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Claúdio Salles

Claúdio Salles

Nos próximos dias 14 e 15 de abril de 2021, acontece na Universidade Federal Fluminense – Campos de Goytacazes,  o ENCONTRO LATINO AMERICANO DE DIREITO, SOCIEDADE E CULTURA, evento realizado pelo Departamento de Ciência s Sociais da UFF.

Confira abaixo outras informações e a programação do ELADISC - UFF Campus dos Goytacazes.

 

PROGRAMAÇÃO
Sujeito a alterações
14/04/2021
16h – Mesa de Abertura
Carlos Abraão Moura Valpassos (UFF)
Frederico Carlos de Sá Costa (UFF – Campos dos Goytacazes)
Fernando Roberto de Freitas Almeida – (UFF)
Elian Araujo - Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio/Instituto dos Advogados Brasileiros
Sérgio Sant’Anna - Universidade Cândido Mendes/Instituto dos Advogados Brasileiros
Eduardo Devés – Universidad de Santiago de Chile
 
MESA 1 - Conferência de Abertura - Prof. Eduardo Devés – USACH – 16:30h
Tema: ¿Como entender os Ecosistemas Intelectuales? Las Redes Intelectuales y la Circulación de las Ideas.
Debatedor: Prof. Frederico Carlos de Sá Costa (UFF)
 
GRUPO DE TRABALHO: GT 1 - 14/04/21 - 18h
Tema: Democracia e autoritarismo na América Latina
Coordenador: Prof. Victor Leandro Chaves Gomes (UFF)
 
MESA JOVEM – 19:30h
Coordenadoras:
Profa. Jacqueline Deolindo (UFF)
Profa. Maria Manuela Maia(CBM/UNICBE)
 
15/04/2021
MESA 2 - Antropologia Legal en el Contexto Latino Americano - 16h
Convidado: Prof. Dr. Santiago Alvarez (Universidade Arturo Jauretche)
Debatedor: Prof. Carlos Abraão Moura Valpassos (UFF)
 
GRUPO DE TRABALHO: GT 2 - 15/04/21 – 17:30h
Tema: Cenários prospectivos e o futuro da Universidade Pública
Coordenador: Samuel Alves Soares (Programa de Pós Graduação Instituto San Tiago Dantas)
 
MESA JOVEM - 19h
Coordenadoras:
Profa. Jacqueline Deolindo (UFF)
Profa. Maria Manuela Maia (CBM/UNICBE)
20h – Encerramento
INFORMAÇÕES:
https://www.facebook.com/iladisc
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Quarta, 31 Março 2021 17:12

DIÁLOGOS E CONFLITOS: Estudos escolares

Nesta primeira Roda de Conversa, que será realizada no próximo dia 7 de abril, às 15:30, no canal INCT-InEAC no Youtube, serão apresentados e discutidos os episódios 8 e 11, respectivamente produzidos por estudantes do Colégio Estadual Joaquim Leitão, da cidade de Magé, e do Colégio Estadual Walter Orlandini, da cidade de São Gonçalo.  Como os podcasts não serão reproduzidos no momento da realização da Roda de Conversa (apenas apresentados e comentados), a ideia é que sejam ouvidos antes (Seguem os links abaixo). Contaremos, nesta ocasião, com os comentários do professor Fabio Reis Mota, do Departamento de Antropologia e do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da UFF.

 

Listen to "PODCAST CONFLITOS ESCOLARES (1) - Gabriela Lima Cuervo" from Conflitos e Diálogos: Pesquisas Escolares on Anchor: https://anchor.fm/pesquisas-escolares/episodes/8--No--fofoca---pesquisa---Conflitos-e-reproduo-de-desigualdades-no-espao-escolar-en72qb/PODCAST-CONFLITOS-ESCOLARES-1---Gabriela-Lima-Cuervo-a40eqfd

 

Listen to "Podcast - Feira de Ciências - Thayane Rocha" from Conflitos e Diálogos: Pesquisas Escolares on Anchor: https://anchor.fm/pesquisas-escolares/episodes/11--Conflitos-envolvendo-a-disciplina-de-Sociologia-em-uma-sociedade-polarizada-en742l/Podcast---Feira-de-Cincias---Thayane-Rocha-a40f1iu

 

 

 

 

Reproduzimos aqui o artigo do "O cultivo de maconha no Brasil: uma questão de direitos" , publicado no Blog Ciência e Matemática  https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/o-cultivo-de-maconha-no-brasil-uma-questao-de-direitos.html e escrito pelo antropólogo Frederico Policarpo (INCT/INEAC) . Confira abaixo:

 

O CULTIVO DE MACONHA NO BRASIL

O cultivo de maconha no Brasil: uma questão de direitos

Frederico Policarpo

 

 

No início do mês de março, um imbróglio jurídico ameaçou suspender o direito da associação canábica ABRACE de produzir e distribuir o óleo de maconha para seus associados e pacientes. Isso desencadeou uma forte reação em sua defesa pelas redes virtuais. A mobilização surtiu efeito e a ameaça não se concretizou. Porém, como esse episódio demonstra, o acesso à maconha para fins terapêuticos segue sendo muito precário no país. Nesta breve reflexão, gostaria de fazer alguns apontamentos, baseados em pesquisas que venho realizando sobre o tema, que podem contribuir para o debate público e, assim espero, ampliar a garantia do acesso à maconha medicinal para a população brasileira.


