Krieger, INCT sobre Epidemiologia da Amazonia Hernandes F Carvalho, INCT-INFABiC Jailson Bittencourt de Andrade, INCT de Energia e Ambiente Jefferson Cardia Simões, INCT da Criosfera Jerson Silva, INCT de Biologia Estrutural e Bioimagem José Alexandre Felizola Diniz Filho, INCT Ecologia, Evolução e Conservação da Biodiversidade João B. Calixto, INCT-INOVAMED José Krieger, INCT-MACC José Luiz Rezende Pereira, INCT de Energia Elétrica - INERGE José Marengo, INCT Mudanças Climáticas Fase 2 José Maria Landim Dominguez, INCT AmbTropi José Roberto Postali Parra, de Semioquímicos na Agricultura Jorge Elias Kalil Filho, INCT de Investigação em Imunologia Lauro Tatsuo Kubota, INCT de Bioanalítica Leonardo Avritzer, INCT- da Democracia e da Democratização da ComunicaçãoLuisa Massarani, INCT de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia Luiz Goulart, INCT-Teranano Luiz Nicolaci da Costa, Coordnador INCT do e-Universo Luisa Massarani, INCT de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia Marcel Bursztyn, INCT Observatório das Dinâmicas Socioambientais Marco Henrique Terra, INCT - Sistemas Autônomos Cooperativos Marcos Buckeridge, INCT do Bioetanol Marcos Pimenta, INCT Nanomateriais de Carbono Maria Fátima das Graças Fernandes da Silva, INCT-CBIPF Maria Fatima Grossi de Sá, INCT - Plant Stress Biotech Maria Valnice Boldrin, INCT-DATREM Mariangela Hungria - INCT- (MPCPAgro) Mario José Abdalla Saad, INCT Obesidade e diabetes Maria Vitória Lopes Badra Bentley - INCT Nanofarma Mário Lúcio Vilela de Resende, INCT do Café Mauro Teixeira, INCT em Dengue Mayana Zatz, INCT Envelhecimento e Doenças Milton Porsani, INCT de Geofísica do Petróleo Niro Higuchi, INCT - Madeiras da Amazônia Otavio Franco, INCT Bioinspir Paulo Arruda - INCT- Centro de Química Medicinal de Acesso Aberto Paulo Teixeira de Sousa Júnior, INCT-Áreas Úmidas Pedro Lagerblad de Oliveira, INCT Entomologia Molecular Poli Mara Spritzer, INCT em Hormônios e Saúde da Mulher Reinhardt Fuck, INCT Estudos Tectônicos Renato Boschi, INCT PPED Ricardo Gazzinelli, INCT-Vacinas Roberto Esser dos Reis, INCT Forense Roberto Giugliani, INCT -INAGEMP Roberto Kant de Lima, INCT – InEAC Roberto Lent, O INNT - Neurociência Translacional Roberto Mendonça Farias, NCT de Eletrônica Orgânica Rochel Montero Lago, INCT Midas Sebastião C. Velasco e Cruz, INCT Ineu, Estudos sobre os Estados Unidos Sebastião Valadares, INCT de Ciência Animal Sergio de Azevedo, INCT Observatório das Metrópoles. Takeshi Kodama, INCT-FNA, Física Nuclear e Aplicações Vanderlan Bolzani, INCT BioNat Vanderlei S. Bagnato - INCT em Óptica Básica e aplicada as ciências da vida Vilma Regina Martins, INCT de Oncogenômica e Inovação Terapêutica Wagner Farid Gattaz, INCT de Biomarcadores em Neuropsiquiatria (INBioN) Wilson Gomes, INCT de Ciência & Tecnologia em Democracia Digital Wilson Savino, INCT de Neuroimunomodulação
II Seminário Escolar de Pesquisa e Iniciação Científica
A Universidade Federal Fluminense e o Laboratório Escolar de Pesquisa e Iniciação Científica realizam em São Gonçalo - RJ, nessa sexta, dia 30 de agosto de 2019, o II Seminário Escolar de Pesquisa e Iniciação Científica, que tem o apoio e conta com pesquisadores do INCT INEAC participando da organização do evento.
II Seminário Escolar de Pesquisa e Iniciação Científica
Programação:
• Mesa de apresentação dos resultados parciais e finais dos trabalhos desenvolvidos pelos bolsistas PIBIC Ensino Médio.
➢ Apresentações (bolsistas): Bruno Vianna, Gabriela de Oliveira, Jean Lucas Mangueira, João Victor Felix, Matheus Silva, Paula Carvalho e Rafaela Lima.
➢ Comentários: Roberto Kant de Lima, Yuri Motta e Lucas Ribeiro Rocha.
➢ Mediação: Marcos Verissimo
Local: Auditório do Colégio Estadual Walter Orlandini, Rua Francisco Portela, 794, Paraíso, Sâo Gonçalo (RJ). Horário: 14:00 às 16:00.
Da fabricação do medo ao voto de cabresto: estratégias das milícias no avanço sobre o Estado. Entrevista especial com Ana Paula Mendes de Miranda
O site do INEAC reproduz aqui entrevista de João Vitor Santos, publicada no Instituto Humanitas Unisinos, com a antropóloga Ana Paula Mendes de Miranda (UFF), pesquisadora também vinculada ao INCT/INEAC.
Da fabricação do medo ao voto de cabresto: estratégias das milícias no avanço sobre o Estado. Entrevista especial com Ana Paula Mendes de Miranda
O episódio da semana passada, quando Willian Augusto da Silva, de 20 anos, foi morto depois de ter feito reféns os passageiros de um ônibus em plena Ponte Rio-Niterói, trouxe novamente para a pauta do dia o debate sobre a violência na cidade do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. Tida como uma ação exitosa da polícia, o caso chegou a ser usado pelo governador do Rio, Wilson Witzel – que quando soube da morte do sequestrador e da liberação das vítimas pousou de helicóptero no meio da Ponte e saiu vibrando como quem marcara um gol –, como pretexto para discutir a legislação para que policiais “abatam” (na linguagem dele) criminosos. Para a socióloga e antropóloga Ana Paula Mendes de Miranda, essa é uma estratégia, uma “cortina de fumaça”, para inebriar o principal debate acerca da violência: “a principal causa de violência no Rio de Janeiro é o crescimento das milícias. O tráfico de drogas hoje já não é mais tão lucrativo assim, por uma série de razões”, aponta.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, a professora explica que o tráfico de drogas mudou muito e o “negócio” não é mais tão lucrativo quanto foi no passado. Enquanto isso, a milícia vai se organizando tanto no fornecimento de serviços, públicos e privados, que não chegam à periferia, quanto na associação com o próprio tráfico. “A milícia é um grupo paramilitar formado por pessoas da ativa ou não”, explica. Composta por ex-policiais, às vezes expulsos das corporações por crimes, o grupo é bem diversificado, contendo ainda “membros do corpo de bombeiros, guardas municipais, agentes penitenciários, pessoas das forças armadas” e, em alguns casos, agindo em cooperação com o tráfico. “A milícia é a privatização da segurança. É a institucionalização da privatização da segurança”, resume a professora.
