Claúdio Salles
Feira de Ciências: Liga a câmera e desliga o microfone: tecnologias e conflitos no ensino remoto durante a pandemia
A primeira mesa redonda da Feira de Ciências Conflitos e Diálogos na escola começa nessa segunda, às 15h! "Liga a câmera e desliga o microfone: tecnologias e conflitos no ensino remoto durante a pandemia" é o tema dessa primeira live da Feira de ciências do InEAC, com participação das pesquisadoras Karla Godoy, Laura Graziela e Luiza Aragon.
Acompanhem ao vivo no canal do InEAC no Youtube.
“Controle Territorial Armado no Rio de Janeiro”
“Controle Territorial Armado no Rio de Janeiro” será lançada oficialmente nesta segunda-feira 26 de outubro de 2020, às 14h, durante o 1º Seminário da Rede Fluminense de Pesquisas sobre Violência, Segurança e Direitos — Milícias, grupos armados e disputas territoriais no Rio de Janeiro.
O evento terá transmissão ao vivo pelo YouTube. A mesa terá a participação dos pesquisadores João Trajano Sento-Sé, Marcelo Burgos, José Cláudio Sousa Alves e Claudio Ferraz. Os comentários serão das antropólogas Jaqueline Muniz e Ana Paula Miranda, ambas pesquisadoras vinculadas ao INCT/INEAC.
O seminário terá ainda um último encontro na sexta-feira (30), às 14h, com o tema “O Fenômeno das Milícias no Rio e em outros estados brasileiros”. A mesa virtual será formada por Rafael Soares, Bruno Paes Manso, Aiala Colares Couto e Carolina Grillo, com comentários de Paulo Baía, Pablo Nunes e Paula Poncioni.
As sexualidades (e seu controle) em aspectos históricos
Chamada para Dossiê "Um mundo em recomposição: uma análise antropológica das novas formas de regulação e certificação dos objetos e pessoas na contemporaneidade"
Chamada para Dossiê "Um mundo em recomposição: uma análise antropológica das novas formas de regulação e certificação dos objetos e pessoas na contemporaneidade"
Neste dossiê iremos recepcionar pesquisas qualitativas e, especialmente, artigos etnográficos que coloquem sob descrição e análise os mecanismos de controle, certificação e reconhecimento dos bens materiais e humanos nas sociedades contemporâneas por meio de novas formas de classificação existentes atualmente. Nossa intenção consiste em reunir um conjunto de papers, produto de pesquisas empíricas, que contribuam para a compreensão das características emprestadas aos procedimentos de estandartização, que compreendem processos de qualificação e definição de critérios de acesso e organização do espaço público, de regulação do conhecimento científico e/ou dos conhecimentos de outra natureza, no universo da justiça, nas políticas públicas de meio ambiente, segurança pública, educação, dentre outros. Visamos com este dossiê refinar o entendimento acerca desses processos de normatização pretensamente universais, mas que olhado do ponto de vista etnográfico revelam nuances significativas quanto aos aparatos mobilizados pelos atores nestas práticas e dinâmicas regulatórias. No entanto, na tentativa de padronização dos mecanismos e critérios de conformação destas arenas públicas, o olhar antropológico se apresenta como uma ferramenta fundamental para avançar em direções que permitam desvelar as diferentes articulações, adequações, composições, ressignificações acerca dessas normatividades estandartizadas, uma vez que mesmo fazendo parte de um processo de padronização que se impõe, moldando formas de regular de diferentes esferas da vida social, ele também tem potencial de elaborar controvérsias envolvendo grupos que criam críticas e justificações para aderir, denunciar, se reapropriar a partir de seus próprios esquemas cognitivos e culturais. A conformação de regimes normativos, políticos e simbólicos caracteriza o universo da “governança pela norma” em diferentes dimensões, seja na ciência através dos processos nas dinâmicas de produção, reprodução e consagração do conhecimento ou na criação de critérios avaliativos e qualificadores; na organização estética e de ocupação das cidades; na regulação do meio ambiente e seu acesso; do conhecimento tradicional; nas transformações no sistema de justiça, na criação de modelos de qualificação de “novos Mercados”(sustentáveis, étnicos, culturais, etc.), entre outros. Outro aspecto que se destaca nesse processo é a consolidação de critérios que concedem legitimidade e parâmetros de controle, que se inserem em uma cultura de auditoria, onde tudo é passível de ser avaliado. A (não) adequação