Começo destacando a mudança do estatuto legal da maconha que está ocorrendo no mundo inteiro. Vários países estão regulamentando o uso medicinal e, inclusive, legalizando seu uso para fins recreativos. A maconha está deixando de ser vista como uma droga ilegal, passando a ser considerada como um remédio e também uma mercadoria altamente rentável no mercado global. O que aconteceu? A maconha mudou? Obviamente, não foi o caso. Embora exista uma discussão científica acerca de sua classificação, e a tecnologia permita novas combinações genéticas, a maconha continua sendo a mesma espécie de planta, descrita como Cannabis Sativa L.


O que está ocorrendo é uma mudança de perspectiva sobre a maconha, provocada por vários fatores. O mais decisivo, sem dúvida, foi a eficácia clínica do uso da maconha para o controle da epilepsia refratária, em especial, nos casos envolvendo crianças portadoras de doenças raras. Crianças que sofrem 100 convulsões diárias, passam a ter duas com o uso da maconha, por exemplo. A partir dos anos 2000, os relatos desses casos bem-sucedidos logo se espalharam, graças à internet, e vários pacientes e seus familiares, bem com médicos e pesquisadores, passaram a se interessar pelo tratamento. Desde então, todo dia parece ter uma nova descoberta para a aplicação da maconha e ela é tão promissora que um dos mais renomados pesquisadores brasileiros na atualidade, o neurocientista Sidarta Ribeiro, afirma que a maconha está para a medicina do século XXI como os antibióticos estiveram para a medicina do século XX [1]. De modo resumido, esses dois aspectos – a confirmação da eficácia clínica e o potencial médico-científico – começaram a balançar as premissas das políticas proibicionistas sobre a maconha.


Indústria farmacêutica x cultivo nacional


No entanto, as implicações da proibição ainda continuam em vigor. Para além das conseqüências perversas já bem da “guerra às drogas”, o proibicionismo continua interferindo no nascente mercado legal da maconha e no seu acesso para fins medicinais. É o que o médico Ricardo Ferreira, pioneiro na discussão sobre os usos terapêuticos no Brasil, chama a atenção ao mostrar como a proibição afeta toda a cadeia de produção, fazendo com que o preço da maconha continue a ser excessivamente alto, em qualquer lugar do mundo [2]. Os preços só se tornarão acessíveis quando toda a cadeia for regulamentada, principalmente, o cultivo. Esse é um gargalo que é preciso ser enfrentado.


Há um projeto de lei em discussão no Congresso, o PL 399/2015, que trata do assunto, mas de forma muito tímida. São tantas restrições que só grandes empresas poderão investir no cultivo, excluindo as iniciativas das associações canábicas. Para se ter uma ideia, podemos comparar com o que se passa na oferta atual. Hoje em dia, há duas opções nas prateleiras das farmácias brasileiras: o Mevatyl, que é importado, e o extrato produzido pela empresa Pratti-Donaduzi, que é nacional. Há ainda a opção de importar diretamente, mas em todos esses casos o valor aproximado é o mesmo, custando em torno de 2.500 reais por 30ml. O modelo de associativismo da ABRACE, cultivando a maconha em solo nacional, diminui de forma significativa esse valor, para algo em torno de 300 reais. Como explicou o advogado Emílio Figueiredo, uma das vozes mais atuantes nessa discussão no país, isso é possível porque as associações não têm por finalidade a distribuição de lucros, como ocorre nas empresas, o que justificaria uma regulamentação específica para o associativismo canábico [3]. No entanto, dependendo do que for decidido no PL sobre o cultivo, a ABRACE corre o risco de fechar mais uma vez. A ameaça continua no horizonte das associações.    
 

Habeas Corpus para o cultivo doméstico

 
O associativismo canábico está se consolidando no Brasil, com propostas inovadoras de acolhimento de pacientes, divulgação de material científico e soluções para garantir o acesso à maconha [4]. O modelo adotado pela ABRACE é apenas uma das propostas, seguido agora pela APEPI, CANAPSE e a CULTIVE. Mas há outras iniciativas interessantes, como é o caso da estratégia legal do habeas corpus preventivo para o cultivo doméstico e a produção artesanal do óleo de maconha, idealizada pela Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, em diálogo com várias associações.


Esse habeas corpus funciona como um salvo-conduto para o cultivo e sua principal vantagem é sua rápida aplicação, que se justifica pela urgência do tratamento com a maconha. Além disso, uma vez adquiridos os conhecimentos básicos de cultivo e a autonomia na produção, o custo pode ser ainda menor do que em uma associação e infinitamente mais barato que nas farmácias. Essa estratégia está sendo bem-sucedida, com mais de 200 habeas corpus concedidos para esse fim, avalizados por tribunais de justiça em praticamente todo país. Quase toda semana um habeas corpus é concedido, garantindo o acesso legal ao tratamento para um paciente e um pouco de tranquilidade para seus familiares e cuidadores.


O rei está nu: a sujeição civil e a tutela jurídica


Além da importância do resultado alcançado, que é o cultivo doméstico e a autossuficiência na produção do remédio, essa estratégia jurídica também tem o mérito de explicitar uma característica do funcionamento do Estado brasileiro que gostaria de chamar a atenção porque tem implicações muito maiores.


Trata-se de uma forma peculiar do Estado distribuir e garantir o acesso aos direitos constitucionais, um dos temas centrais da rede de pesquisa que faço parte, o INCT-InEAC/UFF [5]. Como esse habeas corpus mostra, para que o direito constitucional à saúde e à dignidade seja confirmado, é exigida uma situação excepcional de falta. É preciso faltar saúde, faltar tratamento digno e faltar dinheiro. Só depois de caracterizada a situação de hipossuficiência, de completa sujeição civil, como diz Luís Roberto Cardoso de Oliveira [6], com a demonstração judicial de falta de recursos financeiros e de acesso médico, o Estado passa a dar ouvidos às demandas das pessoas. No caso, quanto mais documentos comprovando a gravidade da doença, mais digno é o paciente do ponto de vista estatal.