Ana Paula ainda observa que, embora façam a gestão de serviços extremamente lucrativos, o capital da milícia é outro. “A fabricação do medo; é essa mercadoria que está sendo negociada o tempo todo. As pessoas que se recusam a pagar as taxas que eles cobram são assaltadas, coagidas ou mortas por eles”, ressalta. E isso se dá porque há uma confusão entre proteção e segurança. “A proteção é um bem comerciável: eu vendo e quem tem dinheiro compra. A segurança, que deveria ser o objetivo da política, é um bem intangível, não é negociável. Segurança ou todo mundo tem ou ninguém tem. Não tem como eu ter segurança e o morador da favela não ter, porque segurança é um bem coletivo”, esclarece.
E na gestão do produto que esses mesmos grupos produzem, as milícias vão se alastrando sobre o tecido social, indo do poder de polícia ao poder político. “As milícias já assumiram uma força política no Estado. Eu não diria que a milícia vai controlar o Estado; ela já controla. A morte de Marielle [Franco] é um exemplo claro de como eles já controlam o Estado”, dispara. É por isso que Ana Paula não se diz surpresa com o sucesso de determinados políticos dada a proximidade deles com os milicianos. “A população, coagida pelo medo, vai votar para não sofrer represálias. As milícias são hoje o voto de cabresto contemporâneo, indiscutivelmente; isso já é um fato”, resume.
Ana Paula Mendes de Miranda é graduada e licenciada em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense - UFF, doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo - USP. Atualmente, é professora associada do Departamento de Antropologia e professora do quadro permanente do Programa de Pós-Graduação em Antropologia e do Mestrado Acadêmico em Justiça e Segurança, ambos da UFF. Exerce também os cargos de coordenadora do Curso de Especialização em Políticas Públicas de Justiça Criminal e Segurança Pública e de coordenadora adjunta dos Programas Profissionais da área de Antropologia e Arqueologia (CAPES) e, igualmente, de coordenadora geral do projeto de P&D “Mapa de percepção de riscos: Metodologia multimétodo para análise de territorialidades afetadas pelo domínio armado”. O resultado do trabalho desse projeto está sendo lançado num livro com o mesmo nome, pela editora Autografia, organizado conjuntamente com as professoras Jacqueline de Oliveira Muniz e Roberta de Mello Corrêa.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Qual a sua leitura sobre os desdobramentos do sequestro ao ônibus na ponte Rio–Niterói?
Ana Paula Mendes de Miranda – Preciso esclarecer que como eu não estava no Rio de Janeiro no dia do sequestro, estava em Brasília, não acompanhei todo o caso, como ocorreu na ocasião do ônibus 174, que acompanhei bastante. Então, acompanhei esse último caso mais tardiamente, e não em tempo real. Para nós, que somos pesquisadores, isso faz diferença.
Dito isso, destaco um aspecto que não foi muito explorado neste caso. Simultaneamente ao sequestro, estava ocorrendo uma operação policial na Cidade de Deus, que teve a utilização de bombas: os policiais jogavam bombas de gás lacrimogênio a partir do helicóptero. Temos aí uma questão ligada à política de segurança que é a legitimação de táticas e estratégias operacionais que são alvo de questionamento por parte da população e que, muito provavelmente, precisariam ser repensadas e revistas.
Aí, no caso do ônibus, tem uma coisa muito importante: falou-se muito que esta operação seguiu os protocolos. Os pesquisadores que atuam nesta área sabem que este é um dos principais problemas da polícia no Brasil: não há protocolos claros seguidos regularmente pelas instituições policiais. Esse é um aspecto sobre o qual precisamos pensar, porque quando se fala de protocolos, internacionalmente, trata-se de uma coisa que vamos fazer sempre, em qualquer circunstância, independentemente dos atores. E não foi bem isso que vimos.
O fato de, ao mesmo tempo, estar acontecendo um episódio num lugar e uma operação policial numa outra área da região metropolitana, coloca um ponto muito importante para pensarmos: para que serve a política de segurança? Esse é o principal desdobramento deste caso. Há décadas temos tido políticas de segurança que servem para produzir inseguranças. Isso nos faz pensar numa questão bastante controversa, que foram os desenhos que as crianças da Maré fizeram recentemente, em que o helicóptero aparecia centralmente como uma coisa que estava ali e trazia mais medo do que segurança.
Há várias pesquisas mostrando como as pessoas “morrem de medo” de andar de ônibus. O ônibus faz parte do cenário de uma política de produção de insegurança - Ana Paula de Miranda
Precisão não avaliza política de segurança
A despeito de ter sido a ação precisa do sniper – não estou me centrando nisso, mas pensando isso no conjunto –, é preciso que fique claro que uma ação que pode ter sido precisa não significa necessariamente que a política de segurança seja correta. Então, o principal desdobramento desta ação é trazer novamente à baila o que temos como resultado das políticas de segurança no Rio de Janeiro: o aumento da insegurança.
Insegurança e transporte público
O que significa sequestrar um ônibus? Para além de uma situação desesperada, que fica evidente no caso desse rapaz – mas que no caso do Sandro [do ônibus 174] não foi tão evidente porque, de alguma forma, o fato de ele ter sido um sobrevivente da Chacina da Candelária fez com que todo mundo o tratasse como um “bandido” –, sequestrar um ônibus está dentro de um contexto de assaltos a ônibus. Vi poucas pessoas falando sobre isso, e este é um crime que tem crescido. Somente neste ano, na cidade do Rio de Janeiro, cresceu cerca de 14%. Mas na região de São Gonçalo, de onde vinha este ônibus, cresceu 20%.
