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Sexta, 14 Junho 2019 19:55

NA PRÁTICA, JUSTIÇA BRASILEIRA É BASEADA EM RELAÇÕES PESSOAIS

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NA PRÁTICA, JUSTIÇA BRASILEIRA É BASEADA EM RELAÇÕES PESSOAIS

A pessoalidade acaba agravada em um caso de repercussão como a Lava Jato, ainda mais, dotado de conotações político-partidárias
 
Domingo passado o The Intercept Brasil veiculou mensagens de texto trocadas entre um procurador da república, um magistrado e outros agentes, envolvidos na condução da Operação “Lava Jato” em Curitiba. Do que até então foi revelado, nota-se a troca de informações sobre o andamento dos processos e diligências a serem realizadas, suas representações sobre os personagens envolvidos, assim como decisões informais sobre as provas. Por ter escrito uma tese de doutorado baseada na realização de trabalho de campo no poder judiciário, acompanhei, durante um ano e meio, o funcionamento de uma das Varas Criminais da comarca do Rio de Janeiro. Assim, observei o trabalho dos agentes responsáveis pela aplicação da lei penal, antes e depois da realização das audiências e das sessões de julgamento, bem como em seus intervalos. Em especial, atentei para as funções desempenhadas por defensores públicos e promotores de justiça e as suas práticas em seus gabinetes. Pude, por isso, também observar as formas pelas quais são estabelecidas as relações pessoais e profissionais entre eles.
 
Para além das informalidades e ilegalidades identificadas nas conversas veiculadas e suas possíveis consequências, os comentários sobre a “Vaza Jato” denotam, por parte daqueles que os enunciam, grande surpresa. A leitura choca quem toma conhecimento de tais relações, apontadas como pouco transparentes e não republicanas. E, ainda, que têm por consequência a negociação (ou subtração) de direitos dos réus e a subversão da posição do magistrado, que passa a funcionar explicitamente como um inquisidor, já que atua como parceiro do Ministério Público e não como garantidor dos direitos do acusado.
 
No trabalho de campo que realizei, notei que diversos tipos de acertos eram feitos entre acusação e defesa, e também entre eles e os magistrados. Os “acordos”, que não são permitidos pela legislação brasileira, eram eventualmente firmados por meio de mensagens de whatsapp e conversas telefônicas. Tais ajustes buscavam acelerar, ou reduzir, o volume de trabalho dos agentes, sem necessariamente indicar apreço por garantir os direitos dos réus. No entanto, à diferença do que demonstram as mensagens veiculadas pelo The Intercept Brasil, nos casos que acompanhei a defesa não ficava afastada das negociatas. Isso porque os defensores públicos, em razão de integrarem a “família judicial”, podiam participar desses contatos informais. O mesmo não ocorria com os advogados. Estes últimos, ao explicitamente demandarem a aplicação das regras processuais e os direitos correspondentes, eram identificados como chatos e impertinentes e não participavam do que era transacionado entre os agentes do Estado.
 

Ainda, os casos por mim acompanhados raramente eram de repercussão. Ou seja, se tratavam de processos que, por suas características, não mobilizavam, de modo particular, os agentes que fazem o sistema de justiça criminal funcionar. Significa dizer que, em contraste com os personagens da “Lava Jato”, aqueles acusados eram considerados muito menos relevantes, pois supostos autores de crimes comuns ou corriqueiros e, ainda, por não se tratarem de personagens proeminentes. Tinham, possivelmente também por isso, suas liberdades habitualmente barganhadas. Lá, no dia-a-dia do sistema de justiça criminal, era a convivência ordinária, a pressa para dar fim às lides, reduzindo, por consequência, o volume dos processos, que fornecia subsídios morais para a violação de certos preceitos basilares do processo penal.

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Claúdio Salles

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