Somente após a sujeição civil, o Estado se mexe para garantir direitos básicos de cidadania dos pacientes demandantes. Aqui se escancara outro aspecto da distribuição desigual dos direitos no Brasil, que Roberto Kant de Lima vem descrevendo há anos [7], a tutela jurídica. É preciso se desigualar para acessar o direito. Ou seja, o paciente deve se diferenciar do cidadão comum, se colocando como hipossuficiente, para o Estado tutelar juridicamente seu direito à saúde e à dignidade, que, em tese, seria garantido a todo cidadão brasileiro. Esses são os eixos do habeas corpus.


Mas ainda há outro ponto chave da fundamentação jurídica desse habeas corpus, que me parece bem interessante e inovador. Uma vez alcançada a sujeição civil e reconhecida a tutela jurídica pelo Estado, o pedido de habeas corpus solicita o cultivo doméstico. Como justifica um dos idealizadores dessa estratégia, o advogado Ricardo Nemer, o cultivo doméstico representa a autotutela do direito à saúde e à dignidade [8].


Conclusão

O associativismo canábico no Brasil, aqui apresentado como o modelo de cultivo coletivo proposto pela ABRACE e do habeas corpus para o cultivo doméstico, colocam em debate a importância do cultivo de maconha em solo nacional. É esse o x da questão.


O episódio com a ABRACE, que começou como uma ameaça e terminou com a confirmação de sua importância, pode ser uma boa oportunidade para a sociedade brasileira encarar de frente essa discussão. Espero que os apontamentos feitos aqui contribuam para o debate público sobre o tema, chamando a atenção para a necessidade de uma regulamentação do cultivo de forma ampla e democrática, em diálogo com as associações canábicas e os pacientes. É preciso que o cultivo de maconha seja regulamentado no país, diminuindo os custos e ampliando o acesso ao direito dos brasileiros ao uso da maconha para fins terapêuticos.


Frederico Policarpo, Professor do Departamento de Segurança Pública/UFF  e Pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC – www.ineac.uff.br).


[1] Disponível em: https://radis.ensp.fiocruz.br/index.php/home/reportagem/hora-de-navegar-pelo-cerebro.


[2] Disponível em: https://sechat.com.br/por-que-os-produtos-a-base-de-cannabis-sao-tao-caros/


[3] Disponível em: https://www.cannabismonitor.com.br/emilio-figueiredo-mobilizacao-versus-oportunismo-no-caso-da-abrace/

[4] Ver: ZANATTO, RAFAEL MORATO. (Org.). Introdução ao Associativismo Canábico. 1ed.São Paulo: Disparo Comunicação e Educação - IBCCRIM - PBPD, 2020


[5] Ver: http://www.ineac.uff.br/


[6] Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/ciencia-matematica/post/exclusao-discursiva-e-sujeicao-civil-em-tempos-de-pandemia-no-brasil.html


[7] Ver, por exemplo, a coletânea: Ensaios de Antropologia e de Direito: Acesso à Justiça e Processos Institucionais de Administração de Conflitos e Produção da Verdade Jurídica em uma Perspectiva Comparada. 4ª. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris Ed., 2011.


[8] Disponível em: https://apublica.org/2020/09/cientistas-desafiam-proibicao-e-fundam-associacao-para-produzir-cannabis/

 

 

 

No próximo dia 18 de março de 2021, às 18 h, acontecerá o "Conversatorio sobre experiências de luta pelo direito à habitação em Granada e Rio de Janeiro′′ em modalidade online. A antropóloga Letícia Luna (UERJ) , pesquisadora vinculada ao INCT/INEAC participa da atividade.  Mais detalhes confira no cartaz abaixo. 

Envolvendo pesquisadores do INCT INEAC e o do Instituto Migraciones, acontece no próximo dia 22 de março, de 2021, o Seminário Virtual POLÍTICAS PÚBLICAS Y DERECHOS HUMANOS EN BRASIL: UNA MIRADA DESDE RIO DE JANEIRO. Mais detalhes confira no cartaz abaixo.

Hoje, dia 8 de março de 2021, no dia Internacional da Mulher, a TV TRE-RJ recebe a historiadora Lana Lage, pesquisadora vinculada ao INCT/INEAC para uma entrevistas às 14:30h . O tema da live é : VIOLÊNCIA DE GÊNERO NO AMBIENTE DE TRABALHO.