O ônibus é o principal meio de transporte das grandes cidades brasileiras. Então, ele tem um simbolismo e há várias pesquisas mostrando como as pessoas “morrem de medo” de andar de ônibus. O ônibus faz parte deste cenário de uma política de produção de insegurança. O episódio conseguiu encerrar o sequestro, mas quais são as ações que estão sendo feitas para diminuir os assaltos a ônibus que podem derivar numa situação dessas?
Os episódios do Sandro e do William [jovem do caso da ponte Rio-Niterói] foram equivalentes nesse sentido. Um episódio diferente aconteceu em 2011, quando um rapaz branco saiu de uma festa, viu um ônibus parado no ponto, pegou o ônibus e saiu. Ele estava drogado, alcoolizado e esse episódio resultou em oito colisões: ele bateu em carros de passeio, em ônibus, em táxis e em um carro da polícia militar. O rapaz não foi morto. Ele era branco, classe média, foi chamado de jovem, de estudante.
Para o que estou tentando chamar atenção nesse caso em oposição aos outros dois casos? É que nem sempre a gana por precisão de matar os bandidos acontece quando estamos lidando com pessoas brancas. Essa é uma questão que temos que considerar quando se trata da política de segurança. A política de segurança do governador [Wilson Witzel], que legitima que se deve atirar primeiro, resultou na morte de vários jovens, como a de um rapaz que tinha chuteiras na mochila. E o policial disse, depois da morte do garoto: “E não tinha nada...”. Ou seja, essa é a política do atira primeiro e pergunta depois, cuja consequência é o genocídio da população preta.
Essa é a política do atira primeiro e pergunta depois, cuja consequência é o genocídio da população preta - Ana Paula de Miranda
IHU On-Line – Por que houve um aumento dos assaltos a ônibus no Rio de Janeiro?
Ana Paula Mendes de Miranda – Só se fala que cresceram os índices de assalto no Rio de Janeiro, sem muita explicação. Obviamente isso tem a ver com a estratégia de política de repressão ao tráfico de drogas. O tráfico de drogas é uma atividade criminosa e tem dentro do seu escopo uma rede de custos que tem que ser mantida, o que inclui o “arrego” pago aos policiais. Então, quando se reprime o tráfico de drogas numa determinada área e o custo operacional do tráfico continua valendo, vai continuar aumentando o crime em outras áreas, áreas geográficas e tipos de crimes, porque a rede criminosa precisa continuar funcionando.
Geralmente quando se tem um aumento de repressão às facções, tem aumento de assalto e esse aumento vai acontecer em diferentes contextos. O roubo em coletivos de ônibus é um deles, porque é onde ainda se tem dinheiro vivo circulando. Claro que hoje muitas pessoas usam o cartão de acesso ao ônibus, mas muitos ainda pagam em dinheiro. Hoje em dia, quase todas as pessoas no ônibus têm celular e isso se transforma em dinheiro muito rapidamente, porque existe um mercado ilegal em torno da revenda ou desbloqueio de celulares.
Assim, o ônibus tem uma centralidade na circulação de capitais e, do ponto de vista simbólico, ele é um bem de mobilidade que leva as pessoas das regiões afastadas para o centro da cidade. São Gonçalo é uma cidade-dormitório. Por acaso, este ano estou lançando um livro com duas colegas, no qual apresentamos uma pesquisa que fizemos em São Gonçalo e Caxias [“Mapa de Percepção de Riscos: Metodologia multimétodo para análise de territorialidades afetadas pelo domínio armado”. Rio de Janeiro: Autografia, 2019], sobre um mapeamento das áreas violentas, e garanto que o mapa que fizemos em São Gonçalo é um mapa de uma cidade muito marcada por crimes.
E ninguém discutiu problemas como os de São Gonçalo. Ficam discutindo se a polícia pode ou não matar. É evidente que a polícia pode matar; ela é uma instituição criada para isso. Mas o problema não é que ela pode matar, mas como, quando e em que circunstâncias ela vai matar. Então, acabamos desvirtuando totalmente a discussão para um detalhe e abandonamos tudo o mais que é importante, que é em que situações a polícia estará autorizada a atirar em uma pessoa. Evidentemente que, como no caso do ônibus, se havia o risco para todas as outras pessoas, a ação em si está legitimada. Mas daí comemorarmos... Esse é o problema em relação ao que aconteceu, porque o governador comemorou – depois ele disse que não comemorou, mas comemorou – a morte do William.
Interferência política
Tentou-se dizer que este episódio foi diferente do ônibus 174 porque não houve interferência política, mas é mentira: evidente que houve interferência política e toda ação da polícia é política. O ato de ter autorização para matar é um ato político. Talvez estejam querendo dizer que não é um ato partidário, porque o que se dizia na época do governo Garotinho [Anthony Garotinho era governador à época do ônibus 174], era que o governador teria impedido que um sniper atirasse para não haver um assassinato em rede nacional.
O estado do Rio de Janeiro já está dominado pelas milícias - Ana Paula de Miranda
Então, nesse sentido, descemos um degrau e agora se autoriza um assassinato em rede nacional – ou melhor, em rede internacional, porque isso foi transmitido internacionalmente. Se alguém acha que isso é positivo, eu, particularmente, acho que não é. Até o último minuto temos que tentar evitar a morte, do ponto de vista da ação política – não estou discutindo a questão tática e estratégica, porque não tenho formação.
IHU On-Line – De que forma o crime organizado se relaciona com as milícias e como essas duas entidades redesenham o quadro da violência no Rio de Janeiro?
Ana Paula Mendes de Miranda – Esse é o principal ponto. A principal causa de violência no Rio de Janeiro é o crescimento das milícias. A partir desta pesquisa que fiz em São Gonçalo e em Duque de Caxias, fica evidente que o que está em disputa é o controle territorial para a realização de atividades criminosas, sejam elas quais forem. O tráfico de drogas hoje já não é mais tão lucrativo assim, por uma série de razões.
Primeiro, mudou o perfil do consumo de drogas. O tráfico de drogas que está nas favelas é um tipo de tráfico que não interessa mais tanto à classe média alta. O segundo ponto é o custo do tráfico: o “arrego”, o aluguel das armas e as milícias, que controlam o “gato net”, que é como chamamos o acesso às televisões, wi-fi, o controle da venda de gás, do moto-táxi, do furto de energia – tem uma rede institucional que vende o serviço de energia, concorrendo com as empresas concessionárias. Tudo isso é altamente lucrativo.