gera inclusão e exclusão de países num cenário democrático, através da qual produziria instrumentos que possibilitem a transparência, gerando responsabilização ou accountability, proveniente de uma moral neoliberal que cria protocolos de gestão e controle das coisas e das pessoas. As perguntas que nos guiam são: como são construídos os (des) acordos? Como são negociados e criados esses parâmetros de controle e avaliação? Como distintos grupos acionam e operacionalizam esses critérios em diferentes instâncias? Quais sentidos de justo, cidadania e igualdade são acionados e em que situações? O que esse processo nos informa sobre mecanismos de controle burocrático? Como instituições burocráticas e, consequentemente os atores que as integram, colocam em prática esses instrumentos de controle, regulação e avaliação? Quais novos “espíritos do capitalismo” se colocam no mundo atual ? No mundo pós COVID 19, quais transformações se engendram na tentativa de padronizar e normalização dos corpos e condutas ? Assim, propomo-nos a receber textos etnográficos que contemplem e ampliem estas discussões, reunindo trabalhos que abordem: 1) os aspectos contextuais da construção destas formas padronizadas de governança; 2) as práticas dos atores que compõem essas arenas públicas; 3) a descrição de controvérsias que tangenciem a temática do dossiê; 4) processos de construção de critérios e parâmetros avaliativos de classificação e qualificação da ciência e de conhecimentos de outra natureza; 5) os diversos modos de fazer ciência e de reconhecer (ou não) a legitimidade de outras formas de produção do conhecimento; 7) a organização da cidade e da ideia de urbano; 8) produção de novos mercados padronizados; 9) regulação do meio ambiente e seu acesso; e 10) modelos de justiças. Os artigos devem ter autoria de, ao menos, um doutor, e serão submetidos à avaliação às cegas de pareceristas externos, atendendo à política da revista. Para dar conta da diversidade de abordagens teóricas e metodológicas dos diferentes campos empíricos e problemáticas a serem debatidos, serão aceitos preferencialmente artigos das áreas de Antropologia e Ciências Sociais, observados os parâmetros de exogenia em relação à UFF. Organizadores: Fabio Reis Mota (UFF), Hully Guedes Falcão (UFF), Gabriela Cuervo (UFF). Prazo: 05/01/2021. OBS: indicar nos comentários aos editores que a submissão é para o Dossiê. As contribuições podem ser enviadas até 05 de janeiro de 2021 pelo sistema eletrônico da revista: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions As normas para submissão dos textos são as mesmas válidas para artigos e encontram-se disponíveis em: https://periodicos.uff.br/antropolitica/about/submissions#onlineSubmissions |
Polícia e racismo: há solução?
O site do INCT INEAC reproduz aqui o artigo "Polícia e racismo: há solução ?", escrito pela socióloga e pesquisadora do Ineac Jacqueline Sinhoretto (UFSCAR) e publicado na coluna Ciência e Matemática de O Globo - https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/policia-e-racismo-ha-solucao.html
Polícia e racismo: há solução?
Em 2020, o aumento da violência policial foi registrado em estatística e filmagens, e foi objeto de uma decisão do Supremo Tribunal Federal que proibiu o estado do Rio de Janeiro de realizar operações em favelas durante a quarentena da pandemia. O tema do racismo na ação policial se impôs ao debate público.
Uma equipe de pesquisa trabalhou, durante três anos, dados sobre desigualdades raciais produzidas em abordagens policiais, nas prisões em flagrante e nas mortes cometidas em ações das polícias em São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Distrito Federal, entre 2008 e 2017. Os resultados da pesquisa Policiamento Ostensivo e Relações Raciais são contundentes.
Os policiais associam pessoas negras a atitudes “suspeitas”. A proporção de prisões em flagrante de pessoas negras em relação às brancas chega a ser até quatro vezes maior (ponderando o número de brancos e negros na população). As pessoas negras são alvo mais frequente de uso letal da força. A depender do ano e do distrito, a chance matemática de uma pessoa negra ser morta pela polícia é de 3 a 7 vezes maior do que a chance de um branco receber o mesmo tratamento. Esse quadro foi obtido por meio de dados oficiais de São Paulo e Minas Gerais, pois a deficiência das estatísticas dificulta fazer o acompanhamento em todos os estados.