Para assistir acesse youtube.com/tvtrerj

 

 

 

A ética dos operadores do Direito e o espírito da Lava Jato

PEDRO HEITOR BARROS GERALDO
ROBERTO KANT DE LIMA
05/03/2021

Neste momento, a revisão das práticas do Ministério Público Federal e da Justiça Federal em relação à Lava Jato tem apontado para um grande desconforto das autoridades em lidar com a maneira de organizar a justiça, especialmente a criminal, e recuperar uma confiança pública indispensável ao funcionamento das instituições nas sociedades democráticas. A revista Veja informou que o Min. Luiz Fux teria dito sobre a eventual anulação dos processos da Lava Jato que “Não quero nem pensar nisso. Um absurdo. Uma vergonha nacional. O respeito ao STF vai para o esgoto.” (BONIN, 2021)

O título deste artigo faz uma alusão direta ao livro do sociólogo alemão Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo. Para ele, a secularização das relações sociais na vida moderna ajuda a compreender como os valores que orientam a maneira de fazer, a ética protestante, acomodou as finalidades do espírito do capitalismo. Assim os sentidos religiosos da ética protestante estavam encarnados no cumprimento dos acordos, na dedicação ao trabalho e na crença na prosperidade como um sinal da graça divina.
Por sua vez, o espírito do capitalismo orienta as práticas sociais para a acumulação do lucro como finalidade da ação social. Os valores da ética protestante foram ressignificados progressivamente pelo espírito do capitalismo. Para Weber, isto teria favorecido o desenvolvimento do capitalismo nas sociedades protestantes. Esta hipótese nos ajuda a pensar como as práticas do mundo moderno são capazes de serem ressiginificadas a partir de novas vocações.

Numa entrevista ao Jota, o Min. Gilmar Mendes explicitou um constrangimento sobre a “força tarefa”: “o que foi que nós fizemos de errado para permitir esse tipo de coisa?” (“Casa JOTA”, 2021). Esta pergunta tem sentidos sócio-antropológicos sobre os quais se pode fazer muitos juízos de valor. Entretanto, podemos fazer duas reflexões a partir deste questionamento: a primeira se relaciona com o modelo de organização da justiça e como ele se produz e reproduz através das práticas dos operadores do direito; a segunda se refere à identificação do erro profissional pelos agentes judiciários. Estas duas questões estão imbricadas na medida em que o modelo de organização da justiça garante a revisão das suas decisões como uma forma de proteger os cidadãos de eventuais erros, mas também para preservar “o respeito” da sociedade aos tribunais, como teria sugerido o Min. Fux.

A ética dos operadores do direito

No Brasil, a ética dos operadores do direito naturaliza a proximidade organizacional e social entre promotores e juízes sem se questionar sobre suas razões inquisitoriais de sua organização (KANT DE LIMA, 2013). A presença do Tribunal do Santo Ofício, da religião Católica Apostólica Romana como religião oficial do estado e da forma como se constituíram as Faculdades de Direito preservaram a reprodução deste conhecimento. Outro exemplo da permanência destas práticas foi a decisão do Conselho Nacional de Justiça em 2007 preservando os crucifixos nos tribunais.

A mudança de regimes políticos produziu uma transformação das finalidades das instituições judiciais, mas não necessariamente das práticas de decisão aprendidas pelos membros da justiça no seu cotidiano de trabalho. O próprio inquérito policial é um instrumento jurídico criado no Império. Mais recentemente, o pacote medidas anticorrupção amplamente apoiado pelos lavajatistas continha a figura do juiz de garantias. Entretanto, o Min. Fux decidiu monocraticamente suspender a eficácia de uma norma aprovada pelo Congresso Nacional para realizar audiências públicas para debater o tema entre os amici curiae ­— os amigos da corte — que são autorizados a opinar pelo próprio Ministro (FREITAS, 2020).

A confusão entre acusação e juiz é própria dos modelos inquisitoriais de organização da justiça, como é o modelo francês e o brasileiro, embora tenham diferenças nas formas de se tratar o erro judicial.

No entanto, a forma de se ensinar processo civil e penal no Brasil dificulta esta compreensão pelos operadores que dividem a fase inquisitória no inquérito policial e identificam nossas práticas judiciais como acusatórias quando e onde se iniciaria o processo. Para os processualistas, a distinção está fundada na possibilidade de apresentar uma defesa pelo exercício do contraditório.

Todavia esta distinção é insuficiente para se compreender o modelo de organização da justiça já que o que as distingue é a divisão do trabalho (e dos poderes) entre os diferentes atores da justiça e as formas de constrangimento nas formas de administração de conflitos. A divisão do trabalho entre os atores é diferente, mas os processualistas explicam que é meramente um problema processual de instrução probatória (GRINOVER, 1999).

O modelo inquisitorial de fato é conhecido por deixar menos espaço para a defesa, pois há uma concorrência nos poderes instrutórios de acusação e juiz contra o acusado. Mas também pela dificuldade organizacional de se limitar os poderes do juiz e do promotor. A distinção dos modelos inquisitoriais francês e brasileiro reside justamente na identificação dos limites profissionais que permitem identificar o erro judicial.

Na França a relação de proximidade entre a polícia e o ministério público se realiza de forma mais cooperativa (MOUHANNA, 2011). Afinal, os promotores (considerados substitutos do procurador) devem se orientar por políticas criminais comuns estabelecidas pela instituição. Além disto, a denúncia produz uma responsabilização pelo engajamento da ação, pois o “substituto do procurador” atua em nome de toda a instituição (e não particularmente segundo suas próprias convicções) e não pode desistir da denúncia (PAES, 2013).

Assim, há funções complementares ­— e não suplementares, e eventualmente concorrentes — distintas dos agentes, o que permitiria identificar suas respectivas responsabilidades. O código de processo penal francês indica como devem ser as relações entre os diferentes atores no processo como o juiz, o promotor, o “officier du ministère public” (um policial indicado pelo promotor para substituí-lo na audiência judicial na primeira instância); o juiz de instrução; o juiz da detenção e das liberdades; e a polícia judiciária. E em quais circunstâncias as decisões podem ser proferidas e supervisionadas.