No caso de São Gonçalo, o prejuízo da empresa de energia é de mais de 50%. Imagina o que é para uma empresa concessionária o prejuízo. Com perdas de mais de 50%, qualquer empresa pode falir. Esse caso era tratado como um caso individual, mas provamos que não é um caso individual, porque existe um esquema industrial de furto de energia que concorre com a empresa. Tudo isso é controlado pela milícia e pelo tráfico, para categorizarmos em dois setores apenas, porque muitas vezes traficantes e milicianos são sócios.
Existe um esquema industrial de furto de energia que concorre com a empresa. Tudo isso é controlado pela milícia e pelo tráfico, para categorizarmos em dois setores apenas, porque muitas vezes traficantes e milicianos são sócios - Ana Paula de Miranda
Milícia e sensação de segurança
Essa ideia romantizada de que a milícia vem para evitar o crime na sua área, não é necessariamente verdadeiro. Eu diria que não é empiricamente verdadeiro, dependendo da área. Existem áreas em que milicianos adotam essa postura, da mesma forma em que há áreas em que traficantes adotam essa postura, e isso aparece na nossa pesquisa em São Gonçalo: tinha uma região da cidade em que o tráfico de drogas não deixava fazer assalto na região. Não é só o miliciano que não deixa; o traficante também não deixava.
Isso leva a um equívoco muitas vezes na análise dos dados, porque há regiões em que se pensa que acabou o assalto, mas na verdade as pessoas estão sob outro regime de medo: o da extorsão. O que garante o poder dos milicianos e dos traficantes? A fabricação do medo; é essa mercadoria que está sendo negociada o tempo todo. As pessoas que se recusam a pagar as taxas que eles cobram são assaltadas, coagidas ou mortas por eles. Há relatos de pessoas que foram assassinadas porque se recusaram a pagar as taxas cobradas pelos milicianos. Vi recentemente uma matéria sobre uma área de condomínios de moradores das forças armadas que são cobrados pelos milicianos, mas eles têm desconto em relação às taxas cobradas dos outros moradores, em nome de uma proteção.
O que garante o poder dos milicianos e dos traficantes? A fabricação do medo; é essa mercadoria que está sendo negociada o tempo todo - Ana Paula de Miranda
Aí temos um ponto-chave: proteção não é segurança. Há uma confusão, nesse cenário, de que estamos falando da mesma coisa. A proteção é um bem comerciável: eu vendo e quem tem dinheiro compra. A segurança, que deveria ser o objetivo da política, é um bem intangível, não é negociável. Segurança ou todo mundo tem ou ninguém tem. Não tem como eu ter segurança e o morador da favela não ter, porque segurança é um bem coletivo. Uma área segura é uma área para todos, sempre, indistintamente.
Como o brasileiro tem muita dificuldade de entender o que é direito, porque entendemos direito como privilégio, a fantasia é segmentada: quem mora na zona sul do Rio de Janeiro acha que a zona sul pode ser segura e não tem problema o que está acontecendo na periferia ou na favela, porque quem mora na zona sul paga pela sua segurança. Mas o fato é que ela não paga pela segurança, ela paga por outras coisas. Por segurança todo mundo paga. Segurança é um bem intangível, como deveriam ser também os direitos à saúde e à educação, que são os direitos protegidos por legislações constitucionais no mundo todo. São bens de atividade obrigatória do Estado.
A milícia é a privatização da segurança. É a institucionalização da privatização da segurança. Quando a classe média larga de mão o SUS e opta pelo plano de saúde, ela opta pela privatização da saúde. A milícia é uma opção pela privatização da segurança; só terá segurança quem paga. Mas é uma ilusão achar que se terá segurança pagando para a milícia, porque não vai ter. A milícia cobra até do próprio militar.
Proteção não é segurança. A proteção é um bem comerciável: eu vendo e quem tem dinheiro compra. A segurança, que deveria ser o objetivo da política, é um bem intangível, não é negociável. Ela é um bem coletivo - Ana Paula de Miranda
IHU On-Line – As milícias são forças policiais paralelas que, dado o seu poder, podem acabar assumindo uma força política no Estado?
Ana Paula Mendes de Miranda – As milícias já assumiram uma força política no Estado, mas eu não gosto de usar a expressão “paralela”. A milícia é um grupo paramilitar formado por pessoas da ativa ou não. A milícia é composta por ex-policiais que podem ter sido expulsos da corporação por crimes, como pode ter pessoas da reserva, e não só policiais, mas membros do corpo de bombeiros, guardas municipais, agentes penitenciários, pessoas das forças armadas. Ou seja, tem uma composição diversificada de pessoas da ativa ou não, com uma força paramilitar que já controla o Estado.
Eu não diria que a milícia vai controlar o Estado; ela já controla. A morte de Marielle [Franco] é um exemplo claro de como eles já controlam o Estado. Recentemente, tivemos a notícia de mais um vereador assassinado em Maricá, também região metropolitana do Rio de Janeiro. O The Intercept fez uma matéria sobre o número de vereadores assassinados, e o número é enorme, assustador, principalmente na Baixada Fluminense. Isso mostra que a milícia já tem o controle. Além disso, quando a milícia impede grupos partidários de entrarem em determinadas regiões para fazerem campanha eleitoral, temos as milícias controlando a política do Estado.
Quando se diz que fulano – vou evitar dizer nomes – foi o mais votado, beltrano foi o segundo mais votado em tal região, todos eles ligados à milícia, é evidente que a população, coagida pelo medo, vai votar neles para não sofrer represálias. As milícias são hoje o voto de cabresto contemporâneo, indiscutivelmente; isso já é um fato. O estado do Rio de Janeiro já está dominado pelas milícias. Mas eu gostaria de chamar atenção de que não é somente o estado do Rio de Janeiro: há outros estados, embora o fenômeno ainda esteja mascarado.
Não diria que a milícia vai controlar o Estado; ela já controla. A morte de Marielle [Franco] é um exemplo claro de como eles já controlam o Estado - Ana Paula de Miranda
Milícias para além do Rio de Janeiro
Por que digo isso? Porque uma coisa que tenho estudado há dez anos, que é a destruição dos terreiros de Candomblé, já está acontecendo no Nordeste. Essa destruição está vinculada a esse fenômeno: o que está em disputa não é só a destruição do terreiro, mas o espaço do terreiro, porque se precisa daquela área para especulação imobiliária, que é outro ramo muito lucrativo das milícias no Rio de Janeiro.