Em geral, o leigo interpreta esses dados como indicadores de que pessoas negras cometem mais crimes, por isso a polícia as prende e mata com maior frequência. Os dados não sustentam essa conclusão, pois os crimes mais violentos ocorrem em áreas da cidade e em horários que não são os mesmos em que as ações policiais mais violentas acontecem. Ou seja, olhando os dados, com os quais as próprias polícias executam seu planejamento, não é possível deduzir que a violência da polícia seja uma resposta necessária à violência do crime. Ela é uma decisão de ação policial sobre o nível de força que irá usar contra a atitude considerada “suspeita”. Foi isso que dezenas de policiais entrevistados explicaram aos pesquisadores sobre a prática do policiamento.
Podemos concluir que policiais são racistas porque é deles a decisão de parar uma pessoa ou de usar a força letal numa ocorrência, e que eles tomam essa decisão com uma facilidade três vezes maior quando veem uma pessoa negra? Sim e não. Os próprios policiais explicam que boa parte do seu trabalho é baseado na busca ativa de atitudes suspeitas. Quando explicam o que seriam essas atitudes, a grande maioria dos policiais descreve características corporais, de vestimenta, de gestual, de modo de andar e olhar, e até de cortar o cabelo. Dessa forma, não são atitudes impessoais que eles procuram, mas tipos físicos considerados afeitos ao crime. Dito de outra forma, o trabalho policial depende fundamentalmente de estereótipos sobre o corpo e características culturais forjadas pelo racismo.
Antes de concluir que a culpa é dos maus policiais, é preciso interrogar o que fazem as organizações policiais para evitar que esse olhar discriminatório dos profissionais da segurança reproduza o racismo da sociedade brasileira. Muito pouco. Os cursos preparatórios não discutem diretamente os efeitos perversos do uso da força letal ou da filtragem racial, que vão desde o constrangimento sistêmico das pessoas negras em sua liberdade de ir e vir, à experiência de ser vítima da brutalidade policial; da desconfiança sistemática na relação polícia-sociedade, até a impunidade de pessoas brancas que cometem crimes sem se tornarem alvo da vigilância das guarnições. Em São Paulo, por exemplo, a maioria dos processados por homicídio é de brancos – que não são geralmente considerados suspeitos.
As polícias não ensinam outros métodos de como fazer o trabalho preventivo sem que os policiais tenham que usar o olhar sobre o corpo como única base de sua decisão de intervir. Mesmo a tecnologia de informação empregada na ação policial está baseada em identificar corpos e rostos suspeitos e destacá-los da multidão. Mapas criminológicos, câmeras, tablets e celulares são apoios tecnológicos ao velho método de “reconhecer” as marcas da mente criminosa no corpo. A diferença entre o que se fazia no tempo das teorias do racismo científico é que os aparatos tecnológicos de hoje custam muito mais dinheiro aos cofres públicos.
Os policiais negros ouvidos pela pesquisa sabem que o método é discriminatório e violento. Eles contam situações em que são parados em blitzes de trânsito dirigindo os carros que seus salários podem comprar, mas que não são comuns nas camadas sociais de que são originários. Contam do receio que sentem das situações em que seus colegas em serviço podem considerar suspeito um negro dirigir um bom carro. Os policiais nascidos nas periferias também apontam o erro de achar que a roupa defina o comportamento criminoso, por se tratar da expressão cultural da juventude das periferias. Uma policial contou como se sente quando seus colegas decidem parar pessoas pela roupa que estão usando, pois aquela roupa “marcada” é a que também usam seus irmãos e primos, jovens negros das periferias.
Os policiais também afirmam o orgulho de participar de uma corporação que emprega profissionais negros e favorece sua ascensão social, por meio do concurso público. Para profissionais negros que se tornam comandantes de área, que têm a oportunidade de estudar, de participar de espaços de deliberação pública, a profissão policial foi o caminho seguro de obter respeito e melhoria de vida para sua família. Como um policial negro poderia admitir, sem mediações, que essa corporação que o acolheu e o incentivou reproduz o racismo?
Problemas complexos não têm respostas simples. Os policiais hoje são parte ativa da política do país, querem sair da posição de quem apenas cumpre ordens para participarem das decisões sobre os rumos da sociedade, com milhares de candidaturas pelo país. Assim como os policiais não são passivos diante das questões sociais, a sociedade tem o direito de participar das decisões que afetam o direito à vida segura, a igualdade de tratamento e o combate aos abusos da ação policial.