Para os juristas franceses, o processo deve ter um limite para a constituição dos fatos. O “Tribunal de Police” é a primeira instância da justiça francesa com apenas um juiz, uma exceção nas formas de organização da justiça francesa. Nesta jurisdição, o “officier du ministère public” (um policial indicado pelo promotor) realiza os atos jurisdicionais de requerer a pena (GERALDO; BARÇANTE, 2017). Os requerimentos devem seguir uma política persecutória institucional definida pelo “Procureur da République” que se faz substituir e em nome de quem agem os demais promotores franceses, que não têm muita autonomia.

Esta complexidade do trabalho judiciário permite compreender como os constrangimentos institucionais são construídos na interação entre estes atores. Dois exemplos também demonstram uma limitação ao poder de julgar prisões, sejam as temporárias para investigação, que nos casos graves podem chegar a quatro dias, e as provisórias, que devem ser revisadas ao fim das decisões e que não podem ultrapassar quatro meses.

O julgamento dos delitos e dos crimes é uma outra diferença organizacional significativa, pois em regra é realizado por um colegiado de três juízes. Ao passo que no Brasil, a regra é o julgamento monocrático, mesmo nos colegiados (SETA, 2015). De forma consciente, a proximidade entre os membros da organização judiciária francesa produz uma necessidade de dar mais transparência e racionalidade à divisão do trabalho judicial. O procedimento é uma limitação à forma de fazer visando prevenir decisões arbitrárias.

O espírito da Lava Jato

O espírito da Lava Jato é hoje melhor informado pela série de reportagens da Vazajato do Intercept e do reconhecimento da autenticidade das conversas pela operação “spoofing”, além das reiteradas afirmações do juiz Moro de que não haveria nada demais nessas interações, que seriam comuns entre os agentes públicos no processo penal (KANT DE LIMA; MOUZINHO, 2016). A proximidade entre os procuradores e o juiz do caso era naturalizada no conteúdo das conversas discutindo estratégias de acusação com o juiz.

O que caracteriza o espírito da Lava Jato é a obsessão persecutória contra uma suposta e atávica corrupção “sistêmica” entre os políticos e empresários que os procuradores buscavam demonstrar a todo custo. Este cacoete foi chancelado e justificado publicamente em decisões por juízes, desembargadores e ministros. As ações foram defendidas por diferentes meios de comunicação que construíram a figura do juiz-herói ao qual era autorizado o justiçamento contra um inimigo comum, os réus nos processos criminais. Mas os profissionais da mídia buscavam informações em práticas conhecidas como “vazamentos seletivos” de informações de responsabilidade dos operadores do direito. A teoria implícita do poder dos lavajatistas é a de que é se pode descumprir a regra para fazê-la cumprir.

Neste momento, testemunhamos o fim da força tarefa, que já estava bastante afetada pela transição do juiz-herói ao Ministério da Justiça. Na falta de outro herói ou heroína, a força tarefa foi sendo exposta mais pela reação às consequências dramáticas em termos das garantias de direitos aos acusados (e condenados) e dos usos políticos de informações sigilosas — como o grampo da Presidenta da República ­— do que por dever de transparência dos rituais de justiça. O espírito da Lava Jato encarnou em práticas conhecidas e naturalizadas pelos atores da justiça. A recorrente corroboração destas práticas, inclusive pelos órgãos correcionais, produziu um ambiente propício para o uso ilimitado dos poderes judiciários.

A organização da justiça e o erro judicial

O problema do erro profissional, assim, se apresenta como um desafio institucional. Afinal, estas práticas ordinárias dos operadores do direito são naturalizadas nos fóruns e tribunais brasileiros. No entanto, são tratadas sempre como um problema de culpabilização, em que basta eliminar da instituição aquele que praticou o erro e o caso está resolvido. Entretanto, as condições de produção do que pode ser entendido como erro continuam.

Uma outra comparação com o contexto francês pode ajudar a compreender a distinção. Em 2004, o jovem juiz de instrução Fabrice Burgaud prendeu provisoriamente dezoito pessoas, inclusive pais das vítimas sob a suspeita de formar uma rede internacional de pedofilia. Os relatórios dos experts confirmavam as declarações das crianças em relação à pedofilia. Um dos presos morre­ na prisão — uma das versões é de suicídio — suscitando muita desconfiança sobre a instrução do processo. Durante as audiências, a credibilidade dos pareceres psicológicos foi colocada em questão com a retratação das declarações pelas crianças. No final de 2005, os réus foram absolvidos.

O procurador geral e o presidente da república apresentaram suas escusas aos acusados em nome da República. Mais tarde dois acusados foram condenados. O próprio juiz de instrução recebeu a sanção mais leve aos magistrados pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM). Afinal, a revisão das decisões no processo permitiu concluir que ele não cometeu nenhum erro grave. O trabalho foi realizado da forma como ele o aprendeu na Escola Nacional da Magistratura. Este erro judiciário foi revisado por uma comissão parlamentar de inquérito para tratar dos disfuncionamentos da justiça neste caso e de formular propostas para evitar sua repetição. Isto resultou em mudanças na seleção e ensino profissional desta função pública de julgar dentre outras consequências politicamente negativas para a magistratura.

A revisão do erro neste contexto ensejou uma reflexão sobre os limites da atividade de julgar. Esta forma de organização inquisitória explícita é limitada pela divisão do trabalho de julgar entre os magistrados “du siège”, o juiz, e “du parquet”, o promotor, que pertencem à mesma instituição e podem mudar de posição ao longo da carreira. Se por um lado fazem parte da mesma instituição, eles se distinguem pela performance durante o ritual, pois os promotores se levantam para fazer suas requisições e permitir ao público presente identificar quem é quem na audiência.