Lembrem do prédio que desabou no Rio de Janeiro recentemente. Aquilo era área de milícia e uma área em que não se podia construir, ainda mais do jeito como foram construídos os prédios. Estamos diante de um cenário equivalente ao que aconteceu com o México, o qual passou por um processo muito grave de “miliciarização” e foram décadas para conseguir romper com isso.
IHU On-Line – A milícia surge como um poder paramilitar. Como esse poder se associa com o tráfico e como chega ao Estado? Pode recuperar historicamente qual é a origem desse processo em que a milícia surge e se alastra até chegar ao Estado?
Ana Paula Mendes de Miranda – Um professor da Universidade Estadual Rural do Rio de Janeiro estuda a atuação dos grupos de extermínio na Baixada Fluminense desde a ditadura militar. Ele associa a ditadura à organização desses grupos. O que eu diria em relação a isso é que sim, temos uma relação com a ditadura militar, mas os grupos de extermínio associados à ditadura militar naquela época na Baixada Fluminense – e aí eu discordo um pouco do professor – tinham um pouco a lógica de limpar o terreno para não ter assalto. Tinha a ideia da proteção particularizada. Hoje, o cenário é diferente. Podemos ter tido aquilo que ele menciona como um fenômeno histórico e podemos associar as milícias a um momento da ditadura militar, e não é por acaso que alguns desses atores são defensores de um militarismo, de um nacionalismo violento, mas hoje a situação é diferente.
Hoje, quando estamos lidando com esse poderio miliciano, o que está em disputa é o domínio do território. Não é só o domínio do poder do ponto de vista da conquista do território, mas o domínio comercial. O interesse é financeiro; esse pessoal está na especulação para ganhar dinheiro e para isso eles cobram com o medo porque vendem proteção. A milícia é uma atividade comercial. O que está em jogo aí é a disputa pelos mercados ilegais. Eu prefiro a interpretação do professor Michel Misse, meu colega da UFRJ, que está preocupado com a construção dos mercados ilegais e dos mercados legais, que tem a ver com a regulamentação do consumo das drogas. O mundo todo está fazendo esta discussão, mas no Brasil nós nos recusamos a isso.
Em termos de custos, o custo da violência é infinitamente mais alto. Aí se pergunta o que fazer com os dependentes químicos. Tem que tratá-los na saúde; é mais barato. Estou pensando do ponto de vista da política e não do ponto de vista moralista. Não estou defendendo o uso de drogas ao dizer isso, mas falando o que significa morar na Cidade de Deus: existem pesquisas mostrando que os moradores da Cidade de Deus e do entorno têm uma perda de dias letivos que corresponde a quase um mês a menos do que todos os moradores do resto da cidade; isso não tem como recompor. Esses meninos não vão passar no vestibular e terão uma formação pior do que a dos outros. Isso tem um custo político.
O que significa morar na Cidade de Deus? Existem pesquisas mostrando que os moradores da Cidade de Deus e do entorno têm uma perda de dias letivos que corresponde a quase um mês a menos do que todos os moradores do resto da cidade; isso não tem como recompor - Ana Paula de Miranda
Cidade de DeusEu falo muito da Cidade de Deus porque tenho uma orientanda que mora num condomínio que fica ao lado de uma das entradas da Cidade de Deus. Já perdi a conta de quantos compromissos de trabalho essa moça perdeu por não conseguir sair. Quando ela consegue sair, fica num desespero de não conseguir voltar para casa, porque o filho dela, um menino de 13 anos, está sozinho. Esse é um caso que acompanho pessoalmente.
O custo dessas coisas não é considerado quando temos uma política do atira primeiro e pergunta depois. Ao dizer isso, não estou defendendo que o bandido tenha direito de estar armado. Evidentemente que não. Mas se quisermos tirar as armas dos bandidos da favela, que tal começarmos a investigar de onde vem a munição, as armas que são vendidas pelas forças armadas? O que digo é que ficamos produzindo eventos midiáticos de “vamos atirar em qualquer um”, “vamos prender qualquer um” e, com isso, ficamos matando pessoas que andavam com uma furadeira elétrica, com uma chuteira na bolsa. Há um custo social que não é produzido pelos bandidos, mas pela política. Um exemplo são as empresas que deixam de se instalar no Rio de Janeiro por causa da violência.
O custo dessas perdas não é considerado quando temos uma política do atira primeiro e pergunta depois - Ana Paula de Miranda
IHU On-Line - Levantamento do portal UOL aponta que, no primeiro semestre de 2019, a polícia do Rio matou 881 pessoas, mas nenhuma em área controlada pelas milícias. O que isso significa?
Ana Paula Mendes de Miranda – Pura coincidência, para aqueles que acreditam em coincidências (risos). Esse dado corrobora o que estou falando. Não é em área de milícia que ocorrem essas mortes, porque a milícia não aceita que ninguém atrapalhe o negócio dela. A coisa mais conhecida no Rio de Janeiro é o “empurra o corpo para cá, empurra o corpo para lá”. Então, o fato de a pessoa não ser morta ou não aparecer morta numa região, não significa que o crime não tenha acontecido naquele lugar. Temos inúmeros casos de desaparecimento de corpos. Um dado bastante assustador que se comenta é o fato de dar os corpos para jacarés e porcos.
Corpos aos animais
Isso passou a acontecer depois da morte do [jornalista] Tim Lopes, porque, até então, quando o tráfico matava, ele tinha a técnica da incineração nos pneus. Quando estavam procurando o corpo do Tim, encontraram várias outras ossadas e ninguém se perguntou sobre aquelas outras ossadas; só foi feita a investigação do DNA nos pneus e se identificou que havia o DNA. Assim, se viu que tem como fazer prova desses crimes, e isso resultou na mudança de tática de desaparecimento de corpos. Há inúmeros relatos de que passaram a dar os corpos para bichos porque, no caso de jacaré e porco, não sobra nada de osso. Isso se institucionalizou e na zona oeste do Rio de Janeiro tem muito jacaré, não é à toa que se chama Jacarepaguá. Há estudos do ponto de vista da Biologia mostrando que há um crescimento excessivo desses animais, o que mostra que eles estão sendo muito alimentados. É por isso que falo sobre um processo de mexicanização do fenômeno, porque o que está acontecendo é equivalente ao que aconteceu em relação à violência no México.