O STF reconheceu a urgência e a gravidade da violência policial, cujas consequências são cruéis e perversas para toda a população, em especial negra. Policiais e polícias têm um papel diante da injustiça histórica que produz o racismo. É a hora de discutirmos a sério quais são os objetivos das polícias e os seus limites, seus custos e seus resultados. É necessário debater abertamente como eliminar a filtragem racial e democratizar os padrões de policiamento. O fato de o racismo ser sistêmico obriga a todos nós da geração presente ao compromisso de derrotá-lo.
Para conhecer a pesquisa acesse: www.gevac.ufscar.br
Jacqueline Sinhoretto, socióloga, professora da UFSCar, pesquisadora do INCT-InEAC e do CNPq
Feira de ciências conflitos e diálogo na escola
A vai começar !
Aguardamos vocês no dia 30/09, às 17h: meet.google.com/pst-ogdq-oon
Muitos são os conflitos que a escola precisa mediar atualmente, o que exige o envolvimento de toda a comunidade escolar. Tão urgente quanto a mediação dos conflitos, é a importância de dialogar com os alunos, envolvendo-os em atividades sócio-educativas que se tornam uma medida eficaz para intermediar os conflitos recorrentes no ambiente escolar. Acreditamos que um dos caminhos para promover este diálogo entre a escola é o aluno é entender os motivos de seus conflitos, as suas preocupações, ouvindo o que o aluno tem falar sobre sua própria realidade. E a produções midiáticas podem ser um importante recurso para o desenvolvimento da liberdade de expressão, do direito à informação e do estímulo à cidadania.
Diante disso, a proposta da feira de ciências “Conflitos e Diálogos na Escola” é propiciar um espaço de diálogo com o aluno, de maneira que ele possa expressar-se livremente, através de diferentes suportes midiáticos, sobre temas relacionados à conflitos no ambiente escolar.
NOTA DE PESAR PELO FALECIMENTO DO PROF. LUIZ ANTONIO MACHADO DA SILVA (1941-2020)
Publicamos aqui no site a Nota de pesar pelo falecimento do Prof. Luiz Antonio Machado da Silva (1941-2020), escrita por Felipe Berocan Veiga.
NOTA DE PESAR PELO FALECIMENTO DO
PROF. LUIZ ANTONIO MACHADO DA SILVA (1941-2020)
É com profundo pesar que nós, pesquisadores do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos - INCT/InEAC-UFF, lamentamos o falecimento do Prof. Luiz Antonio Machado da Silva, ocorrido neste triste 21 de setembro de 2020. Professor do IESP-UERJ, membro do INCT/Observatório das Metrópoles e líder do Coletivo de Estudos sobre Violência e Sociabilidade - CEVIS, Machado por décadas foi professor do IUPERJ-UCAM e também do IFCS-UFRJ, onde era pesquisador associado ao Núcleo de Estudos do Controle, Cidadania e Violência Urbana - NECVU e ao Laboratório de Etnografia Metropolitana - LeMetro. Teve também breves passagens como bolsista e professor de Sociologia da UFF. Sua sólida carreira como sociólogo pesquisador de temas fundamentais para a compreensão das realidades carioca e brasileira, tais como sociabilidades urbanas, criminalidade, violência, favelas, moradia, mercado de trabalho, informalidade, juventude, políticas públicas e cidadania, fizeram dele um autor prolífico e uma referência fundamental em seus campos de atuação e de ação. Sua vivacidade, seu pioneirismo, rigor intelectual, pensamento criativo e generosidade no trato pessoal, tanto com seus colegas professores quanto com jovens pesquisadores em formação, deixam um imenso vazio para aqueles que tanto o admiravam e gozaram de sua companhia. Nos solidarizamos com sua família, em especial com sua esposa Filippina e com sua filha Fernanda, e também com seus estudantes, colegas e amigos.
Prof. Luiz Antonio Machado da Silva no lançamento do livro Favelas cariocas: ontem e hoje, durante a 32a. Reunião da ANPOCS em Águas de Lindóia - SP.
Foto: Felipe Berocan Veiga, 24/Set/2013.
Práticas investigativas e o inquérito policial no Brasil.
O Coletivo Construção organiza nessa quinta-feira, dia 10 de setembro, o evento "Práticas investigativas e o inquérito policial no Brasil", que pretende trazer para perto do Direito a discussão daquele que é um dos maiores problemas sociais brasileiros: o encarceramento em massa e o autoritarismo policial e judicial. O enfoque nas práticas investigativas e no inquérito policial tem dois objetivos principais. O primeiro deles é discutir as abordagens que são adotadas pelas polícias na resolução de crimes, e a maneira como elas influem na precisão das conclusões policiais. O segundo é mostrar como a investigação entra no processo penal: a maneira como ela é incorporada nos autos e como ela influencia a convicção das juízas e juízes responsáveis por julgar acusados de crimes.