Além disto, as formas das atividades realizadas entre os profissionais são especificadas e explícitas, seja a decisão colegiada, seja a revisão por diferentes juízes, mas também aquelas que são da competência dos secretários — os greffiers — encarregados de zelar pela lisura do cumprimento das regras de processo, e da organização do próprio Ministério Público que produz políticas comuns para o trabalho institucional de acusar.

Em nossas práticas, a inquisitorialidade é implícita e, consequentemente, carece de limites explícitos. Juízes e promotores concorrem na instrução e estes últimos buscam preservar a proximidade — inclusive espacial — com a magistratura durante o ritual das audiências. Ao permanecer ao lado dos juízes nas pequenas e cada vez mais restritas salas de audiência, os representantes do Ministério Público buscam legitimar uma confusão — ou até mesmo uma competição — no exercício das funções institucionais de controle social repressivo — ao invés de construir uma distância necessária para seu trabalho como parte no processo.

O erro judiciário é um inconveniente tratado sempre através de práticas de culpabilização; e, em consequência, uma ausência de responsabilização dos agentes pelo mau desempenho sistemático de tarefas claramente diferenciadas para que os erros não se repitam. A naturalização dos poderes de juízes e magistrados brasileiros na utilização de critérios particulares, de seu livre convencimento, para identificar quais são os fatos, qual é o procedimento e quais são os significados das regras de direito não produz limites que definam responsabilidades no trabalho (MENDES, 2012).

Por isso, neste sistema, quando por algum motivo ocorre a “descoberta” da possibilidade de um erro, só é possível a culpabilização individual do agente que o cometeu. Ao contrário, a discussão sobre o erro profissional na França passa necessariamente por uma discussão sobre o modelo de organização da justiça e forma de distribuição explícita das diferentes funções dos agentes, que permitem a sua proteção, bem como a dos jurisdicionados, em casos dos eventuais – e inevitáveis – erros profissionais.

Os modelos acusatoriais ou inquisitoriais desenvolveram mecanismos para limitar o arbítrio dos operadores da justiça, a partir da divisão do trabalho. No contexto brasileiro, este questionamento é sempre pertinente, mas exige dos profissionais da justiça mais do que se preocupar com a reputação das Cortes, pois o espírito da Lava Jato explicitou e imantou as práticas inquisitoriais seculares dos operadores com um sentido ainda mais repressivo, tornando-as publicamente legítimas e juridicamente inquestionáveis. Não por outra razão, ao favorecer o desenvolvimento do aparato repressivo, a especialização da atividade de “combater a corrupção” no judiciário foi qualificada pelo Min. Gilson Dipp como “o maior capital político do judiciário brasileiro de todos os tempos” (MIGALHAS, 2019). Em consequência, o reconhecimento da efetividade prática e simbólica do poder legitimou a ausência de limites para o seu exercício.

Estes limites passam a ser vistos como obstáculos para a realização da justa repressão. Ora, a explicitação da especialização funcional surgiria aqui como um recurso para preservar a tradição inquisitorial brasileira de garantir muita autonomia de organização do trabalho cotidiano dos agentes judiciários, limitando, no entanto, a absoluta independência para julgar aos juízes, já que não há, em nosso processo, critérios explícitos e transparentes para limitá-la, além de sua própria moralidade e reputação corporativa (LUPETTI BAPTISTA, 2013).

O aumento do “capital político” dos juízes e promotores associado às práticas inquisitoriais tornam o problema do erro ainda mais complexo, uma vez que a própria organização da justiça impede que as questões sejam formuladas desta maneira. O que parece e faz a sociedade crer que estes profissionais não erram. Se de um lado a força tarefa se desmonta, por outro o espírito da Lava Jato continua presente nas práticas comuns no cotidiano dos fóruns.

Assim, quando observamos a cruz encravada ao lado do brasão da república no plenário do STF podemos refletir em nome de quem os ministros realizam seu trabalho e quais os sentidos os ministros esperam que a sociedade compreenda de seu trabalho. O questionamento do Min. Gilmar Mendes coloca no centro das preocupações uma reflexão mais ampla sobre o alcance da compreensão dos próprios operadores para se tratar do problema do erro na justiça e a forma de organizar os poderes na administração dos conflitos numa sociedade cada vez mais atenta aos segredos guardados entre a cruz e a espada e trazidos ao conhecimento público por artimanhas digitais.


Referências bibliográficas

BONIN, R. Anulação da Lava-Jato será ‘vergonha nacional’, diz Fux a aliados | Radar. VEJA, 14 fev. 2021.

Casa JOTA: entrevista exclusiva com ministro Gilmar Mendes. JOTA Info, 5 fev. 2021. Disponível em: <https://www.jota.info/casa-jota/casa-jota-entrevista-exclusiva-com-ministro-gilmar-mendes-05022021>. Acesso em: 19 fev. 2021

FREITAS, H. Fux revoga decisão de Toffoli e suspende juiz de garantias por tempo indeterminado. JOTA Info, 22 jan. 2020.

GERALDO, P. H. B.; BARÇANTE, L. F. DE S. A (des)confiança na polícia: uma comparação entre a relação do Ministério Público e a polícia no Brasil e na França. Civitas – Revista de Ciências Sociais, v. 17, n. 1, p. 159–176, 9 maio 2017.

GRINOVER, A. P. A iniciativa instrutória do juiz no Processo Penal acusatório. Revista brasileira de ciências criminais, n. 27, p. 71–79, 1999.