Marketing da milícia
Temos um cenário de que notícias como a que você se refere é a melhor propaganda da milícia, porque uma matéria como essa só serve para a milícia fazer festa e dizer que é eficiente. Acontece que ela é eficiente em que sentido? É difícil pensarmos quais são as consequências disso, porque qual seria a forma para impedir essa situação? É não ter uma conivência das forças públicas, mas acontece que tem e, inclusive, há um envolvimento dos três Poderes.
IHU On-Line – Na entrevista coletiva, depois do desfecho do sequestro na ponte, o governador do Rio, Wilson Witzel, voltou a dizer que é preciso rever a legislação e reendossou a autorização de que policiais devem atirar em “bandido com fuzil”. O que isso representa? E por que o governador usa o episódio da ponte, que não tem relação com o uso de armamento pesado por supostos bandidos, para defender sua tese?
Ana Paula Mendes de Miranda – Significa uma cortina de fumaça para mostrar que ele não está fazendo nada. Essa é a conversa de todo mundo: “vamos rever a legislação”. Todo mundo sabe que a legislação dura muito mais do que um mandato. A pergunta que tem de ser feita a ele é: o que ele, enquanto governador, está fazendo para a política de segurança do Rio de Janeiro? Eu, como moradora desse estado, não sei qual é a política do estado. Quer dizer, sei: matar. Mas para além de matar, o que mais?
Para além de matar, o que temos em funcionamento? O que eu sei é que na polícia está tudo sucateado, que não tem dinheiro nem para combustível. O primeiro ato que o governador fez foi o desmembramento da Secretaria de Segurança. Isso, na minha opinião, é um equívoco, porque há um esforço da Secretaria de Segurança em produzir uma interação entre as duas polícias e foi por isso que se criou uma secretaria de segurança unificada. Desde a década de 1980 se teve essa busca de unificação de propostas, já que não vai haver unificação das polícias – não acredito nessa unificação e acho isso um equívoco.
Mas desde que o governador assumiu, ele desfez essa integração de propostas e desde então as delegacias que deveriam fazer as investigações dos crimes, para que aí sim se tivesse um sistema de repressão significativo, estão totalmente sucateadas, não têm estrutura para trabalhar. Todo o projeto de delegacia legal, que foi um projeto de modernização das delegacias do Rio de Janeiro, foi abandonado e hoje as delegacias estão sucateadas. Quando ele fala disso [rever legislação], está fazendo uma cortina de fumaça para não revelar o quanto o Rio de Janeiro segue sem ter uma política de segurança que realmente dê conta, do ponto de vista legal, do que acontece com o crime no Rio de Janeiro.
Homicídios
Sobre os homicídios no Rio de Janeiro, eu fiz uma pesquisa em 2005, a qual mostrava que o percentual de casos de homicídios elucidados é ínfimo. Na época não chegava a 5%, e dentro desse índice estavam os flagrantes – o mais difícil é prender alguém em flagrante e, quando isso acontece, se está diante de um crime passional. Os crimes de encomenda, as chacinas, que têm a ver diretamente com a política da milícia, são crimes planejados e não há investigação sobre eles.
No caso da Marielle, até hoje não se sabe quem mandou matá-la. Descobriu-se quem executou, mas não se descobriu quem mandou matá-la. Temos uma forma de atuação policial muito segmentada. É um equívoco achar que política de segurança se faz só com policial na rua fazendo papel de “boneco de posto”. Precisamos pensar a política de segurança para além disso.
A economia da favela gira em torno do tráfico de drogas. Tira o tráfico da favela, as pessoas vão viver de quê? - Ana Paula de Miranda
IHU On-Line - O presidente Jair Bolsonaro tem um discurso muito parecido com o de Witzel. O que aproxima e o que distancia ambos no que diz respeito à elaboração do que é a política de segurança pública?
Ana Paula Mendes de Miranda – O que os aproxima é que nenhum dos dois têm uma política de segurança pública; eles têm medidas midiáticas para produzir cortinas de fumaça. De estruturação de segurança, de formação e capacitação permanente, de accountability [responsabilidade] eles não têm nada. O que eles propõem não pode ser chamado de política de segurança. Ou seja, o que eles propõem não atende, internacionalmente, ao que se entende por segurança pública. A política de segurança é parte de um conjunto de políticas sociais.
Quando as pessoas pegam o caso da Colômbia para discutir como um caso de sucesso – não estou nem dizendo se acho um caso de sucesso ou não – associado com a repressão ao tráfico, vem uma outra política sobre o que fazer com esses garotos, porque eles vivem do dinheiro do tráfico. Mas se acabar com o tráfico de drogas, do que eles vão viver? A economia da favela gira em torno do tráfico de drogas. Tira o tráfico da favela, as pessoas vão viver de quê?
Alternativas ao tráfico
Internacionalmente, quando está se discutindo a repressão ao tráfico de drogas, se está igualmente discutindo e pensando outras estratégias. Lembro que quando fui a Medellín, a convite do governo de lá, o cozinheiro que serviu o jantar para a comitiva era um ex-traficante que havia passado por um processo de acompanhamento para ser reinserido na sociedade. É muito fácil dizer que o grande traficante está na favela: um menino de chinelo, que não tem escolaridade, preto, que muitas vezes nem saiu daquele lugar. Aí eu pergunto: é esse sujeito que movimenta milhões nos mercados internacionais? Me desculpe, mas evidente que não é. Ele é a ponta armada, mas no mundo inteiro o tráfico não é financiado por esse sujeito.
Se estamos falando do enfrentamento do tráfico de drogas – não estou nem dizendo que temos que ser a favor da legalização, porque sei que eles [Bolsonaro e Witzel] não são –, há outras estratégias de repressão que não são tão violentas. Outros países do mundo adotaram políticas de repressão às drogas através da investigação e prisão dos principais líderes, coisa que no Brasil não se faz. Ao contrário, as investigações não dão em nada. Então, o que Bolsonaro e Witzel têm em comum é uma opção pela cortina de fumaça.
Há um custo social que não é produzido pelos bandidos, mas pela política - Ana Paula de Miranda
TweetIHU On-Line – Também não há um combate às milícias como há um combate às drogas?
Ana Paula Mendes de Miranda – Não há um combate às milícias e a interferência na Polícia Federal mostra isso.
