Dia Internacional da Mulher e a (Des)Igualdade Jurídica no Brasil: Avanços e Desafios

O site do INCT INEAC reproduz aqui o artigo ” Dia Internacional da Mulher e a (Des)Igualdade Jurídica no Brasil: Avanços e Desafios” do professor de direito da UFF Rafael Iório Filho, pesquisador vinculado ao INCT INEAC , publicado no DIÁRIO DO RIO – https://diariodorio.com/dia-internacional-da-mulher-e-a-desigualdade-juridica-no-brasil-avancos-e-desafios/ .

Dia Internacional da Mulher e a (Des)Igualdade Jurídica no Brasil: Avanços e Desafios

No Dia Internacional da Mulher, é essencial refletir sobre os avanços e desafios da igualdade jurídica no Brasil.

Por

 Rafael Iorio – 10 de março de 2025

No Dia Internacional da Mulher, é essencial reconhecer e celebrar a luta histórica das mulheres por igualdade de direitos e justiça. Esta data, além de um momento de homenagens, também nos convida à reflexão sobre os desafios ainda presentes na busca por uma verdadeira igualdade jurídica no Brasil. Embora a legislação brasileira contemple princípios que garantem a igualdade formal, a realidade prática é distinta: a (des)igualdade persiste na aplicação das leis, especialmente no que tange às mulheres.

              A presente análise se propõe a discutir os avanços conquistados, as limitações do sistema judicial e os desafios futuros na construção de um ordenamento jurídico verdadeiramente igualitário.

1. Igualdade Formal vs. Igualdade Material: O Mito da Neutralidade da Lei

              A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, garante que “todos são iguais perante a lei”. No entanto, a igualdade formal, ou seja, a previsão normativa de que homens e mulheres possuem os mesmos direitos, não se traduz necessariamente em igualdade material, ou seja, na garantia efetiva de oportunidades e proteção contra as desigualdades estruturais da cultura jurídica brasileira.

              A história demonstra que a legislação, apesar de avanços significativos, ainda carrega traços de um ordenamento jurídico construído sob uma lógica de antigo regime. As próprias interpretações das normas muitas vezes reforçam a desigualdade, dificultando o acesso das mulheres à justiça e perpetuando situações de exclusão e violência.

2. A (Des)Igualdade Jurídica Brasileira na Administração de Conflitos

Estudos acadêmicos apontam que a (des)igualdade jurídica no Brasil ocorre em dois planos:

  • No aspecto normativo: legislação que, embora aparentemente neutra, pode gerar desigualdades ao não considerar as especificidades da experiência feminina na sociedade.
  • Na administração judicial de conflitos: aplicação da lei de forma particularizada e discricionária, resultando em decisões que podem reforçar desigualdades de gênero.

              Isso significa que casos semelhantes recebem soluções distintas, sem critérios objetivos claros, resultando na perpetuação de hierarquias e desigualdades jurídicas e sociais.

              A observação empírica do funcionamento do Poder Judiciário revela que a desigualdade jurídica não se limita ao que está escrito na lei, mas se estende ao modo como as decisões são proferidas. No Brasil, a gramática decisória dos juízes não segue um modelo universal e equitativo. Em vez disso, cada magistrado atua como um bricoleur, no sentido descrito por Lévi-Strauss, apropriando-se de fragmentos jurídicos conforme sua conveniência e convicção pessoal.

 Esse fenômeno resulta em decisões altamente personalizadas, que se afastam da previsibilidade e da coerência esperadas de um sistema judicial imparcial. Como consequência, há um reforço de desigualdades já existentes, pois as interpretações particulares dos magistrados podem ser influenciadas por vieses inconscientes, resultando em um tratamento jurídico desigual para homens e mulheres. A frase “cada cabeça uma sentença” expressa bem esse problema estrutural da justiça brasileira.

              Outro fator relevante é a lógica do contraditório, que, em vez de garantir um espaço democrático para as partes se manifestarem, muitas vezes fomenta ainda mais desigualdade. O embate jurídico, longe de ser um processo equilibrado, favorece aqueles que possuem maior acesso a recursos jurídicos, deixando as mulheres em uma posição de vulnerabilidade, especialmente em casos de violência doméstica, assédio e desigualdade no ambiente de trabalho.

              A combinação desses elementos – decisões individualizadas, ausência de um padrão interpretativo e o peso desigual do contraditório – consolida uma estrutura jurídica que perpetua a desigualdade. Assim, mesmo com um arcabouço normativo formalmente igualitário, a realidade prática da justiça brasileira ainda exclui e prejudica as mulheres, tornando essencial uma revisão dos mecanismos judiciais e a adoção de políticas que garantam maior equidade na aplicação da lei.

3. A Discricionariedade Judicial e seus Impactos para as Mulheres

A interpretação das normas pelos magistrados, frequentemente subjetiva e autorreferenciada, tem um impacto profundo na vida das mulheres.

              Por exemplo, em casos de violência doméstica, apesar da existência da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), muitas decisões ainda minimizam a gravidade das agressões ou negam medidas protetivas sob o argumento de “ausência de risco iminente”. A subjetividade judicial acaba por enfraquecer a proteção oferecida pela legislação.

4. Os Avanços na Proteção dos Direitos das Mulheres

              Apesar das dificuldades, o Brasil tem avançado na promoção dos direitos das mulheres:

  • A Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015) incluiu o assassinato de mulheres por razões de gênero como crime hediondo.
  • A Lei da Importunação Sexual (Lei 13.718/2018) criminalizou assédios e abusos sexuais.
  • Programas de incentivo à presença feminina no mercado de trabalho e em cargos de liderança têm sido ampliados.

              No entanto, a efetivação dessas normas ainda encontra resistências e desafios culturais e institucionais.

5. Desafios e Caminhos para o Futuro

              Para que o direito se torne um verdadeiro instrumento de igualdade, algumas medidas precisam ser implementadas:

  • Capacitação de magistrados, promotores e operadores do direito sobre questões de gênero.
  • Maior representatividade feminina nos órgãos do sistema de justiça, garantindo que as decisões reflitam uma perspectiva mais equitativa.
  • Criação de mecanismos de monitoramento da aplicação das leis voltadas à proteção das mulheres.
  • Revisão de normativas que, mesmo de forma implícita, reforcem desigualdades e estereótipos de gênero.

Conclusão

              O Dia Internacional da Mulher é um momento de celebração, mas também de reflexão e luta. O sistema jurídico brasileiro, embora tenha avançado, ainda precisa enfrentar desafios estruturais que perpetuam a desigualdade de gênero. O direito não pode ser um instrumento de manutenção do status quo; ele deve ser um mecanismo ativo de transformação social.

              A efetivação da igualdade jurídica depende não apenas de mudanças legislativas, mas também de uma nova postura do sistema de justiça. O reconhecimento da discricionariedade judicial como fator de reprodução da desigualdade é o primeiro passo para repensarmos a forma como o direito é aplicado no Brasil. Seguimos, portanto, na busca por uma justiça que, de fato, faça jus ao seu nome.

Rafael Iorio

http://fonsecanetoeiorioadvogados.com.br

Sócio do Fonseca Neto e Iorio Advogados. Pós-Doutor em Ciência Política. Doutor em Direito. Doutor em Letras Neolatinas. Professor da Faculdade de Direito da UFF. Chefe do Departamento Ciências Judiciárias (UFF). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida. Bolsista Cientista do Nosso Estado da FAPERJ.

Vídeos

Translate »
Pular para o conteúdo