KANT DE LIMA, R. Entre as leis e as normas: Éticas corporativas e práticas profissionais na segurança pública e na Justiça Criminal. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social, v. 6, n. 4, p. 549–580, out. 2013.

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MIGALHAS. Gilson Dipp – Varas especializadas em lavagem de dinheiro, 2019. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=rbLt10ph_6M>. Acesso em: 19 fev. 2021

MOUHANNA, C. As relações entre o Ministério Público e a Polícia na França: uma parceria ameaçada? Revista do CNMP, v. 1, n. 2, p. 13–34, 2011.

PAES, V. G. F. Crimes, procedimentos e números – estudo sociológico sobre gestão dos crimes na França e no Brasil. Rio de Janeiro: Garamond, 2013.

SETA, C. G. C. DE. Consenso nas decisões do Supremo Tribunal Federal: Um estudo empírico sobre a construção da verdade jurídica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.

PEDRO HEITOR BARROS GERALDO – Professor do Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (InEAC-UFF), do Programa de Pós-graduação em Sociologia e Direito (PPGSD), bolsista Jovem Cientista do Nosso Estado da FAPERJ e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Sociologia do Direito.
ROBERTO KANT DE LIMA – Professor Titular de Antropologia - UFF e UVA, Coordenador do NEPEAC/INCT-InEAC - Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos/PROPPi/UFF, Cientista do Nosso Estado da FAPERJ, Bolsista de Produtividade em Pesquisa 1A do CNPq e Membro da Academia Brasileira de Ciências.

O site do Inct/Ineac reproduz aqui o artigo O Sistema Judicial brasileiro em ação e a impossibilidade da igualdade jurídica no Brasil, publicado nessa segunda , dia 1/3/2021, no Blog Ciência e Matemática do O GLOBO, escrito pelos pesquisadores Fernanda Duarte (UNESA, UFF), Rafael Mario Iorio Filho (UNESA, UFF) e Bárbara Gomes Lupetti Baptista (UVA, UFF), todos vinculados ao Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC – www.ineac.uff.br).

 

IGUALDADE JURÍDICA NO BRASIL

O Sistema Judicial brasileiro em ação e a impossibilidade da igualdade jurídica no Brasil

01/03/2021 • 10:00

Fernanda Duarte, Rafael Mario Iorio Filho, Bárbara Gomes Lupetti Baptista

A afirmação de que a sociedade brasileira se estrutura de forma hierarquizada, reproduzindo uma ética aristocrática, em vez de republicana, permite questionar se a tarefa de administrar conflitos através da aplicação das leis pelo Juiz contribui para o reforço dessa hierarquização, quando vemos que casos semelhantes são tratados de forma desigual pelos tribunais, a partir dos sensos de justiça dos magistrados, que usam suas formas particularizadas de interpretar os fatos, as provas e as leis. Ora, se essas formas particularizadas não refletem o princípio da igualdade jurídica, que está escrito na Constituição e determina que todos são iguais na lei e na aplicação da lei, e afinal, se os juízes têm o dever de tratar os cidadãos com igualdade, como é possível que o resultado prático da atividade jurisdicional seja a desigualdade na aplicação das leis?

Ensaiamos nossa resposta partindo da hipótese de que o nosso sistema de justiça, para além de refletir aspectos de nossa cultura social (que opera a partir da desigualdade, conforme já ressaltaram, desde o final dos anos 70, os antropólogos Roberto DaMatta, Roberto Kant de Lima e Luís Roberto Cardoso de Oliveira), também se estrutura a partir de uma maneira específica de decidir (que chamamos de gramática decisória) que está fundada na regra da desigualdade.

Os dados que temos coletado em nossas pesquisas sugerem existir categorias implícitas ao sistema jurídico brasileiro, que estruturam processos mentais decisórios dos juízes e que resultam na atuação desigual do próprio Poder Judiciário, com a manutenção da desigualdade jurídica – que asssim segue naturalizada e invisível. Essas categorias são: a autorreferencialidade; o juiz bricoleur e a lógica do contraditório.

A autorreferencialidade está representada na frase: “cada cabeça é uma sentença” e indica a posição de centralidade que o Juiz ocupa no processo judicial. Tanto assim, que outra frase comum entre advogados é “o bom advogado conhece a Lei; o melhor conhece o Juiz”.

Essa centralidade permite aos magistrados conduzirem os processos como melhor entenderem a despeito do que está escrito na lei, seja autorizando ou negando a produção de certas provas; ouvindo, ou não, testemunhas; marcando, ou não, audiências; permitindo, ou não, que sejam realizadas perícias técnicas....

Na prática, o juiz é o “dono do processo” e sendo o “dono”, ele pode conduzir o caso como quiser, cumprindo apenas exigências retórico-formais de fundamentação, pois esse exercício de tomada de decisão passa por suas interpretações pessoais sobre os fatos, as provas e os significados atribuídos às Leis, conforme suas convicções.

Associado a isso, temos o juiz bricoleur ilustrado na expressão “cada caso é um caso”. A ideia do bricoleur é explorada por Levi Strauss, em O Pensamento Selvagem, e aqui a utilizamos porque o Judiciário atua como uma artesão, em suas decisões, descontextualizando os sentidos das palavras para ressignificá-los de modo completamente novo e até inédito, distantes do que originalmente queriam dizer.