IHU On-Line – Justamente a última polêmica empregada pelo presidente Jair Bolsonaro é sua intenção de intervenção na Polícia Federal. Como a senhora lê esse caso?
Ana Paula Mendes de Miranda – Significa que ele nunca achou que iria ter uma Polícia Federal independente. Pelo contrário, quem quis acreditar nisso, acreditou porque quis. Na medida em que atrapalha os interesses particulares dele, ele interfere. Ou seja, não tem princípios institucionais, porque quando se tem princípios institucionais, se assegura que as instituições tenham o seu funcionamento preservado, seja do ponto de vista financeiro, seja por conta do funcionamento da polícia federal.
A intervenção na Polícia Federal é uma clara indicação de que a PF só vai fazer as coisas que o presidente quiser que ela faça. Isso é uma decisão política, mas não é uma política democrática. Quando eu critico essa política, estou dizendo que ela não é adequada aos princípios democráticos. Isso é um ato partidário de gente que fica dizendo que não tem atos partidários. O Witzel e o presidente fazem uma narrativa de que são independentes, mas não são, como o ministro [Sérgio] Moro também não foi. Um juiz que vira político, como no caso do Moro e do governador, poderia até não ser partidário antes, mas a partir do momento em que fez a opção pela política, passou a ser. Então são. Vamos parar de mentir e de enganar a população e dizer claramente.
Bolsonaro e Witzel têm em comum é uma opção pela cortina de fumaça - Ana Paula de Miranda
TweetIHU On-Line – Como a senhora observa figuras como o governador Witzel, o ministro da Justiça Sérgio Moro e o presidente Bolsonaro no cenário eleitoral para 2022, considerando também a questão da segurança pública no Rio de Janeiro?
Ana Paula Mendes de Miranda – No Rio de Janeiro temos uma outra variável: a presença da Igreja Universal, uma vez que o prefeito do Rio de Janeiro [Marcelo Crivella] é ligado à Universal. O Rio sempre foi uma vitrine e para falar sobre as eleições, eu preciso voltar à primeira eleição para governador que tivemos no Rio quando o Leonel Brizola foi eleito. O tema da segurança pública é tema no Rio desde sempre desde o início das eleições democráticas. Do ponto de vista das eleições democráticas, desde a campanha do Brizola, temos uma tensão no Rio de Janeiro entre tentar fazer as coisas do ponto de vista do respeito aos direitos e um discurso da dureza.
Quando o Brizola nomeou o coronel Nazareth Cerqueira, que foi o primeiro comandante negro da PM e a primeira pessoa a trazer a discussão sobre o policiamento comunitário no país para garantir o direito de ir e vir da população, ele foi acusado de estar negociando com os bandidos. Na época se discutia que não poderia haver a invasão de um domicílio na favela. A polícia não podia empurrar o pé na porta de um barraco e entrar, porque o morador da favela tem tanto direito quanto um morador de classe média. O policial não pode entrar na minha casa sem um mandado de segurança. Então, por que ele pode entrar na casa de um morador da favela? Na época, o que estava em discussão era isso e rapidamente a promessa do Moreira Franco – eleito logo depois – era risível: ele ia acabar com o crime em seis meses.
Eu costumo dizer que para acabar com o crime em seis meses, só com bomba atômica. A polícia não existe para acabar com o crime, e esse é o problema equivocado; a polícia existe para administrar os resultados dos crimes praticados, para minimizar o impacto para a população, para diminuir o sofrimento da população. Essa narrativa de que queremos fazer as coisas garantindo os direitos sobreposta a uma narrativa de que temos de entregar todo o poder para eles, isso é a causa dos males que vivemos hoje.
Exemplo de Portugal
Admiramos muito alguns modelos, como o de Portugal, mas o país passou por uma reestruturação profunda das polícias ao fim do regime militar e mudou completamente a sua forma de agir. Portugal é considerado o país mais seguro do mundo ocidental, com a polícia menos violenta. Eu morro de rir daquelas pessoas que vivem em Portugal e são contra o comunismo e o socialismo, mas não sabem que foram morar em um país socialista. Portugal passou por uma mudança política da sua intervenção policial.
Direitos humanos X Força
O que deve nos preocupar quando pensamos o Rio de Janeiro do passado e o Rio de Janeiro de hoje, é que temos mudado de personagens, mas não mudamos a discussão. Os personagens são outros, mas a polarização segue sendo a mesma: direitos humanos, de um lado, como uma coisa negativa, e o uso da força, de outro, como uma coisa positiva. Internacionalmente não existe discussão do uso da força fora da discussão dos direitos humanos. Os países que tomamos como referência utilizam direitos humanos; ninguém atira primeiro e pergunta depois. Há um controle e capacitação dos policiais para assegurar essas práticas. Infelizmente seguimos na mesma discussão sem aprender nada com isso, repetindo o mesmo erro.
Para não ser totalmente pessimista, o que me dá alguma esperança é ver que dentro das instituições nem todas as pessoas concordam com isso. Gostaria de lembrar que quando o governador falou de “atirar na cabecinha”, vários policiais se manifestaram contra essa argumentação do governador, dizendo que não é assim. Então, temos, por outro lado, no Rio de Janeiro, um corpo de profissionais.
Diferença nos casos
Essa talvez seja a principal diferença entre o caso do ônibus 174 e o caso da ponte Rio-Niterói. No caso do 174, o Sandro não foi morto durante a operação policial, mas no percurso. Todo mundo sabe disso. No caso do William, ao ser alvejado naquela situação, a polícia não tinha como saber que ele tinha uma arma de brinquedo. Há quem diga que a polícia deveria ter negociado mais, mas só a perícia poderá dizer e não cabe a nós especularmos sobre isso. Mas tem uma pequena mudança aí: não houve uma morte após o ato; ele não foi morto asfixiado durante o transporte, e isso faz uma diferença para nós.
Temos que tomar cuidado com análises simplistas e pensar que uma política de segurança é a base da garantia de direitos - Ana Paula de Miranda
Para além do Rio: a questão penitenciária
Precisamos pensar que embora o Rio de Janeiro seja uma vitrine, temos situações muito dramáticas no resto do país que não são visibilizadas. O que tem acontecido em estados do Norte e Nordeste são fenômenos equivalentes e que não estão sendo tratados com a devida gravidade. Com isso, trago um elemento que não apareceu na nossa conversa, que é a questão penitenciária. A maneira como temos achado e tratado essa discussão, como fora do problema de segurança no país, é um equívoco. Achar que o PCC é o responsável por São Paulo ser mais tranquilo é um perigo, porque significa então que temos que votar no PCC e não nos políticos. Achar que eles administram o crime melhor do que a polícia e que eles são os pacificadores da ordem social, é um problema.
