Nota pública do INCT-InEAC em repúdio à “mega operação” mais violenta da história do Brasil

29 | 10 | 2025

Na manhã do dia 28 de outubro, dia do servidor público, foi deflagrada uma “mega operação” conduzida por 2.500 policiais das Polícias Civil e Militar do Estado do Rio de Janeiro e promotores do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco/MPRJ), nos complexos de favelas da Penha e do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. A intervenção estatal teve como objetivo manifesto cumprir mandados de prisão contra integrantes de uma facção criminosa. Contudo, além das 81 prisões produzidas até a publicação desta nota, a ação resultou em mais de 134 pessoas mortas, além de 17 milhões de pessoas reféns do medo. Esse resultado alarmante transforma a ação na operação mais letal do Rio de Janeiro, superando a chacina do Jacarezinho, acontecida em maio de 2021, que resultou em 28 pessoas mortas. Desta vez, portanto, a chacina teve a participação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ). 

Através desta Nota, o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC) manifesta sua preocupação e repúdio à política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro nos moldes que vem sendo concebida, planejada e executada pelo governo estadual, através de operações e incursões militarizadas que resultam na produção de mortes, na proliferação do terror em locais diversos da cidade e em discursos políticos e sociais de ódio e legitimação de ações de extermínio. Ora, o problema do crime organizado e do tráfico de drogas deve ser tratado como questão criminal, e não como terrorismo, como vem sendo imprecado nos discursos de atores políticos, como o governador do Rio. Como questão criminal, implica em ações de inteligência para a devida responsabilização criminal dos envolvidos, em lugar de uma política de extermínio.

No entanto, esta prática discursiva vem sendo conduzida desde o poder político do estado em uma escalada crescente em sua expressão repressiva. Em 23 de setembro deste ano, como parte da nova lei orgânica da Polícia Civil do Rio de Janeiro – Lei nº 6.027/2025, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio (ALERJ) aprovou a chamada Gratificação Faroeste. A medida prevê aos policiais civis uma “premiação em pecúnia (…) em caso de apreensão de armas de grande calibre ou de uso restrito, em operações policiais, bem como em caso de neutralização de criminosos”. Antes mesmo de ser sancionada, está demonstrado quais os efeitos potenciais desta macabra decisão do legislativo fluminense. 

Nesta ocasião, nos complexos da Penha e do Alemão, mais uma vez, a repercussão da operação alcançou também o governo federal em mais uma disputa entre as diferentes instâncias do estado pelo controle de tecnologias repressivas e pela disputa eleitoral em torno do tema da “segurança pública”. Assim, as disputas de narrativas sobre o acontecimento, em particular aquelas que veiculam um suposto triunfo da lei sobre a criminalidade, demonstram a indisfarçável motivação política deste episódio que é reclamado pelo governo do estado, de maneira semelhante a grupos extremistas, como o mais letal da história. 

É importante lembrar que o poderio bélico hoje verificado no contexto das facções criminosas se relaciona intimamente, como demonstrado em inúmeras reportagens já realizadas nos últimos anos, com a flexibilização da política de controle de armas promovida pelo governo Bolsonaro, cujos efeitos se verificam no aumento dos arsenais do crime organizado. A responsabilidade do atual governo fluminense, apoiador declarado daquela política armamentista, é evidente. Ainda mais se considerarmos que foi a partir da vigência do programa Cidade Integrada, dirigida à zona oeste da cidade, que aquela facção pode retomar territórios outrora conquistados pelas chamadas milícias, que tampouco deixaram de existir, pelo contrário, pois se transformaram em sócias privilegiadas dos grupos armados outrora existentes. 

A  presente intervenção estatal coloca em ação neste episódio uma suposta política de segurança pública eminentemente repressiva e evidencia os múltiplos interesses políticos e econômicos das ações do governo, que espetaculariza a barbárie e, longe de resolver a dita “situação de criminalidade”, incide sobre a vida, a paz e a dignidade dos moradores do Rio de Janeiro. Tudo regido por uma conveniente descoordenação com outras áreas do próprio governo do estado, bem como outras forças públicas, afetando os transportes públicos, escolas, serviços de saúde, justamente para intensificar a situação de caos social. 

O INCT-InEAC manifesta a necessidade dos organismos competentes acompanharem as investigações sobre a operação, bem como fiscalizarem a atuação das forças de segurança e do MPRJ, a fim de garantir transparência, imparcialidade e justiça às vítimas e seus familiares. Ainda manifesta sua preocupação pela recorrência incessante de ações policiais que resultam em chacinas e cuja espetacularização, através da circulação de imagens de terror, se torna mercadoria política e eleitoral. Faz-se necessário, por fim, um novo marco legal para tratar da questão em nível nacional, com a devida importância para com a complexidade envolvendo os fenômenos sociais abrigados sob a rubrica segurança pública.  O que deve rimar com a necessidade de retomada de uma política de presença do Estado nas comunidades, para além das políticas meramente repressivas, para que não permaneçam submetidas ao domínio armado de milícias e facções.

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