Participarão do debate: Flávia Rahal, advogada criminal e diretora do Innocence Project Brasil, um projeto voltado a reverter a condenação de inocentes e discutir os fenômenos que levam aos erros judiciais; Roberto Kant de Lima, coordenador do INCT-InEAC, frente de pesquisa da UFF voltada ao estudo comparado de métodos de resolução de conflitos, que contrasta as previsões das instituições jurídicas com as práticas concretas do mundo jurídico; e Marco Aurélio Ferreira, pesquisador do INCT-InEAC que já publicou livros com estudos comparados sobre o devido processo legal e a presunção de inocência.
O evento ocorrerá nesta quinta, dia 10/09, às 20h, e será transmitido ao vivo pela página do evento no Facebook. Todas as interessadas estão convidadas a enviar perguntas durante ou antes do evento, pelo link: http://tiny.cc/PraticasInvestigativas. Temos certeza de que o debate será extremamente rico, e contamos com a presença de todas vocês!
Link do evento: https://facebook.com/events/s/praticas-investigativas-e-inqu/1489923434532635/?ti=as
Revista ANÁLISE-LAESP
Já está disponível a Revista ANÁLISE-LAESP, que é uma iniciativa editorial do LAESP ( Laboratório de Estudos sobre Conflitos, Cidadania e Segurança Pública do INCT-InEAC) . Assim como todas as outras atividades e projetos do LAESP, ANÁLISE se inscreve no esforço maior de continuar o processo de construção da Universidade e da Pesquisa no Brasil. No Análise, tal esforço é ampliado pela abertura à colaboração diversificada, que inclui ensaios, análises de conjuntura, notas técnicas, relatos etc., com vistas à difusão de informações e interpretações qualificadas sobre o momento presente do país.
Para conferir a revista ANÁLISE-LAESP acesse https://www.revistaanaliselaesp.org/
O Pacto de 88 e o Definhamento da República
Reproduzimos em nosso site o artigo publicado hoje, no Blog da Ciência e Matemática, do O GLOBO, escrito pelo sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor da Escola de Direito da PUCRS, e pesquisador do INCT-InEAC .
O Pacto de 88 e o Definhamento da República
31/08/2020
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo
Certos integrantes da esquerda política que militam em redes sociais sofrem, desde que Lula foi preso, da síndrome de Causa Operária. Quando exerceram e exercem funções de governo, em municípios, estados e no país, os representantes da esquerda eleitos não consideram problema privatizar empresas e serviços públicos, quando financeiramente interessante para a gestão pública e a prestação do serviço, embora sem a voracidade de outros grupos políticos ditos neoliberais. Também não hesitam em enfrentar demandas corporativistas de servidores públicos, na difícil arte de equilibrar as finanças e ter algum recurso para a prática de políticas públicas. Muito menos de se aliar com um amplo espectro político, tendo em conta a necessidade de governabilidade e composição de maiorias parlamentares, e com um filtro bastante permeável a representantes da velha guarda da política brasileira, formada no coronelismo e no regime militar, e adepta do toma lá da cá e do clientelismo como meio de obtenção de apoio eleitoral.
Com a judicialização da política, a condenação de Lula e o impeachmente de Dilma, passaram, justificadamente, a desmerecer o valor do que foi conquistado, no plano normativo, desde a transição democrática, e que caracteriza o Brasil, em tese, como país submetido a uma democracia social-liberal.
É preciso que a esquerda supere esse legítimo ressentimento, para voltar a ter relevância no debate político, com propostas efetivas para governar as diferentes instâncias de gestão pública. Em que pese todos os malabarismos processuais que levaram à condenação de Lula e de outras lideranças petistas, e que agora vem sendo pouco a pouco reconhecidos (tardiamente), em alguns casos, pelas altas instâncias judiciais, fato é que houve práticas de apadrinhamento e conivência com desvios, houve erros por falta de prioridade política para questões chave, como a segurança pública e a reforma administrativa, houve falta de capacidade para atualizar o programa político no andar da carroça, assumindo o papel e o lugar de uma esquerda democrática e reformista.