Temos que tomar cuidado com análises simplistas e pensar que uma política de segurança é a base da garantia de direitos. Se não vemos isso como claro, vamos seguir repetindo o erro até que isso seja compreendido. Neste momento temos um agravamento porque estamos num momento de destituição de direitos e podemos viver um momento ainda pior nas próximas eleições.
AUTORES DO INEAC PARTICIPAM DA XIX BIENAL INTERNACIONAL DO LIVRO DO RIO
SERVIÇOS
DIAS DO EVENTO
30 de Agosto a 08 de Setembro
HORÁRIOS DE FUNCIONAMENTO
Segunda à Quinta: 09h às 21h
Sexta-feira: 09h às 22h
Finais de Semana: 10h às 22h
VISTAÇÃO ESCOLAR
Segunda à Sexta de 09h às 17h
LOCAL
Riocentro
Av. Salvador Allende, 6555
Barra da Tijuca
Rio de Janeiro – RJ
22783-127
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Sugestões, dúvidas e comentários
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INGRESSOS
Inteira: R$30,00
Meia-entrada: R$15,00
IV ENCONTRO DE PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS
Disponibilizamos, aqui no site do INCT INEAC, o edital do IV ENCONTRO DE PESQUISA EM ADMINISTRAÇÃO DE CONFLITOS DA UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA - UVA, que vai se realizar entre os dias 16 e 18 de outubro de 2019, no campus Tijuca das 9h às 18h.
Para conferir o edital faça abaixo o download no PDF anexo .
II Seminário Sobre Raça e Política no Brasil
Acontecerá nos próximos dias 29 e 30 de agosto, no Auditório do Bloco O do Campus Gragoatá da UFF, em Niterói, RJ, o II Seminário Sobre Raça e Política no Brasil. Pesquisadores vinculados ao INCT-INEAC participam da atividade.
Confira abaixo a programação do evento:
- Bloco O - Auditório - Campus Gragoatá - Niterói, RJ.
➡Abertura: 10:30h – organização do evento
➡Mesa 1:
11:00 - 12:30 Igualdade racial e relações internacionais
Giovana Zucatto (IESP-UERJ) - A linha global de cor: raça, racismo e relações internacionais
Renata Braga (UFABC) - “Eu sou Atlântica”: a articulação transnacional do movimento de mulheres negras na América Latina
Debatedores: Carlos Machado (UNB) e Meyre Teixeira (RI/UFF)
Mediação: Bernardo Afonso (RI/UFF)
➡Mesa 2:
14:00h – 16:00h: Movimentos Sociais e Participação Política
Ana Claudia Cruz da Silva (UFF) – Coletivos Negros, Movimentos e Resistência no Sul da Bahia
Cristiano Rodrigues (UFMG) – Protesto negro em tempos de desdemocratização: do institucional ao contestatório?
Rodger Richer (UNICAMP) - A questão racial na UNE (1999 - 2018)
Debatedor: Márcio André dos Santos (UNILAB)
Mediação: Dara Santanna (Direito UFF)
➡Mesa 3 :
16:00h -18h - Políticas Públicas e Saúde da População Negra
Jaciane Milanezi (UFRJ) - Cadastradas difíceis no Sistema Único de Saúde: a governança da reprodução de mulheres negras no Rio de Janeiro
Layla Carvalho (UNILAB) – Justiça reprodutiva e Zika: caminhos impossíveis para mulheres negras em Pernambuco
Debatedora: Veronica Daflon (UFF)
Mediação: Lara Miranda (Negra- UFF)
Coffe Break
➡Mesa 4 :
18:00h – 20h segurança pública, racismo institucional e violência
Paulo Ramos (USP) - Gramática negra da luta contra a violência policial
Flavia Medeiros (UFF) Política de Segurança Pública, Drogas e Racismo
Juliana Vinuto (UFF): Silenciamento do racismo institucional na privação de liberdade
Debatedora: Luciane Soares Silva (UENF)
Mediação: Charlene Soares (PPGS- UFF)
Apresentação Artística: Falcão – Poesia falada - Slam
Segundo dia 30/8/2019 -
➡Mesa 1:
10:00 h – 12:00: Democracia e a questão racial
Huri Paz (Sociologia / UFF) – Assassinatos de políticos no Rio de Janeiro – um recorte de raça e gênero
Filipe Alves (Ciências Sociais UFF) - Articulando raça, gênero e sexualidade na política parlamentar
Rebecca Vieira (PPGSA/UFF) – Participação, mobilização e protesto: o caso do fórum de mulheres negras em Niterói.
Debatedor: Márcio André dos Santos (UNILAB)
Mediação: Ariel Nascimento (Negra/UFF)
➡Mesa 2:
14h – 15:30h: Raça e representação política:
Edilza Sotero (UFBA) : Representação negra no Estado Novo
Natália Neris (USP) : A questão racial e a constituinte
Martvs das Chagas. (Conselho Curador da FPA) – Raça e o Partido dos Trabalhadores
Debatedora: Flavia Rios (UFF)
Mediação: Emerson Luã (Negra/UFF)
➡Mesa 3:
15:30h – 17:30h: Desigualdades Raciais e eleições
Fabio Nogueira (UNEB) - Campanhas eleitorais e candidaturas negras em Salvador – BA
Carlos Machado (UNB) – Raça, representação e limites das eleições brasileiras
Wescrey Portes (IESP) – Sub-representação Política: a experiência eleitoral de candidaturas negras no Rio de Janeiro
Danusa Ester Gomes (UFF) : Representação da mulher negra na ALERJ: barreiras de classe, gênero e raça
Debatedora: Andreia Lopes (Unirio)
Mediação: Amanda Santos (PPGS/UFF)
Coffe Break
➡Mesa de Encerramento – 17:30h - 19:30h
Carlos Alberto Medeiros (UFRJ)
Verônica Lima (Câmara Municipal de Niterói)
Luiz Campos (IESP-UERJ)
Debatedora: Raquel Guilherme de Lima (UFF)
Mediação Dandara Vicente (PPGS/UFF)