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Terça, 07 Julho 2020 16:17

As políticas de segurança pública do Supremo

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O artigo  "As políticas de segurança pública do Supremo" , escrito pelo pesquisador e cientista político Pedro Heitor Geraldo (INCT/INEAC) foi publicado no MÚLTIPLAS VOZES  - site https://www.fontesegura.org.br/newsletter/45 , confira abaixo:


As políticas de segurança pública do Supremo
Ministro Fachin determinou a suspensão de operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro na epidemia de COVID-19. Decisão será discutida em plenário em agosto

Pedro Heitor Barros Geraldo
7 de julho de 2020

As políticas violentas de segurança pública fluminenses estão sub judice. Num pequeno restrospecto de intervenções, o Estado do Rio de Janeiro sofreu uma desastrada intervenção federal na segurança pública em 2018 pelo então presidente e constitucionalista, Michel Temer. Em 2019, o governador Wilson Witzel, ex-juiz federal, orientou sua política mimetizando o presidente da República, em quem se apoiou para ser eleito. A secretaria de Estado de Segurança foi extinta, desarticulando projetos e uma tentativa de governança comum das polícias militar e civil. Assim, as polícias passaram a gozar de mais autonomia tendo cada uma sua própria secretaria. O governador estimulou publicamente os agentes a dispararem “um tiro na cabecinha” em quem portasse um fuzil. E explicou que a lei deveria ser interpretada para permitir esta prática homicida.

O Partido Socialista Brasileiro (PSB) apresentou ao STF a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) nº 635 contra a política de segurança pública do Estado do Rio de Janeiro. O pedido detalha as tragédias dos jovens assassinados e chama a atenção para os “Caveiroões aéreos”, solicitando a vedação do uso de helicópteros como “plataformas de tiro ou instrumentos de terror”. A autorização legal para usá-los para estes fins foi uma alteração em 2001 do decreto estadual de 1994. Aliás, o governador apareceu numa missão dentro do helicóptero juntamente com agentes que atiraram com um fuzil contra um barraco vazio. Num outro episódio, ele desceu de um helicóptero comemorando a execução pela polícia de um sequestrador no incidente que parou a ponte Rio-Niterói.

No dia 5 de junho, o Min. Fachin decidiu “que não se realizem operações policiais em comunidades do Rio de Janeiro durante a epidemia da COVID-19, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que devem ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a comunicação imediata ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro – responsável pelo controle externo da atividade policial”. A medida se estenderá até o início de agosto, quando será discutida no plenário. Esta decisão, por sua vez, explicita o problema da força e do alcance desta política de segurança pública do Supremo.

A decisão produziu uma limitação momentânea para a política estadual de segurança pública. As operações e os tiroteios diminuíram, mas não pararam. O Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense, coordenado pelo Prof. Daniel Hirata, publicou um relatório na Revista Dilemas identificando uma redução do número de operações policiais e óbitos, mas que foram registradas operações durante os quinze dias subsequentes à decisão. Infelizmente, as operações ainda continuam sendo realizadas e com vítimas fatais.

Apesar de não incluir o período de junho, o Instituto de Segurança Pública [1] indica que o número de mortes decorrente de intervenção policial na região metropolitana continua em patamares elevados como em 2019, quando tivemos 1647 registros. Entre os meses de janeiro a maio, somam 677 contra 665 neste ano. A decisão parece arrefecer a violência, mas ainda não sabemos por quanto tempo a decisão terá força para conter a multiplicação de operações. Afinal, o controle de abusos praticados por policiais não é uma prioridade para as instituições de segurança pública e justiça. Criadas para este fim, as audiências de custódia se tornaram mais um procedimento em que o custodiado é tratado como réu, embora o suposto crime não seja o objeto jurídico de apreciação.

O alcance da decisão é limitado em termos institucionais. Embora não possa muito diante da independência e autonomia do Ministério Público, o ministro Fachin reafirmou a competência do MP para conduzir as investigações de abusos policiais. Em sua manifestação, o MPRJ explicitou as dificuldades de articulação com o governo do Estado e as polícias representadas por seus secretários de estado. A autonomia e independência do MP favorecem maneiras distintas para tratar dos processos caso-a-caso.

Na prática, os promotores de justiça têm “entendimentos” particulares sobre os fatos e as regras jurídicas para gerir o trabalho. A exemplo do ocorrido na última semana com o ministro Gilmar Mendes, que absolveu uma mulher acusada de roubar uma peça de picanha no supermercado, e a ministra Rosa Weber, que negou a liberdade a um homem preso preventivamente por roubar dois xampus, a loteria das decisões não produz políticas de limitação do trabalho policial no cotidiano. A lógica da polícia-prende-e-a-justiça-solta se desenrola sem uma articulação do trabalho policial e o judicial, que funcionam excepcionalmente.

Neste contexto, a palavra da polícia tem um peso relativo, apesar da jurisprudência do TJRJ ter decidido que o testemunho do policial é suficiente para a condenação. As políticas não são produzidas explicitamente, mas tacitamente como resultado de um raciocínio jurídico prático para a gestão cotidiana dos processos. Aos policiais, cabe aprender prendendo. Em decorrência disto, outro problema mencionado é a adulteração das cenas dos crimes e a ausência coleta de provas pelos policiais.

A continuidade das operações e o excesso de autonomia e independência das instituições colocam à prova a força e o alcance da decisão. Os resultados são positivos, por enquanto. Mas as políticas de segurança pública do Supremo ainda são insuficientes para articular os profissionais das instituições de justiça e de segurança.

Pedro Heitor Barros Geraldo
Professor do Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (InEAC) da Universidade Federal Fluminense

 

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