Mas o maior de todos os equívocos talvez tenha sido a incapacidade de compreender que o grande desafio no Brasil até hoje é o da colocação em prática dos princípios republicanos, em uma República ainda inconclusa, pela afirmação do direito à igualdade, como reconhecimento da dignidade humana de cada um e de cada uma, como a própria noção de cidadania, pela incorporação das demandas de reconhecimento das questões relacionadas com desigualdades de gênero, desigualdades raciais/étnicas, ou com demandas de reconhecimento de grupos vulnerabilizados por uma cultura machista, conservadora e própria de uma sociedade piramidal, na qual os indivíduos não se reconhecem como iguais em direitos, não para estabelecer novos privilégios, mas para garantir o acesso ao tratamento igualitário pelo Estado.
Como já foi dito em artigo neste blog, publicado em 11 de maio deste ano, de autoria de Roberto Kant de Lima, Pedro Heitor Barros Geraldo e Fábio Reis Mota, há um déficit de direitos civis no Brasil, que se refere à igualdade de direitos dos cidadãos no exercício de suas liberdades. Pesquisas que vem sendo desenvolvidas no âmbito do INCT-InEAC apontam a naturalização da segmentação da sociedade brasileira em partes desiguais pelo sistema jurídico, não apenas por critérios econômicos (de classe), como em outros países capitalistas, mas também pela falta de reconhecimento de direitos individuais para amplos grupos, possivelmente fruto do passado imperial e escravista.
A utilização do sistema penal para atingir politicamente os governos petistas, no estilo lawfare, serviu para dar visibilidade a um tema que precisa ser enfrentado, para que a democracia possa ser exercida, como exercício das liberdades democráticas (inclusive a presunção de inocência), com a afirmação do direito de defesa e do devido processo legal, e mesmo o enfrentamento de uma forma de fazer política de segurança pública por meio da violência policial sem controle e seletiva, e de uma investigação e um processo penal incapazes de assegurar o direito ao contraditório, salvo para aos integrantes dos estratos superiores, quando eventualmente encaminhados à justiça penal.
Reconhecer a importância desse desafio e atuar para modificar essa realidade implica em reconhecer a relevância do Poder Judiciário para dar efetividade aos direitos sociais e individuais no Brasil, e ao mesmo tempo reconhecer que há barreiras importantes fruto de uma cultura jurídica bacharelesca e inquisitorial, reproduzida em cursos de direito nos quais se enfatiza que seu papel não é o de dar acesso e garantir igualmente os direitos, mas de distribuí-los desigualmente, para não alterar a composição juridicamente piramidal da sociedade, em nome da necessária manutenção de uma ordem naturalmente desigual e piramidal.
No início do seu primeiro mandato, Lula, que afirmava quando candidato que o judiciário era uma “caixa preta”, com a participação de Márcio Tomaz Bastos como Ministro da Justiça, banca e aprova, ainda em 2003, a Emenda Constitucional 45, da Reforma do Poder Judiciário. A aprovação, no entanto, dependeu de acordos políticos no Congresso que reduziram em muito a sua abrangência, permitindo a criação de um órgão de correição e planejamento, o Conselho Nacional de Justiça, mas dando o controle do órgão à magistratura. Embora seja inegável a presença do CNJ como ator importante do diagnóstico e do debate sobre as reformas do Poder Judiciário, está ainda muito aquém de uma capacidade efetiva de enfrentar os privilégios e o corporativismo da magistratura e estabelecer um padrão de decisões judiciais vinculadas ao exercício das liberdades fundamentais em matéria de execução penal. De todo modo, tanto o CNJ quanto uma maioria significativa no Supremo Tribunal Federal tem atentado para a falência da estrutura carcerária e para a necessidade de limitar o exercício do poder punitivo às regras procedimentais próprias do modelo acusatório, revertendo uma tendência de ceder ao punitivismo e à lógica inquisitorial ainda em vigor nas práticas das instituições policiais e judiciais.
Neste momento, importantes espaços de poder político são ocupados pelo discurso bolsonarista, caracterizado em matéria de segurança pública pelo chamado populismo penal, ou seja, um discurso de endurecimento penal direcionado a determinados tipos de crime e de criminoso (o aborto, a corrupção da esquerda, os crimes contra os costumes), e pela falta de compromisso com o funcionamento republicano das instituições de justiça e segurança (vide a tentativa de interferência na cúpula da Polícia Federal do Rio de Janeiro e o dossiê produzido dentro do setor de inteligência do Ministério da Justiça para mapear e identificar policiais antifascistas e intelectuais “influenciadores”).