E, se estamos comparando o modus operandi do bricoleur com o Judiciário brasileiro, fundamental se torna conhecer de que ‘estante’ e ‘materiais’ os juízes se servem para a construção de suas decisões. Este repertório funciona regularmente a partir de estratégias argumentativas que desconsideram os contextos históricos; referenciam obras estrangeiras concebidas para outros sistemas jurídicos que não o brasileiro, pressupondo um Direito universal; ou mesmo adotam o uso de fragmentos da doutrina jurídica e do processo, muitas vezes, a partir de argumentos de autoridade, instrumentalizando-os como bem lhes aprouver, e, portanto, fora de seus sentidos originários.

Sendo assim, se para este juiz bricoleur as interpretações sobre fatos, provas e leis são singulares, não existe o dever ou o compromisso de estabelecer parâmetros e procedimentos universalizantes que constranjam sua pessoalidade para possibilitar o reconhecimento da semelhança entre casos e cidadãos. Se não há esse reconhecimento de semelhanças, fica inviabilizada uma aplicação universalizante e igualitária da lei, pois afinal, “cada caso é um caso”.

Por fim, temos a lógica do contraditório, que não é o princípio processual do contraditório. Essa lógica é uma forma de pensar, de raciocínio, que aponta sempre para a disputa, o divergir. Essencialmente, ela se estrutura na supressão da possibilidade de os participantes do debate alcançarem consensos, sejam eles partes do conflito, operadores jurídicos ou doutrinadores. A lógica do contraditório sugere ausência de consenso interno ao saber produzido no próprio campo e, no limite, falta de consenso externo, manifesto na distribuição desigual da justiça entre os jurisdicionados pelas mesmas leis que lhes são aplicadas e pelos mesmos tribunais que lhes ministram a prestação jurisdicional.

Esta lógica não opera consensos ou verdades consensualizadas, nem interpretações compartilhadas sobre os significados das leis, ao contrário, ela alimenta a infinita discordância e, com isso, instrumentaliza a desigualdade. O contraditório até permite se convergir no resultado final da decisão (por exemplo, nos casos dos julgamentos dos tribunais que são unânimes ou mesmo por maioria), mas não acorda em relação aos fundamentos.

Essa lógica do contraditório constitui e estrutura o próprio campo jurídico brasileiro, sendo significativo que os alunos de direito, desde cedo, sejam apresentados a diferentes “correntes” doutrinárias sobre os mais variados temas. E também nas provas da faculdade e nos concursos públicos, como para a magistratura, é frequente que seja exigido o domínio de “questões controvertidas”, cuja resposta esperada implica na exposição das distintas correntes ou posicionamentos sobre o problema. De forma jocosa, se ensina aos candidatos que a resposta a ser dada na prova deve começar com a expressão “depende”.

Desta forma, esta lógica é responsável por naturalizar a desigualdade, já que todos os posicionamentos jurídicos são possíveis, admissíveis e disputam ““vencer” em um jogo que é do juiz (autorreferencialidade).

Neste horizonte, o contraditório acaba sendo uma ferramenta que, de um lado, autoriza a possibilidade de bricolagem das decisões judiciais e, de outro, justifica o arbítrio das escolhas dos magistrados, estando, tudo isso, à disposição de uma estrutura de poder a serviço da desigualdade jurídica e, consequentemente, do tratamento não uniforme aplicado aos casos concretos e às vidas dos cidadãos dessa república que se fragiliza, quando um dos seus Poderes se estrutura nessa dimensão.

Ora, se “cada cabeça é uma sentença”, se “cada caso é um caso” e se o significado dos fatos, das provas e da lei sempre “depende”, a IGUALDADE JURÍDICA NO BRASIL É IMPOSSÍVEL.

Fernanda Duarte (UNESA, UFF), Rafael Mario Iorio Filho (UNESA, UFF) e Bárbara Gomes Lupetti Baptista (UVA, UFF) são pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia – Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos (INCT-InEAC – www.ineac.uff.br).

 

 
 
 
 
 
 

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Publicado na DILEMAS - Revista de Estudos de Conflitos e Controle Social - https://www.reflexpandemia.org/texto-98 disponibilizamos aqui o artigo "Sujeição sanitária e cidadania vertical: Analogias entre as políticas públicas de extermínio na segurança pública e na saúde pública no Brasil de hoje", escrito pelo antropólogo e coordenador do INCT/INEAC Roberto Kant de Lima (UFF/UVA) e o Sociólogo Marcelo da Silveira Campos (UFGD e INCT/INEAC).

Para ler o artigo faça download do PDF anexo abaixo.

 

No dia em que a segunda turma do STF julga a manutenção da publicidade das informações escabrosas sobre os escândalos processuais e as relações mais do que promíscuas da lava jato com o então juiz Sérgio Moro, o professor Jorge Alexandre Neves recebe o antropólogo Daniel Simião (INCT/INEAC - UNB) para  discutir a cultura jurídica e a dominação estamental, no Brasil. 

Para assistir acesse o link https://www.youtube.com/watch?v=ZEkBtYb-47w&feature=youtu.be

Daniel Schroeter Simião é Doutor em Antropologia Social pela Universidade de Brasília e mestre em Antropologia Social pela UNICAMP, é atualmente professor adjunto do Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB), onde atua na graduação em ciências sociais e no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Realiza pesquisas nas áreas de antropologia urbana, gênero, antropologia do direito e da política, possuindo diversos artigos publicados nas áreas, uma coletânea organizada, além de diversos capítulos de livros no Brasil e no exterior. Integra o Instituto de Estudos Comparados em Administração Institucional de Conflitos (INCT/InEAC) e mantém colaboração com o Núcleo de Estudos de Populações Tradicionais e Quilombolas (NuQ) da Universidade Federal  de Minas Gerais.

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